O Jovem Karl Marx – Crítica
Até o presente momento nenhuma distribuidora teve interesse em lançar O Jovem Karl Marx nos cinemas. Então, ao cair na internet vários militantes e simpatizantes da obra do pensador alemão começaram a compartilhá-lo. É triste não podermos assisti-lo em tela grande. Faltou, talvez, uma visão de mercado aos distribuidores, afinal a situação atual do país provocaria uma propaganda espontânea do filme. Além disso, O Jovem Karl Marx não é uma obra panfletária, nem um filme produzido por algum aventureiro querendo ganhar audiência com uma cinebiografia polêmica.
O cineasta Haitiano Raoul Peck, que dirige e roteiriza a obra, demonstra conhecer não apenas a vida de Marx, mas também suas ideias. O diretor de “Eu não sou seu Negro” (2016), “Lumumba” (2000) e “Abril Sangrento” (2005) consegue dar vida a um personagem histórico sem endeusá-lo, nem torná-lo um ídolo.
O filme realiza um recorte na juventude de Karl Marx (August Diehl), começa com o fechamento do jornal Gazeta Renana e vai até a produção do Manifesto Comunista. O período escolhido pelo cineasta mostra a evolução do pensador e sua relação com outros personagens históricos, como Bakunin e Proudhon. Essa escolha também deve ter sido influenciada pelo orçamento. Avançar para além dessa época obrigaria registros da Primavera dos Povos e da Comuna de Paris.
Apesar do título, Friederich Engels (Stefan Konarske) é quase um protagonista. Quem conhece a história sabe da importância dele não como um discípulo, mas um pensador de grande capacidade como Marx. A cena na qual ele vai buscar operários para escrever o livro sobre a classe trabalhadora na Inglaterra, ou quando fala ao amigo sobre a importância de ler os economistas ingleses, frisam a importância do jovem no desenvolvimento das ideias do marxismo.
O destaque dado a Engels mostra o quanto Marx não era apenas um gênio, mas um produto do meio no qual vivia. Os dois pensadores alemães são homens com uma vontade inquebrantável de mudar o mundo. Marx é um pouco difícil, mostrado como autoconfiante e orgulhoso, enquanto Engels, humilde e tímido. A relação dos dois com suas respectivas companheiras frisam ainda mais o lado humano dos personagens.
Jenny Marx (Vicky Krieps) e Mary Burns (Hannah Steele), não aparecem como as mulheres de Marx e Engels, mas como companheiras, amigas e colaboradoras dos dois. Destaque concedido também à governanta do casal Marx, Helene Demuth.
As personagens mulheres no filme não são apenas coadjuvantes na vida dos personagens. Elas têm falas importantes e destaques nas cenas. O cineasta prova conhecer a história dos dois, mas também ter consciência de como o cinema é machista na forma como mostra o sexo feminino. Vemos a importância dada às atrizes quando Jenny afirma ter lido o livro de Engels, em como ela participa da vida de Marx ou quando Mary ajuda no encontro dos dois com a Liga dos Justos. Elas participam do filme, não apenas ilustram as cenas.
Um filme sobre um período pode atropelar pontos importantes da história ou destacar acontecimentos em detrimento de outros. Jovem Marx não passa por esse problema, pois o objetivo do filme está claro desde o início: mostrar o desenvolvimento intelectual de Marx. Enquanto os encontros com Engels, Proudhon, as reuniões e as assembleias mostram a evolução teórica de Marx, as cenas entre esses eventos revelam de forma sútil traços da personalidade do personagem.
O conflito do drama mora nas dificuldades que Marx e Engels possuem em conciliar suas vidas com as tarefas revolucionárias. Marx é obrigado a deixar suas pesquisas de lado para escrever artigos para jornais e folhetos, muitas vezes para sustentar sua família. Engels precisa trabalhar para o pai, e isso lhe garante a estabilidade financeira, mas lhe tira da luta e o obriga a viver uma vida distante da classe a qual ele escolheu pertencer.
O filme não parece ter grande orçamento, mas foi feito e distribuído por um grande estúdio. Além disso, quando tivemos um filme sobre Marx? Os enquadramentos e as locações mostram a limitação orçamentária. As cenas são em grande parte em lugares fechados, não temos quase cenas em planos abertos, as locações também passam grande parte dentro de casas, bares, quartos e a fábrica.
Quando vi o trailer, algo que me deixou receoso com a obra foi a iluminação e as cores serem muito semelhante a Sufragistas. Cores escuras, assim como ambientes com pouca luz e dias cinzas. A escolha ocorre devido ao ambiente sujo das fábricas e dos locais nos quais os operários viviam. Felizmente, esse “problema” não atrapalha a obra.
Posso dizer, enquanto marxista, que a obra, dentro de uma limitação orçamentária imposta pelo sistema atual não só consegue cumprir o papel enquanto uma cinebiografia “realista” de Marx e Engels, mas consegue produzir um excelente trabalho histórico e de arte. O diretor haitiano Raoul Peck acerta mais uma vez em fazer cinema com realismo social.