A farsa democrática da consulta para a reitoria: Independência e radicalidade no movimento estudantil já!

Em setembro desse ano tivemos na Universidade de Brasília (UnB) a consulta entre a comunidade acadêmica – estudantes, professores e técnicos – para o cargo de reitor da universidade. Tratada como eleição, a consulta foi marcada por um esvaziamento por parte dos estudantes, uma abstenção que beirou os 85% dos estudantes. Mesmo com toda a propaganda “progressista” de uma eleição só com mulheres para o cargo de reitora, e os já conhecidos palavrório de “esquerda” nos programas, ficou claro que os estudantes não enxergam uma real saída para os problemas da universidade nesses programas, e tão pouco no processo de consulta para o cargo de reitor.

Diferente de algumas posições individualizadoras e reformistas, que tomam esse processo como ancestralidade da luta dos trabalhadores e estudantes da universidade, assim como colocam a culpa da baixa adesão ao processo de consulta na “comunidade despolitizada” ou nos “técnicos que só veem o próprio interesse”, nós temos que entender o que significa esse processo e entender se está aí o caminho de luta para a comunidade acadêmica. Entender os limites que essa “participação popular” nas disputas internas da universidade tem dentro do sistema capitalista e qual o papel da burocracia em uma universidade burguesa, é a base do trabalho dos comunistas. Pois assim podemos ter clareza para construir as forças do movimento estudantil com independência de classe e radicalismo. 

Consulta ou eleição, e o que isso nos interessa?

 Atualmente o que fazemos nas universidades públicas não é uma eleição de fato, e sim uma consulta, instrumento de conciliação em alguns governos e de repressão em outros, como na ditadura militar. Na consulta, a comunidade universitária vota e leva à Presidência da república, três indicações para o cargo. Dentre as indicações, o governo pode escolher qualquer um. O governo do PT tem um histórico de nomear o mais votado, mas não é algo que podemos levar como garantia. Vimos exemplos disso em 2021, quando no último governo, Bolsonaro (PL) nomeou 22 reitores que não foram os vencedores na consulta. Desses, sete foram nomeados de forma pro tempore, e nem participaram de uma consulta como candidato.

Medidas como o PL 2.699/11, em tramitação há mais de 10 anos e que reivindica eleições diretas para reitorias, são somente medidas burguesas que criam a ilusão de que o sistema de reitoria pode ser, de alguma maneira, democrático e justo para a comunidade acadêmica. O sistema de reitoria, como se apresenta na realidade brasileira, tem como função principal denominar uma pessoa responsável, o reitor, para garantir que o orçamento delimitado pelo governo, assim como seus programas, seja cumprido. Não importa quão bem intencionada for qualquer pessoa posta nessa posição, ela terá de aplicar duros golpes em toda a comunidade acadêmica para cumprir sua função de capataz do Estado burguês.

 Entendemos a necessidade da existência de um aparato centralizado, que seja responsável pela gestão e administração das instituições de ensino, entretanto entendemos que esse aparato será reflexo do Estado de sua época. Assim, surge a necessidade histórica de uma mudança de todo o sistema. Não nos basta poder escolher o melhor gestor para administrar a universidade burguesa, e tão pouco basta que o movimento estudantil tenha uma cadeira cativa nas salas de negócios desse aparato do estado.

Nas universidades públicas, nossa posição é clara. Ao passo que avaliamos os programas dos candidatos a reitor e abrimos um debate no movimento estudantil sobre isso, não participamos do processo eleitoral por compreender que qualquer um que assuma, por mais progressista que seja, terá de aplicar o programa de austeridade do capital que está sendo aplicado pelo governo Lula-Alckmin. Para que o movimento estudantil seja atendido em suas reivindicações é preciso ampliar nossa própria auto-organização, nas entidades de base e entidades gerais dos estudantes. E isso também está em pressionar, em cobrar a reitoria, e pressionar os candidatos a esses cargos com as demandas concretas da comunidade, mas sem ilusões que são esses processos que vão nos salvar. Não podemos nos deslocar da necessidade e do entendimento que nosso combate e organização está na independência política para a luta de classe que está presente também nas universidades. A garantia de uma universidade com acesso e permanência para todos, com todo dinheiro necessário para seu funcionamento e com todos os espaços democráticos para a organização política e cultural de estudantes e trabalhadores só será conquistado através da luta organizada desses. 

Como foi a consulta

Esse ano a disputa ficou entre três chapas. A primeira, foi a“Imagine UnB”, composta por Rozana e Márcio. Rozana se candidatou após desentendimentos pessoais com a atual reitora, tornando-se oposição. O vice, Márcio, é conhecido por sua defesa ferrenha da privatização do ensino e do governo Bolsonaro e suas políticas contra a universidade pública. A segunda, a chapa “Pensar e Fazer a UnB”, composta por Olgamir e Gustavo, sucessores da atual reitora, Márcia Abrahão, conhecida por aumentar os preços do Restaurante Universitário (RU) múltiplas vezes, parar os intercampi e negligenciar os trabalhadores terceirizados. E por fim a terceira, a chapa “A UnB que Queremos”, composta por Fátima Sousa, candidata a deputada pelo PSOL nas últimas eleições, e Paulo Celso. As duas primeiras passaram para o segundo turno, e a terceira após a derrota no primeiro turno, prontamente declararam apoio à chapa de Rozana e Márcio, Imagine UnB. E finalmente, a chapa Imagine UnB saiu vencedora da consulta.

As duas chapas que seguiram para o segundo turno possuíam programas semelhantes e focavam nas mesmas coisas, utilizando de demagogias diferentes para convencer seu público eleitoral. A chapa Imagine UnB chamava atenção em seu programa para reivindicações ativas da comunidade acadêmica – como a diminuição do valor RU e a volta do intercampi – sem um plano de ação explícito para atingir tais objetivos. Já a chapa Pensar e Fazer a UnB teve uma versão mais crua de seus planos, propondo a organização de grupos de trabalho com participação estudantil para desenvolver propostas em áreas temáticas, como já vimos anteriormente. Esses grupos se tornam terras estéreis quando se defrontam com a organização da educação e do Estado no capitalismo.

No segundo turno, o que vimos foi um verdadeiro estelionato eleitoral de ambas as chapas que passaram a adotar propostas de última hora, apelando para as demandas estudantis, entretanto sem realmente aprontar como isso seria feito ou mesmo fazendo propostas em que seu próprio programa negava. Utilizaram de discursos e de necessidades da comunidade acadêmica para se elegerem, sem intenção alguma de cumprir suas promessas e seus programas.

Esse estelionato eleitoral do segundo turno, mostra que em nada esses candidatos querem resolver as questões que hoje enfrentam a nossa comunidade acadêmica. Se fizermos um resumo dois programas, que foram ao segundo turno, chegaremos nos mesmos pontos principais: (1) Privatização de partes do ensino com as PPP (Parcerias Público-Privadas), que subordinam cada vez mais a educação à lógica de mercado e consequentemente negligenciam o lugar da universidade como construção de pensamento crítico e de atenção às necessidades básicas da sociedade; (2) Fortalecimento de uma lógica de competitividade de mercado na universidade, buscando a “excelência”. Ou seja, a excelência não está no ensino crítico que situa o ser em seu mundo social, a excelência está no quanto as pessoas se adequam ao mercado de trabalho, o quanto elas aprendem a se submeter e não pensar; (3) Incentivos à educação à distância na universidades para baratear custos, entanto se choraminga os custos da educação e falta de verbas para essa, se despeja anualmente bilhões de reais na rolagem de juros da dívida interna e externa. Isso gera apenas mais precarização no ensino e na profissão dos professores. E, novamente, abrir espaço para a iniciativa privada entrar e engordar as custas da educação pública!

Enquanto isso, longe dos “programas progressistas” dessas senhoras, questões cotidianas da comunidade acadêmica se alastram. Cada vez mais a universidade se converte em um espaço de privatização, desde os trabalhadores da limpeza que na pandemia foram obrigados a arriscar suas vidas no transporte público para vir trabalhar em um prédio de universidade vazio. Ou os trabalhadores do RU que estão inseridos em uma relação de superexploração, enquanto a empresa responsável enche o bolso de seus donos de dinheiro, com um dos RU’s mais caros do país, e os estudantes têm que conviver com comida estragada e insetos nos alimentos. Ou seja, com a total falta de segurança que as estudantes vivem no campus, tendo medo de simplesmente andar pela universidade sozinhas. Enquanto, como vimos no último vestibular da UnB, 20 mil jovens têm que digladiar por 2 mil vagas de ingresso na universidade e veem seus sonhos destruídos em uma prova.

Nossa saída está na luta

Independente de quem foi escolhido pelo governo Lula-Alckmin, é preciso um amplo debate no movimento sobre as insuficiências pragmáticas dos candidatos frente a um orçamento para a educação reduzido, sobre a importância da organização dos estudantes e trabalhadores para fazer frente aos ataques e sobre como podemos ter uma universidade pública, gratuita, e para todos sob o controle dos que nela estudam e trabalham. Não podemos esvaziar os verdadeiros espaços de mobilização de nossa classe, e entrar nesses espaços de participação enganosa.

É necessário fortalecer organização e mobilização a partir de CAs e DCEs para que atuem como verdadeiros sindicatos de estudantes, garantindo a consciência na juventude de estudantes e trabalhadores, que é organizado e agindo que podemos mudar nossa própria realidade. Temos que encarar a abstenção por parte dos estudantes como um alerta a todo o movimento estudantil. E nisso apontar os limites e a incapacidade que esses processos de consulta para reitor, e a cooptação para compor essas instância “democráticas” dentro das universidades, tem de resolver as questões que a comunidade acadêmica enfrenta é essencial.

Portanto, precisamos construir um movimento estudantil independente e radical para enfrentar os problemas que vivemos de verdade e sem meias palavras. É esse o objetivo da Juventude Comunista Internacionalista, na UnB e em todo o Brasil. Para isso convocamos todos aqueles que compartilham das ideias do comunismo, e veem as lutas cotidianas como uma transição para a construção de um novo, e não seu objetivo final, a construir conosco um partido de trabalhadores e jovens revolucionários.

Todo o dinheiro necessário para a educação pública!

Pelo fim da lista tríplice!

Pela democracia e autonomia universitária!

Por entidades estudantis que funcionem como sindicatos de estudantes!

Pela educação pública, gratuita e para todos!

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