Declaração da OCI sobre a ruptura organizada pelo Secretariado Internacional da ICR
O que hoje constitui a Organização Comunista Internacionalista (OCI) — que tem em seu DNA o internacionalismo proletário, a luta pela independência de classe, contra as tendências pequeno-burguesas no movimento operário, contra os governos de colaboração de classe, como as Frentes Populares e os governos de união nacional, contra o imperialismo e seus agentes nas organizações que a classe trabalhadora reconhece como suas, e nos orgulhamos de nossos combates como direção do Movimento das Fábricas Ocupadas, o combate ao racismo e ao racialismo, a luta contra o identitarismo e as concepções pós-modernas na juventude e no movimento operário — foi, de 2008 até 14 de setembro de 2025, a seção brasileira da Corrente Marxista Internacional (CMI), hoje Internacional Comunista Revolucionária (ICR). Esse período terminou. Aqui apresentamos ao movimento operário e à juventude as razões políticas, pois é a política que comanda tudo, que culminaram na cisão, operada pelo Secretariado Internacional da ICR com apoio de uma fração minoritária no Brasil.
Essa cisão no Brasil tem um significado histórico e é um reflexo da nova situação política mundial, marcada pelo fim da ordem de Yalta e Potsdam e pelo aprofundamento da crise orgânica do capital em sua fase imperialista, pela polarização aprofundada da situação política e da luta de classes internacional. O Comitê Central aprovou por unanimidade o documento político de preparação ao nosso 9º Congresso da OCI, em que explicamos:
“Isto significará mais crises e choques entre os governos dos diferentes países, mas todos envoltos na teia de aranha do capital financeiro internacional, que não conhece fronteiras e se debate com a existência dos Estados nacionais e a propriedade privada dos meios de produção. Esta situação vai inevitavelmente ampliar a dominação imperialista e a reação dos povos oprimidos. A diferenciação entre países dominantes e países dominados, que é um dos traços da época do imperialismo, vai se aprofundar necessariamente. E, de fato, todo o combate restará nas mãos da classe trabalhadora.
O desenvolvimento da crise do capital se aprofundará ainda mais nesta situação em direção à desagregação do mercado mundial e, portanto, à crise maior das instituições que a própria burguesia criou durante seu período de desenvolvimento e das condições de vida dos povos. O que significará mais polarização entre as classes, guerras e revoluções, mas também, necessariamente, diferenciações políticas e organizativas no interior da classe trabalhadora, que, para lutar, se vê obrigada a enfrentar os dirigentes oficiais das organizações que a classe ainda reconhece como suas.”
Ao analisar o governo Trump, fenômeno catalisador do aprofundamento da crise orgânica do capital, corretamente afirmamos que seu impulso é aprofundar os traços bonapartistas do regime norte-americano:
“Estes traços bonapartistas surgem em todas as democracias burguesas do mundo, que já não podem conviver com as liberdades democráticas arrancadas pelo proletariado no curso de suas lutas nos séculos XIX e XX. Eles mostram o verdadeiro esqueleto do Estado burguês, que é, no essencial, um bando de homens armados com um sistema de prisões para defender o capital. A democracia burguesa que se diz liberal se embala nos ditos populismos de direita e na repressão contra qualquer dissidência. Este é um traço importantíssimo da situação internacional em que há uma decomposição acelerada do sistema capitalista em todos os aspectos: econômicos, políticos, culturais, artísticos e sociais.”
Essas análises guardam uma importância e justeza ainda maiores na presente situação, precisamente pelo fato de que, frente a uma crise profunda do sistema capitalista, a burguesia, incapaz de continuar a desenvolver as forças produtivas que ela engendrou, precisa, para impedir a rebelião dessas mesmas forças produtivas, por um lado, aprofundar os traços de bonapartismo em diferentes democracias burguesas e, por outro, aumentar a pressão sobre as organizações da classe trabalhadora, dobrando-as ao oportunismo ou levando-as a sucumbir a todo tipo de ideias e métodos alheios à classe trabalhadora.
Quando a burguesia pode dobrar as organizações da classe ao oportunismo, ela integra essas organizações ao aparato do Estado e corrompe as camadas dirigentes, assim como explicou Lênin em “O imperialismo, fase superior do capitalismo”.
Quando não pode dobrar diretamente as organizações do movimento operário, a pressão exercida pela burguesia e pela pequeno-burguesia vai no sentido de que essas organizações adotem ideias alheias à classe trabalhadora: racialismo, identitarismo, pós-modernismo, frente popular, novas vanguardas, ecletismo teórico de todo tipo, sectarismo etc.
Essas ideias também se expressam em métodos organizativos frouxos, calúnias, ataques pessoais e até mesmo fraudes. Todos esses métodos são alheios ao bolchevismo revolucionário, que nos legou o centralismo democrático, a expressão dialética da luta política, econômica e teórica da classe trabalhadora por sua emancipação, garantindo a unidade dialética entre a liberdade de discussão e a unidade prática de ação na luta de classes.
O resultado dessa pressão são choques teórico-político-organizativos no interior das organizações proletárias, em que as diferentes alas, expressando-se por meio dos sujeitos, tomam palco no interior da organização proletária.
A história dos partidos e das organizações operárias conhece fusões e cisões, tendências e frações que, no limite, se resolvem na luta de classes e na própria revolução — a entrada das massas proletárias em cena pelo controle e decisão sobre seus destinos.
Compreendendo isso, combatemos de maneira centralizada e fraterna no interior da CMI/ICR nos últimos 17 anos, para que essa organização internacional tivesse o seu melhor desenvolvimento, no sentido de ser um embrião para a reconstrução de uma verdadeira Internacional Comunista, de Lênin e Trotsky, com influência de massas.
Para nós, essa era a nossa internacional, e combatemos pelo seu desenvolvimento, desde a construção da própria seção brasileira, como em todos os combates de solidariedade internacional, bem como em contribuições, emendas e documentos alternativos sobre questões teóricas, de análise de conjuntura e de questões organizativas. Sem dúvida nenhuma, apresentamos inúmeras questões importantes para discussão, sobre as quais não chegamos a acordos:
- A questão sobre se as forças produtivas continuaram a se desenvolver ou não após a 2ª Guerra. Segundo a direção da ICR, elas continuam se desenvolvendo ainda hoje (ver resolução do Congresso Mundial de 2025), quando, para nós, as forças produtivas estão estagnadas e, inclusive, se transformam em forças destrutivas. Inclusive, para a direção da ICR, as forças produtivas podem crescer e se desenvolver de maneira regional ou por país, pois sua concepção é de que a criação de fábricas, o desenvolvimento da ciência, da técnica e das máquinas equivale ao desenvolvimento das forças produtivas sociais. Nós pensamos que as forças produtivas são um conceito social e histórico, portanto, não passível de aplicação regional ou em um país específico, e que essas forças produtivas, na época do imperialismo, inclusive se transformam em forças destrutivas.
- A opinião de que guerras são “gastos desnecessários”, que a guerra da Ucrânia era “desnecessária” (sic!), quando sustentamos que as guerras são da natureza do capitalismo imperialista e o militarismo é seu motor de reserva frente à crise orgânica do capital desde o século XX.
- Sobre o imperialismo: para a direção da ICR, anexações como a da Ossétia do Sul pela Rússia ou a invasão da Ucrânia são vistas como expressão de imperialismo, quando nossa opinião é a de Lênin sobre o imperialismo, que é o domínio do capital financeiro.
- Sobre o caráter da Rússia: a direção da ICR, em um momento, a classifica como imperialismo regional e, em outro, a descreve como “imperialismo emergente”.
- Sobre o caráter da China: a direção da ICR a considera um imperialismo emergente que, junto com o imperialismo russo, disputa a hegemonia do planeta contra o imperialismo norte-americano, num mundo multipolar, em que potências imperialistas disputam entre si. Esse é o centro da análise da situação mundial para a direção da ICR: uma disputa entre blocos de nações e não a luta de classes.
- Sobre a existência de imperialismos regionais, como Brasil, Argentina, Turquia, Paquistão, Irã etc., países que consideramos dominados, semicoloniais e semi-industrializados.
- Sobre a questão da Palestina: havia permanentemente dificuldades em chegar a uma formulação comum sobre a questão nas resoluções. A resolução da questão palestina era sempre remetida à vitória da revolução em todo o Oriente Médio, o que não deixa de ser verdade, mas ignora completamente a luta política em toda a Palestina, ou seja, o lugar das palavras de ordem transitórias em Israel, Cisjordânia e na Faixa de Gaza, em toda a Palestina. Assim, fomos surpreendidos quando um dirigente do CEI, no Congresso Mundial, declarou que havia diferenças crescentes sobre nossas opiniões a respeito da Palestina. Então constatamos, em texto que não conhecíamos até então, que a posição real de Ted Grant e Alan Woods era de:
“No entanto, hoje o Estado de Israel existe, e o relógio não pode ser atrasado. Israel é uma nação, e não podemos exigir sua abolição. A solução para o problema nacional palestino (que discutiremos mais tarde) só pode ser alcançada por meio da formação de uma federação socialista do Oriente Médio, na qual árabes e israelenses possam coexistir em suas respectivas pátrias autônomas, com total respeito a todos os direitos nacionais.” (“Marxismo e a questão nacional”, Alan Woods e Ted Grant, tradução livre. Publicado em fevereiro de 2000 no site “Em Defesa do Marxismo” e republicado em 4 de outubro de 2015 no site da seção italiana)
- Essa posição significa, de fato, aceitar a política de dois Estados, mesmo que coberta pela ideia impossível de uma Palestina socialista ao lado do Estado sionista de Israel. É, no fundo, a adaptação à decisão da ONU de partilha da Palestina em 1947, de aceitar os Acordos de Oslo, apesar de formalmente se declarar contra, mas, de fato, entrar no coro dos dois Estados, só que numa posição esquerdista e, de fato, impossível de ser realizada. Essa posição aparece de forma insinuada na orientação dos textos da fração rupturista brasileira.
- A OCI reafirma sua posição de que nossa principal palavra de ordem de mobilização para a Palestina e de destruição do Estado sionista racista de Israel é a luta por uma Palestina unificada em um Estado único, laico e democrático, em todo o território histórico da Palestina, em que convivam em igualdade todos os seus componentes religiosos, étnicos e históricos. O que, como os marxistas sabem, só pode ser vitorioso como resultado de uma revolução socialista em toda a Palestina e nos países árabes da região, com o objetivo de uma Federação Socialista do Oriente Médio, que é nosso objetivo.
Sem dúvida, são grandes e importantes divergências, que nunca nos impediram de conviver e agir juntos na luta de classes. Em 17 anos, a direção internacional NUNCA, NUNCA se opôs a nenhuma análise ou ação política da Esquerda Marxista, hoje OCI, no Brasil. Nunca fez uma só observação sobre um erro político ou organizativo que estivéssemos cometendo.
Sempre publicamos todos os documentos emanados dos organismos da Internacional, mesmo quando não estávamos inteiramente de acordo com eles. E, até o ano passado, votamos textos mesmo com importantes discordâncias, porque o centro dos textos e suas conclusões práticas estavam de acordo com o que pensamos. Um marxista não corta a árvore porque ela tem um ou vários galhos secos.
Mas uma mudança qualitativa ocorreu em 2024, a partir da abertura de uma nova situação mundial que se anunciava, de um salto de qualidade na crise internacional do capital e em suas consequências políticas, à qual veio se somar a fundação da Internacional Comunista Revolucionária, proposta pelo SI em fevereiro de 2024 e fundada em junho do mesmo ano, quatro meses depois. Passou-se, assim, para a impaciência autoproclamatória e suas consequências.
A autoproclamação da Internacional Comunista Revolucionária
Fruto de uma análise acertada sobre a polarização da luta de classes e a radicalização da juventude, a CMI lançou a campanha “Você é comunista? Então, organize-se!” em seu Congresso Mundial de 2023. Essa campanha deu um enorme impulso à construção da CMI, com um saldo de 2.370 militantes a mais de junho de 2023 a junho de 2024, com crescimento em diferentes países do mundo. Já de junho de 2024 (Conferência de fundação da ICR) a junho de 2025 houve um saldo de crescimento de apenas 65 militantes.
Esse avanço na construção foi tomado como base para a fundação da Internacional Comunista Revolucionária, num clima de entusiasmo, em que, mesmo votando favoravelmente à proclamação, levantamos ressalvas sobre a necessidade de impedir que isso fosse um passo autoproclamatório. Mas o entusiasmo autoproclamatório era geral na ICR e ofuscou uma análise sóbria sobre qual deveria ser o próximo passo da construção.
O Manifesto de Fundação da Internacional Comunista Revolucionária apontava que o fenômeno falsamente conhecido como “globalização” permitiu à burguesia tentar superar, mesmo que parcialmente, a limitação do Estado nacional através do impulso do comércio mundial, mas esse processo atingiu seus limites e estava retrocedendo.
“O nacionalismo econômico e as medidas protecionistas são agora as tendências dominantes – precisamente as mesmas tendências que transformaram a recessão da década de 1930 na Grande Depressão. Isto assinala uma mudança decisiva em toda a situação. Conduziu inevitavelmente a uma enorme exacerbação das contradições entre as nações e à proliferação de conflitos militares e protecionismo. Isto está claramente expresso na barulhenta campanha realizada pelo imperialismo norte-americano sob a bandeira do ‘America First!’. ‘América em primeiro lugar’ significa que o resto do mundo deve ser empurrado para a segunda, terceira ou quarta posição, o que significará mais contradições, guerras e guerras comerciais.” (Manifesto de Fundação da Internacional Comunista Revolucionária)
Após um ano de fundação da ICR, o conflito entre China, Rússia e Estados Unidos – que já fazia parte da análise na fundação da ICR, contra a qual apresentamos nossa divergência, mas que estava circunscrito na luta de classes e apresentado como parte da situação internacional – toma o lugar central da análise:
“A situação mundial está dominada por uma enorme instabilidade nas relações mundiais. Isso é resultado da luta pela hegemonia mundial entre os EUA, a potência imperialista mais poderosa do mundo, que está em relativo declínio, e a China, uma potência imperialista em ascensão, mais jovem e mais dinâmica.
(…) Agora podemos ter um vislumbre de como seria um mundo ‘multipolar’: potências imperialistas dividindo o mundo em esferas de influência, intimidando os países a se submeterem a uma ou outra.” (O mundo de cabeça para baixo: um sistema em crise)
A pressão da burguesia e da pequeno-burguesia adentra no seio da Internacional por meio do ecletismo teórico, combinando elementos da análise marxista com elementos do que se chama “geopolítica”, uma teoria burguesa que surgiu no marco da transformação do capitalismo concorrencial em capitalismo monopolista para justificar e orientar a disputa por colônias, mercados e rotas estratégicas.
É uma teoria fundamentalmente burguesa, que centra sua análise nas condições naturais, como território, posição e recursos, e não exatamente na estrutura social e nas relações de produção existentes no mercado mundial, portanto, na luta de classes. Esquece a dominação internacional do capital financeiro sobre o mercado mundial, como explicou Lênin.
Essa concepção foi mesclada com elementos da análise marxista para compreender a nova situação e o papel “imperialista” da China, o que levou à afirmação de que:
“A China se tornou um rival sistêmico dos EUA no cenário mundial. Este é o verdadeiro significado da guerra comercial de Trump contra o país. Trata-se de uma luta entre duas potências imperialistas para afirmar sua força relativa no mercado mundial.” (O mundo de cabeça para baixo: um sistema em crise)
Como podemos observar, essa análise inverte o que dizia o próprio Manifesto de Fundação da ICR, que apontava as guerras comerciais como resultado não da ascensão da China como potência imperialista, mas dos próprios limites da “globalização”, isto é, o aprofundamento da crise capitalista, culminando na tendência ao nacionalismo econômico e ao protecionismo.
O Manifesto de Fundação da ICR dizia sobre a atual situação das forças produtivas no mundo:
“A crise atual não é uma crise cíclica normal do capitalismo. É uma crise existencial, expressa-se não apenas na estagnação das forças produtivas, mas também em uma crise geral da cultura, da moralidade, da política e da religião.” (Manifesto de Fundação da Internacional Comunista Revolucionária)
Um ano depois, vê-se uma inversão, em que as forças produtivas se desenvolvem na China:
“O desenvolvimento das forças produtivas na China é agora um fato estabelecido. É inútil negá-lo. Tampouco, objetivamente falando, é um desenvolvimento negativo do ponto de vista da revolução mundial, pois criou uma classe trabalhadora massiva, que se acostumou a um aumento constante em seu padrão de vida por um período prolongado. Trata-se de uma classe trabalhadora jovem e vigorosa, livre de derrotas, sem estar atada a organizações reformistas.” (O mundo de cabeça para baixo: um sistema em crise)
Além disso, ignora-se que a guerra comercial foi desatada contra a maioria dos países, em maior ou menor escala, como parte de um ataque global à classe trabalhadora. O impressionismo instalara-se na Internacional, ofuscando a correta compreensão sobre a luta de classes.
É importante ressaltar que essa compreensão do Manifesto de Fundação da ICR é desenvolvida em um dos eixos do informe ao 9º Congresso da OCI, que afirma:
“O desenvolvimento da crise do capital se aprofundará ainda mais nesta situação em direção à desagregação do mercado mundial e, portanto, à crise maior das instituições que a própria burguesia criou durante seu período de desenvolvimento e das condições de vida dos povos. O que significará mais polarização entre as classes, guerras e revoluções, mas também, necessariamente, diferenciações entre as frações das classes dominantes e redefinições políticas e organizativas no interior da classe trabalhadora, que, para lutar, se vê cada vez mais obrigada a enfrentar os dirigentes oficiais das organizações que a classe ainda reconhece como suas.”
A fundação da ICR também marcou um ponto decisivo de mudança na concepção política sobre qual tipo de Internacional e de organizações nacionais deveriam ser construídas. Não era mais necessária uma corrente internacional de organizações marxistas que fizesse formação, propaganda e agisse diretamente na luta de classes, organizando e construindo, combatendo com independência, mas levando em conta as organizações de massa da classe trabalhadora e os aparatos traidores.
Repentinamente, a situação “exigia” e permitia a proclamação de uma Internacional Comunista Revolucionária, que tinha como tarefa o lançamento de partidos comunistas revolucionários, mesmo que com poucas centenas de membros e quase nenhuma inserção na classe operária. Uma concepção sectária de autoproclamação que, como se viu neste pouco tempo, conduziu também ao oportunismo.
As consequências imediatas dessa nova concepção de Internacional foram, em primeiro lugar, uma enorme pressão para o crescimento das seções e da Internacional. E foi precisamente por essa fresta que as concessões oportunistas foram convidadas a entrar. Como justificar-se como Internacional Comunista Revolucionária transformando pequenas seções em Partidos Comunistas Revolucionários, se o crescimento após a proclamação da ICR era tão inexpressivo?
Isso começou a se revelar como uma pressão angustiante sobre os dirigentes que impulsionaram essa linha política e, convenientemente, passaram a ignorar a penetração das ideias estranhas à classe trabalhadora no seio da Internacional. O que teria consequências nefastas até chegar à ruptura, organizada por eles próprios, contra a OCI, que nunca compactuou com ideias que questionassem o marxismo.
Assim, desde a proclamação da ICR surgiram pressões que levaram distintas seções a começar a buscar atalhos para o crescimento. Algumas cresceram e outras perderam militantes, entre elas o Brasil, mas a perda mais significativa foi na Suécia e na Rússia, onde houve uma cisão liderada por um dirigente histórico da seção, com posições anarquistas.
Numa organização que, em 2018, realizou uma discussão internacional, educando todas as seções e produzindo um documento chamado “O marxismo e a luta contra as ideias estranhas à classe trabalhadora”, cujo eixo central era o combate às ideias identitárias e pós-modernas na juventude e na classe trabalhadora, começou a aparecer uma adaptação ao identitarismo e ao pós-modernismo.
A seção mexicana passou a utilizar linguagem neutra para convites de atividades nas redes sociais, segundo um dirigente, porque seria a única forma de fazer trabalho na universidade:



A seção norte-americana somou-se publicamente à convocatória de uma manifestação queer, organizada por uma fundação burguesa:

A seção italiana participou do 8 de março, agitando um banner com os dizeres “Revolucionários contra o patriarcado” e publicando nas redes sociais a afirmação de que, na Itália, a maioria dos pais são “pais patrões”, responsabilizando diretamente os homens proletários pela exploração e violência contra as mulheres — numa incompreensão e equívoco total do que explicou Engels em seu livro “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”:


E, atualmente, na Inglaterra, sede do Secretariado Internacional, o recém-fundado RCP participa de manifestações de rua com seus cartazes, rendendo-se ao coro de que o fascismo ameaça o mundo — ou ao menos a Grã-Bretanha — e agitando palavras de ordem da mais pura essência pequeno-burguesa e reformista: “Esmague a ameaça fascista” e “Não culpe os barcos. Culpe os bilionários!”:


Independente de os textos dos panfletos explicitarem a luta contra o capital e pelo comunismo, a apresentação é a cabeça política do que se faz. Não se trata de uma tática legítima, mas de adaptação ao identitarismo e ao pós-modernismo.
No entanto, não houve nenhuma ruptura por esses motivos. Acreditamos que se poderia continuar a discussão e corrigir isso, e que, além de tudo, esses desvios não eram o centro do problema em debate no Congresso Mundial.
Mas não há dúvida, como sempre, de que quem começa a revisar o marxismo nunca para nas letras iniciais. A fração minoritária que organizou secretamente uma ruptura nos dois últimos meses acaba de adotar, em seu Informe ao congresso de fundação da “nova seção da ICR”, um parágrafo de continuidade desta “busca pelo crescimento” sem escrúpulos e sem limites, que diz tudo:
“Além disso, esse plano comum deve conseguir dialogar com as novas relações, linguagens e dinâmicas estabelecidas pelas novas gerações. A nova seção brasileira da ICR precisa fazer-se presente onde os jovens estão, em especial a juventude da juventude, por meio do TikTok, do Discord e de outras formas digitais usadas pela juventude. Esse sistema de agitação e propaganda precisa estar em sintonia com os novos tempos e as novas gerações.”
No caso da seção britânica, a maior dentre todas, o aparecimento da palavra de ordem “Revolução contra os bilionários” foi assim explicado:
“Adotamos slogans e discursos ousados que atribuíam firmemente a culpa pela crise social à classe dominante: quem é o culpado pela crise imobiliária? Os proprietários de imóveis. Quem está atacando nossos salários? Os bilionários. Quem está criando a crise migratória? Os imperialistas.
Ao culpar refugiados e migrantes por todos esses problemas, Robinson, Farage e Starmer estão isentando os verdadeiros criminosos – os banqueiros e os patrões – e dividindo a classe trabalhadora. É por isso que apresentamos o slogan ‘Culpe os bilionários, não os barcos’.” (Unite the Kingdom’ counter-demo: RCP says ‘fight the billionaires, not the boats!)
Trata-se de uma política que parte da análise de que os “culpados” são os bilionários, os banqueiros, os proprietários de imóveis etc., e não o próprio sistema capitalista, engendrado em suas contradições, que compele os capitalistas individuais e, finalmente, a própria classe burguesa a agir de acordo com suas leis de funcionamento. É uma versão nova de “luta contra o neoliberalismo” e não contra o capitalismo.
Essa foi a resposta da seção frente à manifestação da extrema-direita de 100 mil pessoas realizada em setembro. Com relação às lideranças oficiais da esquerda, Corbyn e Sultana, sua postura foi denunciar a falta de um programa revolucionário e relembrar as hesitações e traições de Corbyn, sem nem mesmo uma orientação de frente única que pudesse aproximar e interagir com a base de 800 mil pessoas que se registraram no partido de Corbyn e Sultana em quatro dias.
Como acabaram de proclamar um Partido Comunista Revolucionário (RCP), não sabem o que fazer frente a um partido que, ao simples chamamento de Corbyn e Sultana, reúne massas, e que as pesquisas dizem já ter 15% dos votos na Grã-Bretanha. Em sua declaração, chamam militantes e simpatizantes a se organizarem no RCP para armar esse novo partido, de Corbyn e Sultana, com um programa revolucionário. Mas como pretendem fazer isso como RCP, dirigindo-se a um novo partido de massas, mas atuando por fora deste, o Novo Partido de Esquerda?
A nova concepção de Internacional, autoproclamada, à qual só falta as massas aderirem, pressionou as principais lideranças internacionais da ICR a adotarem a concepção de que uma organização que luta para alcançar seus 10 mil primeiros membros precisa ter homogeneidade política, teórica e tática. Não pode conviver com diferenças. A ideia de que a “verdadeira unidade deve ser baseada em princípios, que só é possível com base no acordo sobre todas as questões centrais” conduz, na prática, a um beco sem saída. Ou seja: os princípios passam a ser as decisões políticas da conjuntura e, portanto, se a conjuntura e as questões centrais mudarem, mudam-se também os princípios.
Com essa concepção, nenhum partido pode durar frente à vertiginosa luta de classes vivida desde o início do século XX. O partido bolchevique teria de ter sido dividido várias vezes durante os anos da revolução e durante a 3ª Internacional, até Lênin.
Foi através dessa concepção — de que as divergências que vínhamos apresentando no quadro centralizado da Internacional foram verbalizadas como “não poderiam mais continuar…”, “isso não pode mais continuar”, “se continuar isso vai acabar mal…” e que era preciso “refundar a OCI contra o sectarismo e contra o formalismo” (declarações de membros do SI e do CEI) — que se inicia uma campanha pela cisão a partir do Secretariado Internacional. Aos gritos de “jamais expulsaremos alguém por divergências políticas”, desenvolveu-se a campanha de que, com essas diferenças, era impossível “coabitar”.
Ataques públicos e permanentes acusavam a seção brasileira e seus principais dirigentes de não marxistas, metafísicos, escolásticos, formalistas e, finalmente, idealistas. Esses ataques tomaram um lugar quase permanente na direção internacional, iniciando a formação de uma situação insuportável para levar a direção da OCI a “provocar a cisão”.
A pressão pequeno-burguesa da direção da ICR penetra na seção brasileira
Essas ideias pequeno-burguesas penetraram na seção brasileira e encontraram expressão em uma fração que se consolidou numa velocidade sem precedentes em nossa história. Essa fração, organizada por dois dirigentes que haviam votado e reafirmado o Informe do CC várias vezes, repentinamente se estabelece descobrindo uma incompatibilidade total entre o Informe do CC e suas novas ideias, assim como com os “métodos” da direção brasileira.
Produziram um documento alternativo ao 9º Congresso da OCI — um documento equivocado — em que reescrevem a história do Brasil, analisando a política externa de cada governo em relação ao imperialismo chinês ou norte-americano. Sustentam que o Brasil hoje seria palco da luta inter-imperialista entre China e EUA. É isso que justifica que, em um artigo publicado no site da ICR intitulado “Brasil: enfrentando a agressão americana sem depender do imperialismo chinês”, relacionem junho de 2013, a operação Lava Jato em 2014, o impeachment da Dilma em 2016 e a eleição de Bolsonaro em 2018 com “a chegada do capital chinês ao Brasil, deslocando o domínio financeiro dos EUA sobre o país, até então reinante, e disputando espaço com o capital financeiro dos países imperialistas tradicionais”.
A fração apresentou em seu contrainforme uma revisão da análise de todo o período recente do país, recentralizando todos os eventos a partir do argumento de quão próximo ou distante dos interesses do imperialismo chinês ou norte-americano estivesse o governo brasileiro. Trata-se da geopolítica aplicada ao Brasil a partir da política externa de cada governo.
Em seu documento alternativo, nenhuma palavra sobre o combate às concepções pós-modernas e identitárias. Ao contrário, abrem as portas, como demonstramos acima.
O caráter oportunista do documento revelou-se completamente ao não propor nenhuma alteração prática na linha política central que desenvolvemos: a campanha “Fora o imperialismo e suas guerras!”. Nenhuma emenda em sua convocatória, nenhuma nova proposta que se ajustasse às ideias apresentadas no documento.
No entanto, sem responder a essa questão — nem em seu documento, nem quando indagados na discussão do Comitê Central —, a fração já começava a adotar uma orientação de igualar o combate contra o imperialismo norte-americano ao combate contra a China. Isso pode ser lido no site da ICR, no artigo “Brasil: enfrentar a agressão americana sem depender do imperialismo chinês”, assinado por um dos dirigentes da fração rupturista, onde se lê sua tática para o Brasil de hoje.
O revisionismo e a angústia de se livrar das “velhas ideias” provocam sempre o esquecimento da existência das massas, da consciência das massas e de como contatá-las e ajudá-las a avançar. Como fizemos no passado com o Abaixo a ditadura, com as Diretas Já, com o Fora Collor, com o Fora Bolsonaro: sempre um passo à frente, mas sem desconectar da consciência da classe, ajudando-a a avançar em direção à mobilização e à organização, em direção à revolução.
Uma faixa em um ato público hoje, na atual situação política, com os dizeres “Contra Trump e Xi Jinping” seria “chinês” para a classe trabalhadora e para a juventude — e motivo de riso para os mais avançados.
O caráter oportunista reforça-se mais uma vez quando, na publicação do novo site da nova seção, a campanha “Fora o imperialismo e suas guerras!” foi removida da proposta de informe político para o Congresso de Refundação convocado para novembro, o que também evidencia que essa cisão foi fruto de uma operação.
Um salto de qualidade: uma política oportunista e sectária conduz à adoção de métodos estranhos ao bolchevismo
Esses desenvolvimentos políticos chegaram a um ponto agudo que se expressou na adoção de métodos estranhos ao bolchevismo: a quebra do centralismo democrático e o uso de calúnias e ataques pessoais como método. Tudo isso foi avalizado e defendido pelo SI, que, apoiando todas as calúnias e mentiras, recusou-se, na reunião do CEI, a apresentar qualquer prova das afirmações que fazia e ainda decidiu, como se fosse Zinoviev, intervir diretamente no funcionamento da OCI em defesa da fração rupturista, que organizara uma clique nos últimos meses.
A fração no interior da OCI passou a adotar acusações caluniosas contra a direção da organização, abordando insistentemente militantes de todo o país por fora das instâncias e dos responsáveis eleitos, enviando documentos para militantes de diferentes instâncias sem conhecimento da direção, rompendo de forma declarada com o centralismo democrático. Apesar de tudo isso, essa fração recebeu todo o apoio da direção da ICR.
Em 13 de setembro, o Comitê Executivo Internacional (CEI), em reunião de emergência, aprovou uma resolução que adotou como verdades, e como posição oficial da Internacional, as calúnias, métodos espúrios e práticas alheias à organização operária realizadas pela fração.
O funcionamento aprovado nessa resolução se assemelha ao aplicado pela Internacional pablista de 1946-1953, quando Michel Pablo passou a praticar um ultracentralismo, ao estilo zinovievista, atropelando as direções nacionais eleitas e transformando as seções da 4ª Internacional em simples representantes do aparato internacional.
Essa não é uma questão menor: trata-se de uma questão de princípio para uma organização bolchevique. Até esse momento, mesmo com divergências políticas, apresentamos nossas posições no quadro centralizado da ICR. Nenhuma discussão teórica, política ou tática que tenhamos apresentado na Internacional, e desde o surgimento de uma fração no Brasil, foi, em nossa opinião, motivo para qualquer ruptura.
Lênin explicou:
“O bolchevismo existe, como corrente do pensamento político e como partido político, desde 1903. Só a história do bolchevismo durante todo o período da sua existência pode explicar de maneira satisfatória porque é que ele pôde criar e manter, nas condições mais difíceis, a disciplina férrea necessária à vitória do proletariado.
E a primeira pergunta que se põe é esta: como se mantém a disciplina do partido revolucionário do proletariado? Como se comprova? Como se reforça? Primeiro, pela consciência da vanguarda proletária e pela sua dedicação à revolução, pela sua firmeza, pelo seu espírito de sacrifício, pelo seu heroísmo. Segundo, pela sua capacidade de se ligar, de se aproximar e, se quiseres, de se fundir até certo ponto com as mais amplas massas trabalhadoras, antes de mais com as massas proletárias, mas também com as massas trabalhadoras não proletárias. Terceiro, pela justeza da direção política que esta vanguarda exerce, pela justeza da sua estratégia e da sua tática políticas, com a condição de que as mais amplas massas se convençam desta justeza por experiência própria. Sem estas condições é irrealizável a disciplina num partido revolucionário verdadeiramente capaz de ser o partido da classe avançada, chamada a derrubar a burguesia e a transformar toda a sociedade. Sem estas condições, as tentativas de criar uma disciplina transformam-se inevitavelmente numa coisa vazia, numa frase, em gesticulação. Mas, por outro lado, estas condições não podem surgir de repente. Elas só se vão formando através de um trabalho prolongado de uma dura experiência; a sua formação é facilitada por uma teoria revolucionária justa que, por sua vez, não é dogma, mas que só se constitui de forma definitiva em estreita ligação com a prática de um movimento verdadeiramente de massas e verdadeiramente revolucionário.” (Esquerdismo, doença infantil do comunismo)
Para a maioria do Comitê Central brasileiro, tornou-se impossível submeter-se às calúnias, difamações e ao tipo de centralismo burocrático decidido pela resolução adotada pelo Comitê Executivo Internacional.
Quando a maioria do Comitê Central brasileiro se insubordinou contra as calúnias e os métodos que essa resolução tentava afirmar como verdades, caracterizando-a como inaceitável, combateu, nessa resolução do CEI, precisamente a falta das qualidades que Lênin expressou como características do bolchevismo, aquelas que permitiram criar e manter, nas condições mais difíceis, a disciplina férrea necessária à vitória do proletariado.
A quebra do centralismo democrático e o uso de calúnias (métodos utilizados pela fração no Brasil e incorporados pela direção da ICR), além da intervenção direta no funcionamento das seções para favorecer suas posições, são, no interior de uma organização bolchevique, inaceitáveis e demonstram aonde chegaram as concepções teóricas e políticas que combatemos no quadro do centralismo democrático da ICR.
Uma das invenções que o SI e a fração brasileira têm utilizado para encobrir seus métodos é a de que haveria uma proibição de conversa política entre militantes de diferentes organismos da OCI. Isso é falso.
Todos os militantes têm liberdade de se comunicar uns com os outros, sem nenhum tipo de sanção. O que não é permitido em nenhum regimento bolchevique é organizar um combate político fracional por fora das instâncias eleitas contra as próprias instâncias, ou seja, tentar arregimentar militantes contra a linha política aprovada pelo CC ou pelo Congresso. Um tal funcionamento seria pura anarquia, estranho ao movimento operário revolucionário, que, em sua luta contra a burguesia, só conta com sua organização.
Esse salto de qualidade transformou completamente a organização internacional que combatemos por construir nos últimos 17 anos. É uma demonstração evidente de que concepções teóricas e análises políticas equivocadas produzem métodos estranhos à classe trabalhadora. O que vimos nesse processo cisionista foi uma simbiose dialética entre forma e conteúdo: o desenvolvimento de análises que paulatinamente abandonam o marxismo, uma prática política que cede ao oportunismo e ao sectarismo e que resultou em métodos estranhos ao bolchevismo.
Realizamos diversos apelos para que se construísse um acordo de princípios com base no imediato cessar da quebra do centralismo democrático e do uso de calúnias como método.
Esses apelos foram feitos porque a maioria do Comitê Central expressou seu maior interesse em continuar o debate teórico e político que se desenvolveu nesses primeiros meses de preparação do nosso 9º Congresso da OCI, desenvolvendo a análise sobre a China e todas as demais questões, permitindo que nosso congresso adotasse a linha política mais justa e correta. Do ponto de vista mais geral, é também interesse da classe trabalhadora que suas organizações mantenham a unidade e a ação comum na luta de classes.
Com os métodos impostos por essa resolução do CEI, a discussão política e teórica das ideias, livre e democrática, foi impossibilitada, porque passou a valer que se pode fazer qualquer coisa para defender suas posições. Isso foi considerado inaceitável exatamente por impedir que o debate de nossas diferenças pudesse continuar de maneira saudável, democrática e respeitando o centralismo democrático.
Como resposta a essa resolução, a maioria do Comitê Central aprovou uma resolução que convocava um Congresso Extraordinário para outubro, cuja base política era a ruptura com a ICR. Essa resolução, aprovada pela maioria do Comitê Central, foi submetida ao conjunto dos militantes para decisão final em um congresso extraordinário, no qual ambos os lados poderiam defender suas posições democraticamente e, inclusive, derrotar a proposta de saída da OCI como seção brasileira da ICR.
No entanto, ao final da votação, Jordi Martorell, enquanto representante do SI, fez uma declaração em que disse: “este organismo não é mais o CC de uma seção da ICR”, e retirou-se da reunião, sendo acompanhado por Fred Weston, do Secretariado Internacional. Todos os membros do CC (titulares, convidados e suplentes) pertencentes à fração saíram em seguida, já organizando, no mesmo dia à noite, uma reunião dos membros da fração que convocou uma conferência de emergência da ICR no Brasil e que, por sua vez, convocou o Congresso de Refundação da seção.
Constatamos, portanto, que se tratou de uma ruptura organizada pelo Secretariado Internacional e sua representação fracional no Brasil, rompendo em seu ato final com o centralismo democrático.
A Organização Comunista Internacionalista já demonstrou inúmeras vezes que possui uma vanguarda proletária consciente, com espírito de sacrifício e heroísmo. Já demonstrou que, por meio da frente única proletária, foi capaz de se conectar com as amplas massas operárias e não operárias, confirmando a justeza política de seu combate histórico como direção do Movimento das Fábricas Ocupadas e pela audácia e justeza política da linha do “Fora Bolsonaro!”, a primeira organização a lançar essa consigna, que as massas agarraram no Brasil.
No entanto, na presente crise, nacional e internacional, a direção internacional da ICR e sua representação fracional no Brasil decidiram romper declaradamente com o centralismo democrático. Esse é um passo decisivo, não apenas de ruptura com o centralismo democrático, mas que transforma a Internacional em seu conjunto em outro tipo de organização, incapaz de responder aos enormes desafios impostos pela profunda crise do capitalismo e da luta de classes, por romper com o elo que a ligava ao movimento operário, representado pela OCI, por sua história, seus quadros e as discussões que realizamos ainda como seção.
A continuidade da OCI e a defesa intransigente do bolchevismo e do internacionalismo proletário
A história do movimento operário internacional conhece muitas cisões, fusões, debates teóricos, políticos e organizativos. É impossível construir uma organização de quadros — com conhecimento teórico do marxismo e temperados na luta de classes — que tenha influência de massas, partindo da ideia de que todos pensarão igual e de que haverá homogeneidade em todas as questões centrais.
Pelo contrário, as diferenças sempre farão parte, e saber lidar com elas é fundamental para garantir a unidade. Aqui trata-se da importância do método.
Ao longo de sua história, o movimento operário conheceu diferentes concepções para organizar seus debates e sua unidade. A expressão mais alta dessas concepções — aquela que levou o proletariado à vitória — foi a concepção bolchevique de organização partidária: o centralismo democrático.
Lênin explicou, em seu balanço sobre a cisão de 1903 entre bolcheviques e mencheviques:
“Em essência, toda a posição dos oportunistas em matéria de organização começou a revelar-se já na discussão do parágrafo primeiro: na sua defesa de uma organização do partido difusa e não fortemente cimentada; na sua hostilidade à ideia (à ideia «burocrática») da edificação do partido de cima para baixo, a partir do congresso do partido e dos organismos por ele criados; na sua tendência para atuar de baixo para cima, permitindo a qualquer professor, a qualquer estudante do liceu e a «qualquer grevista» declarar-se membro do partido; na sua hostilidade ao «formalismo», que exige a um membro do partido que pertença a uma organização reconhecida pelo partido; na sua tendência para uma mentalidade de intelectual burguês, pronto apenas a «reconhecer platonicamente as relações de organização»; na sua inclinação para essa subtileza de espírito oportunista e as frases anarquistas; na sua tendência para o autonomismo contra o centralismo; numa palavra, em tudo o que hoje floresce tão exuberantemente no novo Iskra, e que contribui para o esclarecimento cada vez mais profundo e evidente do erro inicial.”
(Um passo em frente, dois passos atrás)
O que vimos em todo esse processo foi, por um lado, uma minoria hostil ao centralismo democrático em relação à maioria da direção nacional e, por outro, uma direção internacional que passou a aplicar um ultracentralismo de tipo zinovievista ou pablista e que, na prática, destitui as direções nacionais eleitas, transformando-as em simples tubos de transmissão de decisões da direção internacional sobre qualquer tema.
Por baixo, uma pressão pela dissolução das instâncias em conversas de WhatsApp e no debate antidemocrático de todos com qualquer um, por fora das instâncias, com uso de calúnias, fraudes e a insurgência da minoria contra a maioria, de modo a reforçar suas posições.
Por cima, uma pressão ultracentralizadora para submeter a direção nacional, minar sua autoridade, desprestigiar suas ações, impedindo que as práticas dissolutivas fossem sancionadas e enfraquecendo suas posições políticas e teóricas por meio de desqualificações teóricas e ataques pessoais.
Nenhum debate democrático de nossas diferenças poderia ser feito sob essas condições, e isso não é menor. Sem poder exercer seu direito de maioria, a organização não anda para frente: regride e não sai do lugar.
Além disso, entre revolucionários, apenas a verdade. O uso deliberado de calúnias como método, com o objetivo de desqualificar e ridicularizar as posições da direção, são táticas baixas, mas que têm raízes concretas.
“Quando a curva do desenvolvimento histórico é ascendente, a opinião pública se torna mais envolvida, mais compenetrada, mais espirituosa e inteligente. Ela segue o voo dos fatos e os relaciona de tal forma, fazendo generalizações. Mas quando a curva política está em descenso, a tolice se apodera da opinião geral. O precioso talento da generalização política desaparece sem deixar traços. A tolice torna-se insolente, mostra os dentes e ridiculariza todas as tentativas de generalização. Sentindo que está bem resguardada, se arma cada vez mais. Uma das suas principais armas é a calúnia.” (Minha Vida, Leon Trotsky)
É o que estamos observando na presente cisão: uma opinião geral apoderada pela tolice, que despreza o método bolchevique de divergir e garantir a unidade ao mesmo tempo; que despreza as generalizações, exigindo respostas imediatas para suas questões e, quando não atendida, faz uma espécie de birra política, esperneando-se pela sala.
Um partido mundial da classe trabalhadora, um exército mundial do proletariado, exige disciplina férrea precisamente porque as pessoas pensam diferente o tempo inteiro, e é perfeitamente natural que opiniões diferentes possam emergir e cristalizar-se em minorias, tendências e frações — mas ainda assim manterem-se no quadro de uma única organização.
O uso de sanções contra a quebra dos métodos não é abuso da direção, mas a aplicação adequada do regimento para corrigir os desvios que ferem a necessária unidade do partido.
Se a ICR considerava que já não tínhamos mais acordo nas questões fundamentais, e que isso feria o princípio da nossa unidade, deveria propor a nossa expulsão, assim como Lenin expulsou Bogdanov por suas concepções filosóficas idealistas. Mas não queria carregar esse ônus em sua história. Então, optou por apoiar todo tipo de método empregado por uma fração para impor suas opiniões políticas.
A aplicação das 21 condições aprovadas no II Congresso da Internacional Comunista educava os novos partidos comunistas em um novo tipo de concepção de partido e de internacional, sobretudo politicamente, mas que obrigatoriamente estava baseada no centralismo democrático:
12ª – Os partidos pertencentes à Internacional Comunista devem ser construídos com base no princípio do centralismo democrático. Na atual época de guerra civil aguda, o partido comunista só poderá cumprir seu dever se for organizado da maneira mais centralista possível, se nele reinar uma disciplina férrea e se o centro partidário, sustentado pela confiança dos membros do partido, for dotado dos mais plenos direitos e autoridade, além dos poderes mais abrangentes.
(…)
16ª – Todas as decisões dos Congressos da Internacional Comunista e do seu Comitê Executivo são vinculativas para todos os partidos pertencentes à Internacional Comunista. A Internacional Comunista, atuando em condições de guerra civil aguda, deve ser construída de forma muito mais centralista do que a Segunda Internacional. Nesse processo, a Internacional Comunista e o seu Comitê Executivo devem, naturalmente, em toda a sua atividade, levar em conta as diferentes condições em que os partidos individuais têm de lutar e trabalhar, e tomar decisões vinculativas apenas nos casos em que tais decisões sejam possíveis.
Sem isso, a própria ICR transforma-se em outro tipo de organização, que permite concessões ao oportunismo e ao sectarismo em suas fileiras e que incorpora métodos mencheviques e anarquistas em seu funcionamento. Isso a tornará incapaz de ser um verdadeiro exército proletário da revolução mundial.
A OCI tem uma história nacional e internacional. Vai continuar seu combate pela reconstrução da Internacional Comunista de Lenin e Trotsky, sob a base do “Manifesto do Partido Comunista”, da experiência de massas da 2ª Internacional, da Conferência de Zimmerwald, da Revolução de Outubro, dos quatro primeiros congressos da Internacional Comunista, da 4ª Internacional e de seu “Programa de Transição”, assim como do combate de Leon Trotsky pela construção de uma verdadeira Internacional digna deste nome.
Internacional que só pode ser construída sobre a base do programa marxista, ainda que não se conheçam os meios e as formas que tomará para se erigir em um partido mundial da revolução socialista nesta época de guerras e revoluções, de resistência e combate, de reorganização do movimento operário sobre um novo eixo revolucionário.
É com esta perspectiva que, nesta época de guerras reacionárias, combatemos para reagrupar todos aqueles que, de fato, na prática, tenham rompido com a burguesia e o capital. Há uma necessidade histórica e urgente da luta pela construção de uma Corrente Comunista Internacional, na qual a OCI ocupará seu lugar. Esse esforço remete à Conferência de Zimmerwald e à busca pela reconstrução da Internacional de Lênin e Trotsky. Essa Corrente deve ser o fio de continuidade da luta contra o imperialismo e suas guerras, lutando contra o oportunismo e o sectarismo, cimentada nas melhores tradições do marxismo revolucionário e que seja o instrumento da classe trabalhadora para varrer o regime da propriedade privada dos meios de produção, abrindo caminho para o socialismo.
Por meio desta perspectiva, a OCI reforça seu compromisso com os métodos bolcheviques e com o internacionalismo proletário.
Saudações comunistas,
- Viva a classe trabalhadora internacional!
- Viva o comunismo em todo o mundo!
- Viva o bolchevismo e a revolução proletária mundial!
28 de setembro de 2025,
Comitê Central da Organização Comunista Internacionalista (OCI)
