Contra o autoritarismo do CAHIS (USP)! Abaixo os tribunais invisíveis!

Em 20 de janeiro de 2025, a Faísca Revolucionária/MRT lançou uma nota de repúdio em seu perfil do Instagram, denunciando o Centro Acadêmico de História (CAHIS) por sua postura em relação à participação de coletivos políticos na construção da calourada. A nota afirma que a gestão atual do CAHIS teria barrado a Faísca/MRT de participar da organização da recepção dos calouros, sob a justificativa de que, na calourada do ano anterior, o coletivo teria desrespeitado os “termos de uso” impostos pelo Centro Acadêmico. Apenas os que agissem de acordo com tais “termos” seriam autorizados a organizar a calourada. A nota também explica como tal decisão teria sido tomada:
[…] após sermos informados de tal situação pela gestão do CAHIS, foi realizada uma votação para delimitar nossa exclusão na qual sequer pudemos participar para nos defender, excluindo a possibilidade do direito ao contraditório.
O referido “termo de uso”, como veremos adiante, trata-se na verdade de uma tentativa autoritária de barrar a participação de organizações políticas na calourada. Partindo de um pressuposto extremamente paternalista perante os calouros, tal documento caracteriza basicamente qualquer método de aproximação política como abusivo e mal-intencionado, como se os novos ingressantes no curso fossem ingênuos e ignorantes demais para se “defenderem” por conta própria dos perigosos jovens comunistas do movimento estudantil.
No entanto, o arsenal de documentos utilizados pelo CAHIS para justificar atitudes antidemocráticas é vasto. Alguns dias antes, uma camarada da JCI e estudante do curso de História, ao tentar ingressar na Comissão de Calourada, foi informada pela gestão de que sua participação na construção da calourada também fora vetada. Dessa vez, o que “legitimou” tal atitude foi o novo estatuto do curso de História: segundo o CAHIS, a camarada teria desrespeitado um dos artigos e, portanto, estava proibida de frequentar os espaços políticos do curso, incluindo a recepção de calouros. Novamente, a decisão fora tomada sem que a outra parte tivesse direito à defesa.
Tal protecionismo do Centro Acadêmico quanto à organização da calourada definitivamente não parte de uma honrosa preocupação da gestão com o bem-estar e a integridade dos calouros. Na verdade, esses calouros só parecem ser importantes para a gestão quando esta os utiliza como justificativa para podar a expressão política de outras organizações dentro do curso. Para garantir sua hegemonia política, as organizações que dirigiam o CAHIS (na época, Correnteza/UP) estabeleceram esses “tribunais invisíveis”, onde se participa apenas a promotoria e o acusado não pode se defender; onde o júri é composto por membros completamente parciais. A ideia não é só criar um ambiente de curso antidemocrático e sem debate político, mas também suscitar nos calouros a ideia de que as organizações políticas são as grandes vilãs.
Os casos descritos são apenas sintomas de um problema crescente no movimento estudantil da USP, onde o autonomismo e o identitarismo são os protagonistas. O texto a seguir visa traçar o posicionamento dos comunistas acerca da situação: seguindo a tradição do marxismo, procuramos traçar um panorama maior da situação do movimento estudantil na FFLCH para, a partir da análise da realidade, entendermos a natureza do problema e, a partir disso, propormos uma alternativa de combate.
Para entender a atual situação dos “tribunais invisíveis” promovidos no curso de História, é preciso voltar para 15 de janeiro de 2024, durante a organização da calourada daquele ano: nesse dia, a direção do CAHIS —composta, à época, pelo Movimento Correnteza/UP e por autonomistas— cria um “termo de compromisso” que deveria ser assinado por todos aqueles que quisessem participar da Comissão de Calourada. O termo em questão proibia a prática da chamada “Tática 2”, definindo-a da seguinte maneira:
“uma tática que algumas pessoas adotam para cooptar as outras; se utilizando das oportunidades da novidade da calourada para; seja para inserir os caloures em uma entidade, partido ou para chegar com segundas intenções, sejam elas políticas ou pessoais.”
Tal caracterização, nada menos que absurda, confundia a verdadeira definição de Tática 2 — uma perniciosa prática de cooptação, feita por meio da aproximação amorosa ou sexual para fins políticos — com o comum trabalho de aproximação política feito pelas organizações durante o período de entrada de calouros. Perante essa atitude reacionária, a JCI lança uma nota de repúdio, denunciando não só a arbitrariedade do referido “termo”, mas também apontando a passividade de organizações como a Faísca Revolucionária/MRT que, mesmo sendo diretamente afetada por tal termo, optou por assiná-lo ao invés de combatê-lo. Como será possível observar, esse tipo de postura omissa ajudaria a abrir margem para atitudes cada vez mais autoritárias por parte da antiga gestão e de autonomistas.
Meses depois, no dia 24 de outubro, é realizada a assembleia de convocação do Congresso da História, que ocorreu entre os dias 11 e 14 de novembro: um congresso apressado, mal organizado e com baixa adesão, mas cuja realização foi novamente apoiada em assembleia por organizações como a Faísca/MRT em contraste à posição da JCI/OCI, que defendia que eventos desse porte não poderiam ocorrer dessa maneira.
Mesmo com os esforços do Movimento Correnteza/UP na direção do CAHIS, da Faísca/MRT e dos autonomistas, o Congresso foi um completo fracasso, contando com uma ínfima presença de estudantes do curso. No último dia de congresso, onde seria votado o novo estatuto do CAHIS, o quórum mínimo necessário para garantir a legitimidade da votação (6% do total de estudantes matriculados no curso) não foi atingido: na realidade, o quórum verdadeiro do último dia de congresso mal chegou a 1% do corpo discente. Mesmo assim, o novo estatuto foi aprovado e defendido como válido.
Alguns dias antes, no Congresso dos estudantes do curso de Letras, a OCI era alvo de uma atitude igualmente oportunista: perante o acalorado combate pela instauração de um modelo de gestão proporcional — defendido pela Faísca/MRT e pela Juventude Já Basta/SoB, e do qual a OCI/JCI diverge—, a direção do Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários (CAELL), composta pelo Rebeldia/PSTU, instrumentaliza o coletivo negro do curso ao lançar uma nota que defendia o modelo de gestão eleita sob a justificativa de que uma gestão proporcional permitiria que organizações “anti-cotas” participassem da direção do centro acadêmico. A nota referenciava a posição crítica da OCI com relação às políticas afirmativas de maneira tendenciosa, insinuando que o posicionamento fosse de cunho racista. Esse tipo de instrumentalização dos coletivos anti-opressão foi abertamente repudiado e combatido pelos militantes da JCI nas redes sociais. As outras organizações participantes do congresso (Já Basta/SoB, Faísca/MRT e Correnteza/UP) não se manifestaram perante a situação, embora já tivessem presenciado, no curso de História, condutas semelhantes.
Novamente, a falta de um combate contundente a tais métodos oportunistas resultaria em atitudes cada vez piores. Dessa vez, o palco para a instauração do primeiro “tribunal invisível” foi as eleições para o CAHIS, iniciadas em 16 de Novembro, com o novo estatuto da História já em vigor: a chapa Intifada, impulsionada pela Faísca/MRT, é impugnada poucos dias depois do início do período eleitoral. A justificativa dada seria o descumprimento do Artigo IV do novo estatuto por parte de um dos membros da chapa. O artigo em questão diz o seguinte:
São direitos dos associados:
I. Compor chapa para concorrer em eleições para a gestão do CAHIS-USP, votar e ser votado para a representação discente e integrar as respectivas comissões institucionais do DH, da FFLCH, do IEB-USP e do MAE-USP. Em caso do associado possuir denúncias ativas dentro dos respectivos coletivos anti-opressão do curso devidamente legitimados neste estatuto, será impedido, conforme as bandeiras políticas defendidas no Capítulo 8, artigo 30º, de representar estudantes em instâncias representativas relativas à abrangência discente e do CAHIS, sendo elas:
- – Gestão do Centro Acadêmico
- – Formação de chapa para o Centro Acadêmico
- – Comissão oficial do curso na recepção de calouros
- – Eventuais eleições de delegadas promulgados em assembleias
A chapa se posicionou após a impugnação, explicando o que teria causado a suposta “infração” ao artigo citado: tratava-se de uma denúncia ativa contra um membro da chapa em um dos coletivos anti-opressão. No entanto, os militantes da Faísca afirmaram que já tinham entrado em contato com o coletivo diversas vezes para entender o problema e procurar tomar as devidas providências e, mesmo assim, nunca conseguiram ao menos saber o motivo da denúncia. O réu, sem saber o motivo da pena, já havia sido julgado e condenado.
Voltamos, então, para janeiro de 2025. O tribunal do CAHIS já estava novamente em sessão: a ré da vez foi Rhayssa Rangel, militante da JCI e estudante do curso de História que, ao tentar se inscrever para a comissão de calourada deste ano, recebe a notícia de que também perdeu seus direitos políticos por também infringir o Artigo IV do estatuto vigente. Como da última vez, a justificativa que caracterizaria a dita “infração” não foi informada, e tampouco foi concedido o direito à defesa.
O motivo da denúncia contra nossa camarada só foi revelado após a JCI emitir uma nota, combatendo publicamente os métodos usados pelo CAHIS. No dia 21 de janeiro, foi informado que a militante havia sido foi denunciada por transfobia pelo coletivo feminista da História (uma vez que o coletivo LGBT ainda não estaria organizado o suficiente para receber denúncias). O caso em questão teria ocorrido quando Rhayssa errou algumas vezes o pronome de outra estudante de História em uma discussão no grupo de GT do curso. Tal discussão teria se iniciado após o envio de uma postagem do Instagram da JCI, na qual se denunciava o caso do Congresso da Letras, que também contava com a instrumentalização dos coletivos anti-opressão em favor de motivos políticos. O debate acalorado colocou a militante em uma discussão com cerca de 7 estudantes ao mesmo tempo. No meio do turbilhão de mensagens, Rhayssa errou os pronomes da estudante em questão, foi corrigida e alegou não saber pois, sem ter seu contato salvo no WhatsApp, só tinha acesso ao número de telefone dela: sem nome, nem foto, apenas algarismos. Uma mera confusão gerou a expulsão do grupo do GT da História, a acusação de transfobia e a retirada dos direitos políticos da camarada.
Esse conjunto de acontecimentos revelam duas crescentes tendências no movimento estudantil da USP: métodos antidemocráticos baseados nas concepções identitárias. A guinada antidemocrática é a responsável pelos tribunais onde os “acusados” mal têm direito de saber ou de se defender de suas acusações, pelos estatutos aprovados sem quórum mínimo, pela criação de “termos de compromisso” surpresa para limitar a atuação das organizações políticas em calouradas. A guinada identitária, por sua vez, é a que fomenta a instrumentalização de coletivos anti-opressão para fins de perseguição política e que, consequentemente, banaliza pautas tão importantes como a LGBTfobia, o racismo e o machismo. Tais coletivos poderiam atuar ombro a ombro com a direção do Centro Acadêmico para conscientizar e promover um ambiente de curso mais democrático e combativo, mas, por estarem inseridos num contexto de utilização de métodos autonomistas, tornam-se apenas mais uma peça a manipular no jogo de interesses políticos.
Perante a guinada antidemocrática e identitária, há ainda mais um agravante: o fato de que as organizações que reivindicam o marxismo não só assistem à morte da democracia operária e do Socialismo Científico, como também ajudam a enterrá-los. Da omissão da Faísca/MRT na História ao oportunismo do Rebeldia/PSTU na Letras, as organizações que deveriam estar unidas em combate a esse tipo de postura muitas vezes corroboram para colocá-la em prática. O problema é que, uma hora ou outra, todas essas organizações podem ser vítimas dos mesmos métodos que um dia ajudaram a instaurar.
Fica evidente, portanto, que o movimento estudantil da USP enfrenta um momento de inflexão que exige uma resposta unificada e contundente. A crescente adoção de métodos autoritários e a instrumentalização de pautas identitárias para perseguições políticas não apenas comprometem a legitimidade do movimento, mas também enfraquecem sua capacidade de se organizar e lutar coletivamente por demandas justas. Esse contexto reforça a necessidade de resgatar os princípios do marxismo, que historicamente forneceram as bases para um movimento combativo, inclusivo e orientado pelas necessidades concretas da classe trabalhadora e da juventude.
A JCI não se curva ao autoritarismo do CAHIS, aos julgamentos covardes e reacionários que não dão direito a defesa. O direito ao contraditório surge de lutas históricas contra o despotismo e é uma conquista democrática valiosa. Nossa camarada Rhayssa estará em todos os ambientes do movimento estudantil, em todos os combates públicos que julgar necessário. Estendemos nossa defesa a todos os companheiros e companheiras punidos indevidamente por esta política autoritária, disfarçada de “progressismo”.
Por isso, convocamos todos os estudantes, coletivos, organizações e o DCE livre da USP a se posicionarem firmemente contra essas medidas reacionárias e a se engajarem em uma luta comum pela reconstrução de um movimento estudantil democrático, combativo e aliado às demandas da classe trabalhadora. A luta por mais direitos, contra a opressão e pela emancipação política exige o fim de práticas que deslegitimam as reivindicações históricas do movimento estudantil e transformam pautas essenciais em ferramentas de perseguição. Somente unidos, com métodos democráticos e baseados no debate e na construção coletiva, será possível avançar na organização e na luta por uma universidade mais justa e um movimento estudantil realmente transformador.