Como combater a transfobia e o capitalismo?

Existe muita desinformação ao redor da pauta LGBT. Por vezes sem intenções negativas, fruto de pura falta de conhecimento, mas muitas vezes disseminada propositalmente. Enquanto marxistas, compreendemos as estratégias utilizadas pela classe dominante para desunir os trabalhadores enquanto classe. Dividir-nos manipulando discursos sobre gênero e sexualidade costuma ser bastante efetivo, pois trata-se de temas extremamente polêmicos – especialmente em uma sociedade que desrespeita a necessidade de um Estado verdadeiramente laico.
Recentemente aconteceu mais um episódio de ataque a uma mulher trans, estudante de direito e moradora de Navegantes, cidade no estado de Santa Catarina. Neste caso não houve um ataque físico, felizmente. Ainda assim, carrega consequências graves para o estado emocional e mental de Natalye Furtado.
Natalye foi convidada a se apresentar no evento Mulheres pela Democracia, promovido pelo Partido dos Trabalhadores de Navegantes. Na cultura LGBT é comum uma dança chamada Vogue, que veio das Ballrooms, espaços iniciados nos Estados Unidos entre os anos 1960 e 1970 para acolher grupos minoritários que eram expulsos de outros espaços de convivência. A existência de um espaço com atividades artísticas e possibilidade de socialização se tornou necessária para a sobrevivência de pessoas LGBT – inclusive forjando casas sem famílias de sangue, já que a expulsão de jovens continua sendo uma crueldade praticada amplamente.
A estudante de direito, então, fez o que foi convidada para fazer: vestiu os trajes apropriados para o estilo de dança, e… dançou. Foi gravada, gravação essa que chegou rapidamente aos oportunistas de plantão. Vídeos atacando a performance de Natalye começaram a surgir. O próprio prefeito de Navegantes, Libardoni Fronza (DEM), fez um vídeo para deixar claro que não apoiava a performance. Ele conseguiu usar suas palavras e não colocar praticamente nenhum significado nelas. Seu vídeo deixa claro que está simplesmente procurando criar uma imagem que se distancie da polêmica, tendo em vista que não consegue trazer sequer um argumento sobre o que exatamente é a sua nota de repúdio. O moralismo e oportunismo andam constantemente de mãos dadas, e dessa vez não foi diferente.
As questões trazidas para difamar a jovem estudante de direito flutuam sempre em torno do “respeito”. Falta conhecimento histórico e vontade de compreender os verdadeiros problemas enfrentados pela juventude e trabalhadores LGBT. Podemos facilmente nos perguntar onde está o respeito em relação ao direito de viver dessa minoria, tendo em vista que o Brasil permanece sendo o maior assassino de LGBTs de todo o mundo.
Em 2023, o Brasil recebeu esse tenebroso troféu pela 14ª vez consecutiva. Dessa sigla, a parcela que mais sofre é composta por pessoas transgênero. Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2023 foram 257 assassinatos, dentro os quais 127 foram de pessoas trans, seguidos por 118 homens gays, nove lésbicas e três pessoas bissexuais. Dados alarmantes, e estamos falando apenas dos números registrados.
Esse é um pequeno recorte de como é crescer tendo uma sexualidade ou identidade de gênero divergentes da norma. Como já é de conhecimento amplo, não são “apenas” as mortes que preocupam: expulsões de casa e impossibilidade de acesso a estudo e empregos, mesmo que informais, estão na longa lista que perturba essa parcela da população. Estudos indicam o alto risco de estresse pós-traumático entre pessoas LGBT – ser LGBT é como viver uma guerra constante.
Diante da nova situação política mundial, de um amplo ataque da burguesia e do imperialismo internacional contra as condições de vida da classe trabalhadora, há um acirramento da luta de classes e da opressão contra mulheres, negros, LGBTs. O direito de existir dessas pessoas tem sido constantemente questionado. Recentemente a Suprema Corte da Inglaterra definiu que as mulheres trans não se enquadram na definição legal de mulher. Isto é uma grave ingerência do Estado sobre o corpo das pessoas, sobre seu direito de existir tal como melhor se sentem. E, obviamente, isso tem consequências importantes como o acesso a tratamentos específicos em saúde pública, particularmente para as mulheres trans da classe trabalhadora.
Portanto, é necessário compreender a questão da transexualidade desde um ponto de vista democrático, o Estado não deve definir ou interferir no que as pessoas são. E é apenas através da luta que conquistaremos direitos específicos para toda a população trans. Daí a necessidade fundamental de que as pessoas trans se organizem para lutar por seus direitos e pelo fim do capitalismo que vive da divisão, exploração e opressão da nossa classe.
Assim, ao falarmos de gênero e sexualidade, nossa tarefa enquanto marxistas é seguir construindo as bases de uma nova sociedade, completamente livre das classes que parasitam tudo o que tocam, o que significa uma atitude de ruptura com o capitalismo e de organização ativa na construção de um partido revolucionário que possa dirigir a classe trabalhadora em suas lutas revolucionárias até a vitória. A função da burguesia é arrancar o máximo que consegue da classe trabalhadora, e vangloriar-se por isso, com técnicas cada vez mais aprimoradas de controle. Enquanto isso, a tarefa dos trabalhadores é arrancar as rédeas do mundo das mãos desses capachos desprezíveis do capital, cuja única métrica é o dinheiro.
E essa tarefa desempenhamos através da organização. Repetimos: a única arma da classe trabalhadora é a sua organização. É dessa forma que construiremos um partido revolucionário com influência de massas cada vez mais forte, aproximando todo jovem e trabalhador que compreender a necessidade urgente de transformar radicalmente a sociedade.
Apresentamos um sistema inicial de reivindicações desde já mobilizarmos pessoas trans na luta por suas reinvindicações numa linha de ruptura com o capitalismo.
- Pelo fim da violência contra pessoas trans e travestis!
- Em defesa das liberdades democráticas!
- Pelo direito à educação e saúde pública, gratuita e para todos!
- Pleno emprego para a classe trabalhadora!
- Em defesa do Estado laico e dos direitos democráticos!
- Lutar pela emancipação dos explorados e oprimidos é lutar pelo socialismo! Abaixo o capitalismo!
Com frequência é preciso explicar o óbvio, portanto torna-se necessário pontuar que as identidades transgênero também são atravessadas pelas linhas de classe. As pessoas trans não estão flutuando à deriva em um mundo à parte. Uma grande parte das pessoas transgênero são membros da classe trabalhadora, comumente presentes no que podemos chamar de “a periferia” do mercado de trabalho – isso nos poucos casos em que conseguem acesso a empregos formais. Como já é de conhecimento geral, muitas mulheres trans são empurradas para a prostituição como única forma de garantir algum tipo de renda. E muitos homens trans vivem na beira do abismo do suicídio, devido à dificuldade de aceitação da sociedade e si mesmos. Entre outras questões materiais, como a falta de acesso à saúde pública e cirurgias de afirmação de gênero.
Todas essas questões envolvem o que chamamos de “emancipação humana”. É o futuro que construímos através da luta pelo socialismo, em que a humanidade não precisará se humilhar para garantir sua dignidade. Conquistar esse futuro é a tarefa de todos nós, membros da classe trabalhadora.
É importante estarmos atentos ao discurso da classe dominante. A ideologia burguesa, de maneira engenhosa, infiltra todo tipo de ideias reacionárias e opressoras para dividir os trabalhadores e lançar um setor contra o outro. Como podemos ver, essa ideologia está expressa nos ataques verbais moralistas apresentados anteriormente, que tomam forma também na direita catarinense. Esses preconceitos ideológicos têm sido difundidos por séculos entre a classe trabalhadora. Não podemos nos deixar enganar acreditando que tais maneiras imbecis de pensar possam ser completamente vencidas sem vencer o próprio sistema que as financia.
Ao contrário do que muitos setores da esquerda procuram acusar os marxistas, não ignoramos as diferenças presentes entre os trabalhadores. As lentes através das quais vemos o mundo são limpas demais para nos permitir ignorar a riqueza que existe nas diferentes formas de existência humana.
Não podemos nos forçar a acreditar nem por mais um minuto que podemos seguir fechando os olhos para o que vem acontecendo ao nosso redor. É preciso compreender de maneira ampla e profunda o papel de cada um de nós, vivos e respirando neste momento específico da história.
A tarefa de mudar o rumo da história é grande, isso é um fato. Mas quanto maior estivermos em número e propósito, mas palpável ela se torna. Assim como o poder burguês já foi expropriado anteriormente, na história recente da humanidade, ele será novamente. De maneira racional e organizada, construiremos novamente o socialismo e ele se espalhará por cada cidade, vila e país. Cada território conhecerá o gosto da verdadeira liberdade. Pois não há saída dentro do capitalismo, sistema que se alimenta do próprio mundo e de toda a vida que há nele.
Seremos nós que veremos o raiar de um novo dia, em que a humanidade poderá existir em todo o seu esplendor, e perseguir todo o seu belo potencial humano!
Referências:
Pensamento suicida entre a população transgênero: um estudo epidemiológico.
Discriminação na saúde torna pessoas trans suscetíveis a estratégias informais de cuidado.
Cerca de 90% das travestis e transexuais do país sobrevivem da prostituição | Minas Gerais | G1