A UNE e o monopólio da carteirinha estudantil
Desde o dia 1º de dezembro de 2015, está em vigor a nova Lei da Meia-Entrada. O Decreto nº 8.537, de 05 de outubro de 2015, que regulamenta a Lei nº 12.852/2013 e a Lei nº 12.933/2013 (Lei da Meia-Entrada), foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) no dia 06 de outubro de 2015.
Deste modo, os estudantes só terão acesso ao direito da meia-entrada mediante apresentação da Carteira de Identificação Estudantil (CIE), emitida pela União Nacional dos Estudantes (UNE), Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), além de suas entidades filiadas. Porém, essa lei ainda é tema de muita discussão jurídica, sendo objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, colocando em questão se alguns itens de seu texto legal são constitucionais.
Destaca-se, ainda, que por conta dessa nova lei o acesso ao direito da meia-entrada só é válido até o limite de 40% do total de ingressos disponíveis à venda. Ou seja, se por exemplo 100 estudantes quiserem ir ao cinema assistir um filme em um sessão onde há apenas 100 lugares, 60 estudantes terão que pagar inteira, tendo apenas acesso ao benefício da meia-entrada os 40 primeiros que adquirirem os ingressos. Isso é um claro retrocesso nos direitos da juventude.
Após muita pressão dos movimentos estudantis que fazem oposição de esquerda à majoritária da UNE, UBES e ANPG, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5108, concedeu uma liminar (decisão antecipada e provisória), no dia 29 de dezembro de 2015, suspendendo a monopolização da confecção e padronização das carteirinhas por parte da UNE, UBES e ANPG, por entender que tal monopólio é uma ofensa ao direito à liberdade de associação, criando uma vinculação compulsória, cabendo ao ITI (Instituto Nacional de Tecnologia da Informação) a competência para a sua padronização.
Entretanto, depois de um pedido de reconsideração da decisão liminar pela Advocacia-Geral da União (AGU), no qual alega que a competência para a padronização e disponibilização pela ITI foge da atribuição para a qual a autarquia foi criada (sendo que a autarquia já havia criado a padronização das carteirinhas), o mesmo ministro, em 20 de abril de 2016, reconsiderou em partes a decisão redigida anteriormente em dezembro de 2015. Assim, ele manteve o entendimento que o monopólio da confecção das carteirinhas estudantis se caracterizava como um ataque à livre associação, mas modificou a sua interpretação quanto à padronização das CIEs, por entender que inexiste relação de interdependência normativa entre elas.
Deste modo, atualmente, a confecção das carteirinhas estudantis é livre para qualquer entidade, mas é a UNE, UBES e ANPG que padroniza e disponibiliza o seu formato, incorrendo, novamente, numa monopolização velada, tendo em vista que elas obrigam, por exemplo, que nas carteirinhas esteja presente as suas logomarcas, além de que, em decorrência do código exclusivo que a UNE cria para cada estudante, ela obriga que todas as entidades que confeccionem as CIEs devem consultar o banco de dados nacional das entidades citadas anteriormente. Ressalta-se que esse banco de dados é composto, no que tange a entidades nacionais, única e exclusivamente por representantes da UNE, UBES e ANPG, deixando de lado qualquer autonomia estudantil para a escolha dos seus legítimos representantes.
Ainda, com a padronização atual estabelecida pela UNE, todos os dados e os certificados de atributo das carteirinhas devem ser enviados para a UNE em até 03 dias úteis, a partir da emissão da CEI. Logo, verifica-se que, por meio da padronização, a UNE, UBES e ANPG lançam-se novamente na busca pela monopolização das carteirinhas.
Historicamente, a luta pela regulamentação da meia-entrada sempre foi pautando o acesso de todos estudantes à esse benefício. Logo, fica evidente a traição das direções estudantis (UNE, UBES e ANPG), e todas as suas entidades aparelhadas ao antigo governo do PT, atendendo tão somente aos interesses dos grandes empresários e do capital, fruto de toda a política de colaboração de classes impulsionado pelo até então governo do PT e pela direção majoritária dessas entidades (UJS- PCdoB, KIZOMBA-PT e CNB-PT).
Como visto, a traição não passou somente no campo da ideologia. É necessário deixar em evidência que essa ruptura com a luta histórica dos estudantes se deu em virtude da monopolização da confecção e padronização das carteirinhas estudantis. Anteriormente, qualquer documentação que comprovasse a matrícula do indivíduo em uma instituição de ensino já bastava para ter acesso ao direito da meia-entrada. Além de que, qualquer entidade estudantil, filiada ou não à UNE, UBES e ANPG, poderia confeccionar sua própria carteirinha.
Esse monopólio acordado entre as direções majoritárias da UNE, UBES e ANPG com os empresários da cultura e o governo é um ataque à livre associação, pauta histórica do movimento operário, que caracteriza uma possibilidade da classe trabalhadora de fundar e construir a entidade que avaliar mais combativa e representativa. Essa imposição legislativa de filiação e reconhecimento de apenas uma dada entidade é conhecida como unicidade sindical, que diferente da unidade sindical (esta última importantíssima na luta dos trabalhadores e juventude, a fim de canalizar a luta em busca da sua própria emancipação), cria amarras na juventude e na classe operária com o objetivo de frear a organização proletária.
O próprio fato de uma determinada entidade (seja sindical ou estudantil) ser a única reconhecida pelo Estado burguês e que, por meio das normas coercitivas, estão obrigados os indivíduos à se filiarem a ela se quiserem ter algum direito adquirido, já deixa em questão a legitimidade política e representativa de tal entidade. Ora, o que levaria a burguesia a reconhecer como única legítima uma entidade que seria contrária aos seus interesses? Não seria mais fácil descredibilizar essa entidade por meio do seu aparato estatal ao invés de justamente legitimá-la?
Por mais que a liminar concedida pelo ministro do STF, Dias Toffoli, “reconheceu” o direito à livre associação, ela ainda perpetua a monopolização das carteirinhas pelas entidades nacionais aparelhadas (UNE, UBES e ANPG). Assim, a juventude não pode cair na farsa das instituições estatais burguesas. Sabemos que a vitória só vem a partir da pressão e luta do conjunto dos estudantes, movimentos sociais e partidos, e não da bondade da burguesia de romper com o acordo anteriormente postulado com o governo e a direção majoritária das associações estudantis de âmbito nacional.
Por isso, os estudantes devem se organizar, pautar que o benefício da meia-entrada deve ser concedido por inteiro e não apenas com 40%; pautar a livre associação estudantil, que os estudantes se filiem às entidades que de fato representem os seus interesses e não se vendam ao capital. Apenas com a mobilização e luta estudantil será possível barrar o monopólio e a restrição da meia-entrada!