A luta pela revogação do NEM não pode parar!

Na noite do dia 20 de março, a Câmara dos Deputados aprovou o substitutivo apresentado pelo relator Mendonça Filho (União Brasil/PE) ao Projeto de Lei (PL) 5.230/2023 de autoria do governo federal que sugeria mudanças no atual Ensino Médio. O projeto segue agora para o Senado. É preciso afirmar de antemão e categoricamente que nem o PL 5.230/2023 nem muito menos o substitutivo revogam o Novo Ensino Médio aprovado durante o governo Michel Temer. Portanto, os ataques centrais aí permanecem, como explicaremos a seguir.

Para uma compreensão mais detalhada, é necessário estabelecer uma linha do tempo que evidencie as classes sociais em luta e seus respectivos interesses sobre o tema. Em 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB), até então vice-presidente, publica a Medida Provisória 746/2016 com a finalidade de reformular o Ensino Médio. Temer aprova, mas a Reforma estava sendo gestada desde 2011, ainda no governo do PT, como vimos nas palavras do então ministro da Educação Aloizio Mercadante: “Precisamos de um novo currículo, mais flexível, menos fragmentado, tirando um pouco dessa sobrecarga de disciplinas1.

A OCI combate contra a reforma desde sua gestação, como se pode observar em nossas publicações. A MP provoca uma reação contundente de estudantes secundarias em diversos estados do Brasil que ocupam escolas exigindo a sua revogação. No entanto, o movimento sindical silencia, joga a responsabilidade para a juventude e, como se não bastasse, abandona o movimento de ocupações, que reflui pela covardia das direções do movimento estudantil e pelo abandono do movimento sindical.

Em 2017, a MP é convertida em lei e cria-se assim o famigerado “Novo Ensino Médio”. É importante registrar que o ministro da Educação da ocasião era o mesmo Mendonça Filho (União Brasil/PE), que recentemente encabeçou a “novíssima” reformulação do Ensino Médio. Também é necessário ressaltar que a MP levaria anos para ter uma implementação completa, o que dificultou que as massas compreendessem o tamanho do ataque. Em 2021, com a implementação total do NEM, não havia mais nenhuma sombra de dúvida para os jovens e trabalhadores e o ódio à reforma foi brutal.

Mas afinal, qual eram os objetivos de Michel Temer e da burguesia em aprovar tão rapidamente uma reforma no Ensino Médio? Entre diversos motivos, ressaltamos três:

1) O Novo Ensino Médio foi aprovado de forma articulada a um conjunto de contrarreformas (trabalhista e previdência) que objetivavam adequar o proletariado e os trabalhadores em formação (juventude) a um novo patamar de exploração e ao atual papel que o país, dominado pelo imperialismo, ocupa na divisão internacional do trabalho.

2) A burguesia sempre vislumbrou a educação como um “ativo” – e não um direito – a ser explorado de forma privada. Os diferentes setores empresariais (Itaú, Unibanco, Bradesco, Natura, Fundação Leman, GOL, Ifood, entre outros), que já atuavam no Ensino Superior, avançam em direção à educação básica, pois identificam, neste segmento da educação, um alto potencial lucrativo.

3) O setor empresarial não se satisfaz apenas em explorar a educação de forma privada. Busca também abocanhar fatias generosas do orçamento público através de parcerias público-privadas (PPPs) com a estratégia de assumir a gestão educacional de escolas públicas, intermediar a contratação, de forma precarizada de trabalhadores em educação e ofertar Educação a Distância (EAD) para os estudantes do Ensino Médio.

Após Michel Temer, quem assume a presidência é o reacionário Bolsonaro. Os trabalhadores e jovens, durante o governo Bolsonaro, concentraram suas forças em evitar os ataques e exigir a sua saída através da mobilização de rua e da palavra de ordem “Fora Bolsonaro”.

Tal movimento que ganhava progressivamente corpo nas ruas foi sendo empurrado pelas direções tradicionais da classe trabalhadora e da juventude para o terreno institucional. Em 2022, Bolsonaro é derrotado nas urnas e Lula é mais uma vez eleito presidente.

Com o impulso que derrotou Bolsonaro, estudantes e trabalhadores em educação, voltavam a vislumbrar de forma palpável a possibilidade de revogar o Novo Ensino Médio. Porém, após a eleição de Lula, o silêncio era o que regia o comportamento das direções das organizações dos trabalhadores e estudantes, especialmente, sobre o tema da revogação do Novo Ensino Médio. Não apresentavam sinais de mobilização e luta, apesar de formalmente posicionarem-se pela revogação. Havia uma postura complacente e, até certo ponto ingênua, de que o governo, em algum momento, sinalizaria com alguma proposta de revogação do NEM. Triste engano!

O governo de modo geral, e o Ministério da Educação de forma particular, era e é dominado pela colaboração de classes e, portanto, pela burguesia e pelos setores empresariais que atuam na educação. Apesar da paralisia das direções sindicais e estudantis, havia uma percepção correta entre trabalhadores em educação e estudantes de que era possível colocar na rua o combate pela revogação do NEM.

Diante deste desta situação política, a OCI levanta a palavra de ordem “Revoga NEM”, visto que muitas organizações, estimuladas pelo PT, começavam a manobrar com a ideia de “melhorar a reforma”. O lançamento de um abaixo-assinado proposto pelo deputado federal Glauber Braga (PSOL/RJ), que contou com forte adesão e apoio da OCI, e a formação de comitês de luta pela revogação do NEM em diversos estados provoca um desconforto nas direções sindicais e estudantis que se sentiram obrigadas a lançar algumas modestas iniciativas.

No primeiro semestre de 2023, atos de rua e paralisações foram convocadas por entidades estudantis e dos trabalhadores em educação que tiveram boa adesão das bases, o que indicava que através da luta unificada e decidida era possível revogar integralmente o NEM. Porém, estas lutas foram novamente progressivamente empurradas para o terreno institucional, especialmente e na medida em que o governo tomava iniciativas no sentido de produzir um impossível e falso consenso sobre o tema através da consulta pública, de uma revisão da legislação que versava sobre o Ensino Médio, entre outras.

No final de 2023, como resultado da pressão exercida por trabalhadores em educação e estudantes, apesar das manobras de suas direções, o governo federal envia ao congresso uma proposta de reformulação do Novo Ensino Médio. O tema avançava em alguns aspectos, entretanto, mantinha outros igualmente importantes, além de não atacar o tema da privatização do ensino. Ao chegar ao Congresso Nacional, o presidente do parlamento, Arthur Lira (PP/AL) entrega a relatoria do projeto de lei 5230/2023 para Mendonça Filho (União Brasil/PE), que foi ministro de Michel Temer e arquitetou a aprovação do NEM. Logo na sequência, Mendonça Filho (União Brasil/PE) apresenta um relatório que mantinha praticamente toda a estrutura do atual NEM. No inicio deste ano, após um acordo entre governo federal e o relator, é apresentado um substitutivo ao PL 5230/2023 com um conteúdo pior do que a proposição do governo.

Como já dito, o PL 5.230/0223 não revoga o NEM, e muito menos o seu substitutivo. Partindo dessa compreensão é possível destacar os aspectos que produziram mudanças, mas que nem de longe atendem aos interesses dos jovens e trabalhadores. A partir da aprovação do substitutivo com a inclusão de algumas emendas apresentadas pelos parlamentares a situação atual em seus pontos fundamentais é a seguinte:

1) Aumenta a carga horária da formação geral básica (FGB), exceto para Educação Profissional Técnica (EPT), para 2.400 horas, modificando o dispositivo que previa no máximo 1.800 horas. Este talvez seja o único aspecto que produz uma mudança relevante no sentido de atender as reivindicações da juventude e dos trabalhadores em educação. Porém, como veremos, no essencial, tudo permanece como estava ou agrava a situação.

2) As 2.400 horas previstas para a FGB não garantem a oferta do conjunto de disciplinas científicas obrigatórias. Isso permite que a FGB seja contaminada por “novidades” curriculares, sem bases sólidas e consagradas pelo conhecimento científico, a título de exemplo, retira a obrigatoriedade do idioma espanhol.

3) Não possibilita a FGB de 2.400 horas para os estudantes da EPT. Isso aprofunda a dualidade estrutural da educação e a segregação do sistema educacional do país.

4) Mantém a possibilidade de contratação de trabalhadores sem formação pedagógica para EPT o que resulta em precarização do trabalho do magistério. Preserva assim a figura do “Notório Saber”.

5) Um dos pontos fundamentais que estruturam o Ensino Médio não foi alterado. A possibilidade de parcerias público-privadas e de privatização é mantida para oferta de EPT. Preservando os interesses do setor empresarial que busca abocanhar generosas fatias do fundo público.

6) Reforça o vínculo curricular à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), propondo Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os itinerários formativos. O que irá gerar impactos negativos não só no Ensino Médio, mas também na formação de professores.

7) Mesmo com ressalvas, preserva a possibilidade de oferta de ensino a distância.

8) Permite que o tempo de trabalho da juventude seja computado como carga horária letiva no Ensino Médio. Estes estudantes poderão realizar a matrícula em tempo integral, mas não precisarão cumprir necessariamente a carga horária na escola, podendo complementá-la com o tempo que passam no trabalho o que desestimula o processo de escolarização destes estudantes, além de aprofundar processos de contratação precarizados e sem a adequada remuneração, sob a justificativa de que estão em formação.

As direções das entidades dos trabalhadores em educação e estudantis tratam a aprovação do substitutivo elaborado por Mendonça Filho (União Brasil/PE) e consensuado com o governo federal, como uma vitória. A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) chegou a afirmar que a “Câmara dos Deputados revogou a reforma do ensino médio”. Nada mais falso! Como demonstrado anteriormente, a legislação sobre o Ensino Médio mantém e reforça os elementos fundamentais aprovados durante o governo Michel Temer. A posição difundida pela UBES revela três aspectos importantes:

1) A ilusão na institucionalidade, no parlamento e na colaboração de classes, religiosamente renovada pelas direções do movimento estudantil. Colocam a suposta revogação do Ensino Médio como resultado da ação do parlamento e não da luta promovida pela juventude e pelos trabalhadores em educação. Posicionam os deputados como protagonistas e não a juventude;

o2) As direções do movimento estudantil e dos trabalhadores em educação, tentam dar um caráter democrático e participativo à nova legislação sobre o Ensino Médio. Retirando do governo Michel Temer, que enfrentou forte resistência através das ocupações de escolas em 2016, a responsabilidade sobre o Novo Ensino Médio e o coloca na conta do governo Lula em um ambiente de unidade nacional com a burguesia;

3) Revelam que não irão continuar a luta pela revogação do NEM, pois entendem que o substitutivo de Mendonça Filho (União Brasil/PE) foi suficiente para revogar o NEM. O que nos coloca, neste momento, em lados opostos nesta batalha. Afinal, diferente da direção da UBES, compreendemos que o NEM não foi revogado e é preciso continuar a luta pelo atendimento das reivindicações dos estudantes e trabalhadores em educação e garantir à juventude uma educação pública, gratuita e universal e que permita o acesso aos conhecimentos científicos, artísticos e culturais historicamente acumulados pela humanidade de forma plena.

O projeto com suas emendas e confusões está no Senado e deve sofrer ainda mais alterações das que levantamos aqui, o que deixa evidente que a única forma possível é a revogação.

A OCI e JCI mantém em pé a bandeira da revogação do NEM e a luta contra a destruição da educação pública, apesar das manobras da burguesia, do governo e das burocracias sindicais e estudantis. Venha lutar conosco!

Referências:

1 http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/211-218175739/18021-ministro-quer-mais-agilidade-na-reforma-do-ensino-medio

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