A farsa da Consulta Pública e a continuidade da luta pela revogação do Novo Ensino Médio
A crescente revolta dos estudantes contra o Novo Ensino Médio (NEM) forçou movimentações por parte das organizações estudantis e sindicais, bem como do governo Lula-Alckmin. Embora essa revolta esteja em um momento de espera desde o início da Consulta Pública, é certo que ela não deixou de existir. É preciso um balanço do que fizemos até aqui, da postura das direções estudantis e sindicais, das táticas do governo e como seguir a luta pela revogação durante e para além da Consulta Pública.
Traição das direções
Se de um lado, um calendário de mobilizações foi convocado pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), fruto da pressão de estudantes e professores, por outro, estes calendários não foram unificados e mobilizados na base.
A direção da Ubes convocou dois dias nacionais de mobilização pela revogação do NEM – 15 de março e 19 de abril – amplamente espaçados, sem mobilização e organização dos estudantes em grêmios ou comitês pela revogação nas escolas entre uma data e outra. Ambos os atos foram muito esvaziados na maioria dos locais e a responsabilidade disso é da direção da Ubes. A maior parte dos estudantes sequer conhece a entidade e, para muitos, essa é a primeira luta de suas vidas. Sem confiança na entidade, sem discussões prévias e sem grêmios organizados na maioria das escolas, a mobilização para faltar nas aulas e ir para os atos ficou sob responsabilidade dos professores mais engajados e conscientes da necessidade da revogação, que levaram turmas inteiras para os atos; dos grêmios já mobilizados e dos estudantes que, individualmente, entenderam a necessidade de lutar pela revogação e tiveram a ousadia de faltar nas aulas, de convidar colegas e de ir se manifestar.
A CNTE convocou manifestações de rua e a chamada “Greve Nacional da Educação” em 22 de março e 26 de abril, respectivamente. Ambas igualmente espaçadas e com baixa adesão. No dia 4 de abril, o presidente da CNTE, Heleno Manoel, se reuniu com Lula e com o ministro da Educação Camilo Santana na ocasião em que foi discutido o anúncio da suspensão do calendário de implementação do NEM. Essa participação significou uma capitulação da organização que tinha convocado a greve nacional da educação. Para o dia 26 de abril, a CNTE pulverizou a decisão de aderir à greve deixando para cada sindicato de base a responsabilidade de decidir sobre a mobilização e a participação dos trabalhadores. O resultado foi que as direções pelegas barraram a adesão dos sindicatos e a greve não aconteceu.
A União Nacional dos Estudantes (UNE) fez postagens nas redes sociais contra o NEM, mas não organizou absolutamente nada nas universidades. As direções de partidos que reivindicam a classe trabalhadora, como PT, PCdoB e PSOL, não impulsionaram nem mobilizaram de fato uma campanha pela revogação do NEM.
A luta contra o NEM até agora
O mandato do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) coletou quase 180 mil assinaturas pela revogação no abaixo-assinado que apoiamos e impulsionamos. Estas assinaturas foram entregues ao ministro da Educação na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, em 12 de abril.
O governo Lula-Alckmin, a partir da pressão dos estudantes e trabalhadores em educação, anunciou a suspensão do calendário de implementação do NEM durante o período da Consulta Pública, cancelando as mudanças no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) previstas para 2024, exonerou ainda o Coordenador Geral do Ensino Médio no MEC, Fernando Wirthmann, um bolsonarista que havia sido reconduzido ao cargo por Camilo Santana.
Lula foi intransigente em suas repetidas declarações de que não defende a revogação do NEM, que sua posição é para suspender o que estava sendo feito e “discutir”. A propaganda do governo, adotada pela Ubes, é de que “não se pode voltar ao que tinha antes” ou “não se pode voltar ao passado”, “não podemos revogar por revogar”. Como se o modelo anterior do Ensino Médio fosse pior do que o que há agora. Pura propaganda e os estudantes sabem disso. O que há agora é muito pior do que o modelo anterior. Mas, se é tão ruim assim, por que o governo não quer revogar e as organizações abandonaram a luta?
Em primeiro lugar, é preciso ter clareza que o governo Lula-Alckmin é um governo de colaboração de classes, com um programa burguês e submisso aos interesses do imperialismo. E em tempos de crise, como a que vivemos, o Capital precisa encontrar meios de sair da crise, sem reduzir suas taxas de lucro. Isso significa nos fazer pagar pela conta.
No Manifesto Comunista, Marx e Engels explicaram:
“As relações burguesas tornaram-se demasiado estreitas para conterem a riqueza por elas gerada. — E como triunfa a burguesia das crises? Por um lado, pela aniquilação forçada de uma massa de forças produtivas; por outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais profunda de antigos mercados. De que modo, então? Preparando crises mais unilaterais e mais poderosas, e diminuindo os meios de prevenir as crises.”
Uma parte do que significa a aniquilação forçada de uma massa de forças produtivas é a destruição da força criadora do ser humano, a destruição de suas condições de vida digna e da incapacitação por adoecimento, físico ou psicológico, para exercer sua criatividade e força social transformadora. Para conquistar novos mercados, um dos meios utilizados pelo Capital é avançar na privatização de serviços que são públicos, um dos objetivos centrais da burguesia com o NEM. Ao introduzir a educação a distância, contratação de profissionais precarizados e parcerias público-privadas, está em xeque a educação pública, gratuita e para todos tal como a conhecemos. A exploração mais profunda de antigos mercados, por sua vez, significa espremer ainda mais a riqueza produzida pelos trabalhadores brasileiros e convertê-la em pagamento da Dívida Pública, interna e externa. O infográfico abaixo mostra como funciona o sistema da Dívida Pública, que engole todos os anos recursos valiosos dos serviços públicos para engordar os bolsos dos parasitas do mercado financeiro.
Em 2022, o Valor Anual por Aluno (VAAF), vinculado ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), foi atualizado para R$ 4.873,78. Esses valores são muito ínfimos se comparamos com as reais necessidades dos estudantes. O Fundeb é composto por impostos específicos de todos os entes da Federação. Ele tem regras específicas para ser usado e são burocracias gigantescas. Além disso, está atrelado à Lei de Responsabilidade Fiscal. Ou seja, sua utilização está submetida ao pagamento dos juros e amortizações da Dívida Pública.
O objetivo do Capital é reduzir ao máximo esses custos e, portanto, a revogação do NEM está fora do cardápio para um governo que quer colaborar com esses interesses.
As organizações que abandonaram a campanha pela revogação do NEM, na verdade, nunca estiveram nela. Estavam mais reagindo a uma pressão da base. Agora estas mesmas organizações manobram com a Consulta Pública e querem tirar de Lula a responsabilidade pela revogação.
A farsa da Consulta Pública
O governo iniciou a chamada “Consulta Pública” e nela estão previstas audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas nacionais. Mas, a verdade é que essa consulta não passa de uma farsa. O questionário para coletar opiniões sobre a Política Nacional do Ensino Médio coletou apenas 1.953 contribuições até o dia 12 de maio. A burocracia para se cadastrar no gov.br é enorme e o questionário prolixo. A primeira audiência pública com o Conselho Nacional de Educação (CNE), que ocorreu no dia 11 de maio, em Brasília foi absolutamente esvaziada.
Além disso, os conselheiros expressaram a necessidade de “ampliar” o NEM e não de revogar. Eles também estão comprometidos com instituições privadas de ensino e com os interesses do Capital.
Como continuar a luta pela revogação do NEM?
Como explicamos no início, a revolta que os secundaristas e trabalhadores em educação sentem contra o NEM não deixou de existir porque agora está sendo feita uma “Consulta Pública”. Na verdade, os problemas continuam e foram agravados. Os estudantes serão cobrados de todas as disciplinas conforme o modelo anterior no Enem 2024, mas sem ter acesso a essas disciplinas porque o NEM já foi implementado. Os estudantes se sentem prejudicados e têm razão. Os professores continuam sendo sobrecarregados com o malabarismo para encaixar os conteúdos nas habilidades e competências com a carga horária reduzida. Esses problemas não deixaram de existir. Na metade do ano, novos itinerários formativos devem aparecer, ainda mais revoltantes do que os absurdos já relatados (Projeto de Vida, RPG, como fazer brigadeiros etc.) revoltando não apenas os estudantes, mas também os pais que vão perceber que todas as matérias de seus filhos de repente já mudaram e eles continuam frustrados por não terem aprendido nada.
Além disso, com o fim da Consulta Pública, em 6 de junho, um relatório final deve ser publicado e com ele o debate pode voltar a ocupar um lugar de destaque. Nada está decidido ainda.
Nossa tarefa consiste em explicar o sentido profundo dessa contrarreforma, de defender a educação pública, gratuita e para todos e como ela foi conquistada na história através da luta. É preciso seguir denunciando as condições de estudo e como temos sido prejudicados com o NEM, coletar relatos entre estudantes, publicá-los e divulgá-los. É preciso denunciar a farsa da Consulta Pública e o sistema da Dívida Pública.
Nossa tarefa é inspirar na juventude a confiança em suas próprias forças ao lado da classe trabalhadora, e aumentar o nível de organização. De estudantes e professores isolados em nossa indignação, precisamos agrupar outros jovens e constituir comitês pela revogação. Onde já existem comitês, construir ou reconstruir os grêmios livres nas escolas e onde já existem estudantes organizados em grêmios, mostrar o caminho da revolução e do socialismo, a necessidade do partido revolucionário e a importância do marxismo.
É preciso mostrar que há um caminho. A Revolução Russa trouxe enormes ganhos para a educação pública, gratuita e para todos. Idealizou e implementou um outro tipo de educação. É preciso conhecer essas conquistas e os limites de outras experiências. Nossa luta pela transformação da escola começa com a revogação do NEM, mas termina com a mudança radical da nossa sociedade, uma mudança socialista, onde a economia seja planificada democraticamente e sob controle dos trabalhadores para atender os interesses da maioria e não do lucro. Esse é o futuro que exigimos!