CRUSP: o papel reacionário da REM e um programa para a moradia estudantil da USP

Os moradores do CRUSP vivem uma polêmica intensa. Dois moradores receberam uma medida cautelar, exigindo sua saída do CRUSP, após a universidade receber denúncias, acompanhadas de provas em vídeo, testemunhas e exame de corpo de delito, de agressões realizadas durante uma assembleia estudantil, inicialmente da AMORCRUSP e depois estendida de forma unilateral por alguns estudantes, com a presença da guarda universitária e da PM.

Os estudantes punidos com a medida cautelar estão desesperadamente buscando se apresentar como vítimas do aparelho repressivo do Estado. Mas nem tudo é o que parece e a gritaria dos grupos “autonomistas” visa justamente acobertar uma longa série de contradições de suas concepções. Esse artigo busca, pacientemente, retomar a verdadeira ordem dos fatos, expor alguns dados – digamos – eventualmente esquecidos nos relatos dos autonomistas e retomar questões políticas de fundo. Mas, acima de tudo, propõe-se a tentar entender a encruzilhada em que se encontra o movimento estudantil no CRUSP e discutir como enfrentar os ataques e o descaso da reitoria da Universidade, derrotando o gangsterismo desses setores do movimento estudantil, e abrir uma via de luta independente e do ponto de vista da classe trabalhadora para o movimento estudantil.

Sobre os fatos recentes

As assembleias que contam com a presença dos autonomistas podem ter qualquer nome, menos de assembleia. Eles são contrários a qualquer tipo de ordem. São, na prática, contra a instituição de uma mesa e mesmo quando a aceitam, só a respeitam quando convém – o que equivale a ser contra sua existência. Não respeitam listas de inscrição para falas, interrompem sempre que desejam falar. Fala quem consegue gritar mais. As assembleias não têm tempo limite. Duram até a hora em que os autonomistas conseguem vencer. Tornam-se a ditadura de quem tem mais tempo livre. E eles costumam ter bastante. Fica apenas quem tem condição de entrar madrugada debatendo o “sexo dos anjos”. Cansativas e profundamente antidemocráticas, tais assembleias acabam por se tornar algo insuportável para os estudantes mais honestos e sem paciência para os caprichos dos oportunistas. E principalmente para aqueles que acumulam estudo e trabalho.

Foi se utilizando deste método que, na assembleia do dia 25/11/22, os autonomistas, liderados por seu “partido”, a REM – Rede Estudantil de Mobilização – conseguiram converter a pauta que discutiria justamente a recente implementação unilateral por parte da universidade de um sistema de controle de acesso aos prédios do CRUSP numa verdadeira versão contemporânea da Santa Inquisição.

Os estudantes do CRUSP, em particular uma série de estudantes que, não aceitos no processo seletivo da USP para uma vaga na moradia, moram no mesmo de forma irregular, estavam alarmados com a implantação de um controle de acesso, que passaria – e passou – a exigir a apresentação de nome e documento de identificação para todos que acessam os prédios. Era um claro risco, conhecendo os métodos repressivos historicamente usados pela USP, para expulsar sumariamente os irregulares.

Os autonomistas, no entanto, ignoraram a preocupação dos estudantes. Após apresentar publicamente uma acusação absolutamente vaga, de supostamente acobertar uma também suposta agressão contra um dos membros da direção da AMORCRUSP, sem apresentar qualquer prova, exigiram, durante a assembleia, sua expulsão da direção da AMORCRUSP. A Liberdade e Luta USP e a Esquerda Marxista expressam seu repúdio a essa atitude. Até hoje não apareceram provas dessa suposta agressão, quanto mais do suposto acobertamento. E mais ainda, nunca houve sequer uma denúncia dessa agressão.

Por outro lado, sobram consequências nefastas do método adotado pelos autonomistas. O primeiro deles é que, sem provas ou mesmo sem evidências, aos gritos e sob a pressão física, o membro da gestão da AMORCRUSP, um estudante negro, nascido em São Tomé e Princípe, na África, teve que se retirar da assembleia, receoso de sua integridade física.

No dia 01/12/22, no entanto, já após o desenvolvimento de uma série de ataques pessoais, a parede externa de sua casa – um apartamento dentro do CRUSP – foi pichada com os dizeres: Volta pra África! Independente de quem seja o autor individual da pichação, é preciso ter claro que a irresponsabilidade de lançar um julgamento em praça pública, sem evidências e sem provas, contra um estudante africano no ambiente da USP deu cobertura para essa ação racista e xenofóbica. O autor da pichação deve ser punido por seu ato, o estudante atacado deve ser protegido do racismo, e os autonomistas que lançaram a campanha antidemocrática em plena assembleia precisam ser denunciados como co-responsáveis políticos por abrirem caminho e criarem o clima para tal agressão.

Quanto à acusação que lançaram em assembleia contra o membro da AMORCRUSP, muitos estudantes em, entre eles, os integrantes da Liberdade e Luta e da Esquerda Marxista, defenderam e defendem que, diante da acusação, desde que a mesma seja devidamente formalizada, deveria ter se formado uma comissão, com representantes dos acusadores, da AMORCRUSP e outros indicados em assembleia para investigar os fatos, ouvir todas as partes e propor um encaminhamento ou o arquivamento da questão, caso não seja possível provar nada. É um caminho básico, que obviamente é evitado pelos autonomistas, que não tem nenhum compromisso com a verdade.

A covardia dos autonomistas dá cobertura às ações da reitoria da USP

Enquanto tudo isso ocorria, a reitoria anunciou que seria implementado o controle de acesso no dia 8. E foi justamente para o dia 8 que foi marcada uma nova assembleia, cujo centro para os autonomistas seria, obviamente, um novo julgamento público.

Aqui ressaltamos que a gestão da AMORCRUSP cometeu um erro político. Logo na abertura da assembleia do dia 8, alegando que não havia provas da acusação feita, propôs que a reunião fosse dissolvida. Tendo uma base considerável, conseguiu apoio, mas os autonomistas mesmo em minoria são barulhentos e não têm por hábito respeitar decisões democráticas. Teria sido necessário expor publicamente a manobra golpista da REM e desmontar politicamente os argumentos infundados. A inabilidade para lidar com o gangsterismo acabou ampliando o espaço deles. Fazemos balanços políticos e a crítica – bem como a autocrítica – para aprender com nossa própria história de luta e melhor enfrentar os futuros desafios.

Diante de tal situação, os ânimos se exaltaram. Os autonomistas, que já estavam desde uma semana antes buscando o enfrentamento público, alcançaram seu objetivo. Alegando que apoiadores da atual gestão estavam batendo panela para provocar, partiram para agressão física, registrada em vídeos e diversos testemunhos. O saldo é impressionante: na data em que a reitoria implementou o novo controle de acesso, algumas das lideranças dos autonomistas estavam dedicados a levar a cabo um julgamento público sem provas, sem direito de defesa – a suposta comissão que foi criada para investigar os fatos não convidou o acusado a defender-se – contra um estudante africano, ao mesmo tempo em que alguns dos mesmos se dedicavam a agredir outro estudante, arrancando sangue de ferimentos na cabeça e pelo corpo.

Após as agressões, a gestão da AMORCRUSP deu a assembleia como encerrada e se retirou, com seus apoiadores. A Esquerda Marxista também se retirou, visto que não pode admitir continuar numa assembleia em que agressores continuam presentes e, mais que isso, conduzindo os trabalhos. Um punhado de autonomistas, entre eles agressores dos que a eles se opõem, seguiram a reunião e autointitularam-se a assembleia dos estudantes do CRUSP. Em seu rompante imaginário, dotaram-se de poderes para decidir destituir a gestão eleita e instituíram uma comissão de transição. 

É preciso salientar um detalhe. Após a agressão, houve intervenção da guarda universitária e chegou, inclusive, a PM. Temos o desprazer de informar que os autointitulados autonomistas, pseudo-anarquistas, continuaram sua assembleia com a presença da guarda e da PM! Os tais radicais deliberaram na presença da polícia! É óbvio que a PM não viu problema nenhum numa assembleia que dava um golpe contra a direção eleita de uma entidade estudantil. Ali se encontravam diferentes agentes da reitoria e da burguesia. Alguns de farda, uniforme, outros pintados de revolucionários.

A partir de então, passaram a exigir a entrega das chaves da sede da entidade.  Passaram a chamar publicamente – ao microfone e sem pudores – uma dirigente da AMORCURSP de “sinhazinha” e outro, o mesmo estudante africano vítima da pichação racista e xenofóbica, de “capitão do mato”!

Eis um breve resumo dos fatos que nos levam a defender abertamente a tese de que a REM, principal organização dos autonomistas, é na prática um agente bastante eficiente da reitoria.

O estudante agredido em assembleia fez a denúncia formal, BO e exame de corpo de delito. A universidade foi devidamente notificada e recebeu todas as provas. Segundo comunicado da representante da procuradoria da USP, a partir da análise das provas – vídeos, exame e testemunhos – foi expedida medida cautelar afastando os agressores identificados do CRUSP. Por absoluta “coincidência”, os primeiros afastados pela medida cautelar são membros do grupo autonomista REM.

Agora, os autonomistas iniciam uma ampla campanha contra tamanha “injustiça”. Eles se rebelam contra sua expulsão. Onde já se viu não poder promover julgamentos em praça pública sem provas, não poder agredir estudantes discordantes, não poder impor suas vontades e seguir impune? De onde os moradores do CRUSP estão tirando a ideia de que têm o direito de expressar opiniões diferentes das do partido dos autonomistas (REM) e continuarem livres?

Não acreditamos que caiba à reitoria da USP e muito menos à PM reger o funcionamento ou decidir quem deve ou não participar de assembleias. Isso cabe ao próprio movimento estudantil. Diferente da REM, somos contra a presença – que será sempre um elemento de coação – da PM ou da guarda nas assembleias. Mas exigimos sim, da Universidade a garantia que moradores possam viver em segurança no CRUSP e que não sejam vítimas de perseguição e agressão, que não sejam obrigados a viver com medo.

O papel reacionário da REM, o partido “anti-partido”, e suas consequências no CRUSP.

Uma grande polêmica se desenvolve, portanto, entre os moradores do CRUSP – Conjunto Residencial da USP, na qual os camaradas da Esquerda Marxista e da Liberdade e Luta USP se envolvem. Não apenas todos os militantes estudantes da USP como, em especial, nossos camaradas, além de diversos apoiadores de nossa linha política, que moram no próprio CRUSP.

A Reitoria instituiu um novo Controle de Acesso, em fase experimental. A Liberdade e Luta e a Esquerda Marxista, vinham explicando, desde novembro do ano passado, seu significado e publicou uma carta aberta em que explicava a questão nos seguintes termos:

“Nós, da Liberdade e Luta, estivemos presentes, no dia 25 de Novembro, na assembleia do CRUSP, que teve como pauta a proposta da reitoria de implantação de controle de acesso aos blocos da moradia. Em meio a acusações pouco esclarecidas (sem apresentação de provas) e uso oportunista de pautas sérias — como racismo e machismo — com fins de deslegitimar adversários políticos, a assembleia não apenas não serviu para encaminhar as lutas dos estudantes, como abriu caminho para desdobramentos violentos nos dias que se seguiram.

    Há, entre muitos moradores do CRUSP, uma demanda por segurança. Tal demanda é legítima e deve ser encaminhada. Aliás, os recentes casos de violência dentro da moradia mostram que este debate é sério e não pode ser mais evitado. Mas não permitiremos que a implantação de um controle de acesso seja usada, de forma oportunista, pela USP para expulsar os moradores irregulares.

(…)

Pela frente única

    Apesar de nossas divergências com a atual gestão da AMORCRUSP, tivemos acordo em assembleia com a posição de exigir a regularização imediata de todos os irregulares que necessitem de um lugar pra morar enquanto estudam e, por isso, nos colocamos à disposição para um combate unitário por esta bandeira. Essa deve ser a condição que devemos impor à reitoria para que iniciemos um debate para implantação do controle de acesso.

Porém, temos de entender que essa luta é um passo para outras. Entendemos que a AMORCRUSP deve discutir e organizar imediatamente o combate à proposta do novo PAPFE, que exige um melhor rendimento do cruspiano do que dos outros estudantes, como também se posicionar claramente diante das lutas reais dos moradores do CRUSP: o aumento de circulares e pleno funcionamento do Bandejão Central nos finais de semana, retorno do Passe Livre para cruspianos, ampliação das vagas, e demais problemas estruturais do CRUSP.

É neste sentido que entendemos a luta por uma universidade pública, gratuita e para todos. O CRUSP se conecta diretamente à permanência dos filhos da classe trabalhadora na USP e é por isso que cada reivindicação concreta do conjunto residencial põe-se diretamente em confronto com a reitoria. Portanto, a AMORCRUSP deve se pôr na luta ao lado dos estudantes, mantendo total independência da PRIP e da reitoria e sendo um pendão para o conjunto do movimento estudantil.”

O movimento estudantil se dividiu em duas principais tendências. Uma tendência, justamente o setor já citado que, dessa forma estranha autointitula-se autonomista – uma espécie de orientação política bastante peculiar, que se autocaracteriza como algo anarquista, embora tenha fisionomia liberal e seja qualquer coisa, menos autônomo -, em especial, assume uma posição supostamente radical: Contra o controle de acesso. Aliás, contra qualquer controle de acesso. Essa tendência sustenta sua posição com algumas máximas, aparentemente radicais e profundas: para eles, Controle de acesso é coisa de condomínio, mas – segundo sua tese – o CRUSP sendo público, seu acesso deve ser livre. Defendem também que o controle de acesso é uma demanda burguesa e mais coisas do tipo.

Pois bem! Sim, embora pareça absurdo a qualquer pessoa razoável, é uma afirmação que corre pelas redes sociais desses elementos.

Mas, o que é a REM? Trata-se de um grupo com um nome, com uma sigla que o identifica, que defende posições em conjunto, que se organiza para ações coordenadas, que se organiza previamente e intervém de forma coletiva nas assembleias e atos, que têm membros, integra novos membros e inclusive, os expulsa se consideram cabível. Em resumo são uma espécie bem curiosa de “partido”.

Um partido, que fique claro, para os marxistas, não é o partido formal que cumpre as regras da democracia burguesa. Grande ou pequeno, é um grupo de pessoas que se organizam e agem com base num programa. A REM, é um pequenino projeto de partido pequeno-burguês.

Porém, gritam que não são. Pelo contrário, são contra a ação dos partidos no movimento estudantil e defendem um movimento “autônomo”. Por isso, em tese, são autonomistas. Mas defendem um movimento autônomo em relação a todos os partidos, menos em relação ao seu.

É comum que o intelectual pequeno-burguês – ou um suposto, ou ainda um aspirante a intelectual pequeno-burguês – que julga a si mesmo um radical, mas que pouco ou nada entende sobre o funcionamento da sociedade, busque de forma desesperada conectar-se com a classe trabalhadora. Ele busca mimetizar, tenta imitá-la. Isso se traduz em expressões que a REM tem usado como o “CRUSP é uma ocupação, é favela”.

Frase típica de quem não sabe sequer o que é uma favela e tampouco sabe o que é uma ocupação de luta por moradia. E se um dia soube, sua entrada na USP e seu convívio no ambiente da intelectualidade pequeno-burguesa para fazer esquecer. De dentro da maior universidade do país, dentro de um prédio de concreto, com instalações regulares, em terreno plano, com unidades habitacionais com três ou seis quartos, no coração de uma das áreas mais nobres da cidade, com o consumo de água e energia elétrica pagos pelo Estado, com funcionários na portaria e na segurança, estas figuras que acessaram algumas das mais de 94 mil vagas ocupadas hoje por estudantes de graduação e pós-graduação disputadas por jovens de todo um país de proporções continentais como o Brasil, eles gritam que ali é favela. Seria até cômico, se não fosse uma completa tragédia. Para os leitores que não conheçam o CRUSP, colocamos aqui uma foto recente da atual “favela” e verão por si mesmos:

CRUSP – Imagem: Divulgação

Algum leitor pode acreditar que se trata de algum estudante específico, tamanho o absurdo que retratamos, mas trata-se de uma concepção compartilhada por alguns – não muitos, mas alguns – jovens que se agrupam e defendem todo um programa político a partir desse tipo de “constatação”.

Sabemos que o proletário revolucionário se destaca da massa proletária por tornar-se capaz de entender a condição do proletariado numa perspectiva histórica. Ele vislumbra um mundo em que o proletariado, utilizando-se de sua posição especial no complexo da produção social e organizado a partir de um programa político socialista, promoverá uma revolução, através da qual, sendo superada a divisão da sociedade em classes sociais, o próprio proletariado deixará de ser proletariado. Visto que, em tal situação, não havendo burguesia, não havendo exploradores, não haverá proletariado e nem explorados. 

O proletariado revolucionário, portanto, não vê virtude em ser explorado, quer livrar-se de tal condição. Consequentemente, não tem qualquer intenção de viver em favelas. Os autonomistas parecem pensar diferente. Aqui faz falta para eles o mínimo de compreensão teórica.

Não pretendemos nos ater à diferença, quase óbvia a quem pretende ser sério, entre favela e ocupação. Embora haja muitas favelas que são produtos de ocupação, os dois termos não são sinônimos. Quanto mais organizadas as ocupações de luta por moradia, por exemplo, menor chance tem de se converterem em favelas. Para além disso, a ocupação de uma reitoria não é e não gera uma favela. É necessário separar as coisas.

Mas será necessário aproximarmo-nos minimamente de alguns conceitos, de um ponto de vista marxista. A favela é um produto direto da exploração capitalista. O espaço urbano, aquele já dotado ou próximo da infraestrutura urbana, nas grandes cidades, é cada vez mais escasso. E esse espaço urbano é condição para a reprodução do capital, assim como é necessário para a reprodução da própria força de trabalho, em outras palavras, para a manutenção e para a reprodução da própria vida da classe trabalhadora. A maior escassez diante de cada vez maior procura leva a uma luta pela sua apropriação e a uma luta pela intensificação da apropriação e uso deste espaço. A burguesia utiliza de seus recursos para intensificar tal apropriação, muitas vezes pela multiplicação da área útil através da verticalização – as torres que marcam o espaço do capital e do espaço de moradia da pequeno-burguesia e de parte da burguesia. Outra parte da burguesia (mesmo da “alta” pequena-burguesia), aquela que tem maior poder, prefere viver longe da fumaça das cidades em mansões distantes e cercadas. O proletariado mais pobre e o lumpemproletariado não têm acesso aos meios de produção para fazerem o mesmo e têm duas alternativas: viver nas periferias mais distantes sem qualquer estrutura ou lutar por fatias desse terreno ou dos imóveis que os ocupam. Aqui têm origem não só as ocupações irregulares, mas também os movimentos organizados de luta por moradia.

Ainda que arrisquem-se verticalizando, seus meios são parcos e esbarram nos limites da baixa técnica e baixos recursos, diante da força da gravidade. A principal ferramenta, portanto, é a subdivisão. Desse processo, sem poder dar atenção à ventilação, insolação ou qualquer parâmetro de conforto ambiental, a regra é encontrar (ocupando, comprando ou alugando) uma fatia do espaço e torná-la “habitável” com os recursos disponíveis.

Há também um intenso processo de luta pelos edifícios (verticalizados) abandonados pelo capital, particularmente em regiões centrais degradadas. Tais, no fundo respondem a uma mesma lógica. O capital quer tais terrenos para novos empreendimentos. O povo trabalhador o quer para morar e o subdivide.

O capital multiplica e lucra, o povo trabalhador, explorado e oprimido, subdivide e se amontoa. Desse processo, articulado a muitos outros e permeado por todas as contradições típicas do capitalismo, desenvolve-se a favela.

Os movimentos de moradia, quando ocupam, lutam justamente contra esta lógica. Lutam para impedir que uma ocupação se converta numa favela.

O aspirante a intelectual uspiano grita orgulhoso em sua performance de Cosplay de pobre: Aqui é favela! Aqui é ocupação! Aliás, publica isso no twitter usando a rede pública do wi-fi pública do prédio público da universidade pública. E considera a si mesmo alguém capaz de orientar e intervir no movimento estudantil!

Daqui decorre algo que não deveria precisar de explicação: nenhum trabalhador consciente orgulha-se e muito menos reivindica viver numa favela, no espaço degradado, última alternativa de sobrevivência para a massa proletária, aos setores mais explorados do proletariado e ao exército de reserva, aos excluídos. Ele pode orgulhar-se – com razão – das relações comunitárias, do senso coletivo, de sua capacidade de resistência e luta etc. Nunca esqueçamos que o proletariado é o germe do futuro, é a esperança para o futuro da humanidade e traz em si, em meio a todas as contradições, o espírito da sociedade socialista. Há no proletariado, particularmente no seu setor organizado e consciente, muito do que se orgulhar. Mas nenhum trabalhador com um fio de consciência reivindica morar numa favela.

O pequeno-burguês radical que não toma consciência do funcionamento da sociedade romantiza o pobre, o proletário, ele romantiza a condição do proletariado. Sente culpa por ser um pequeno-burguês ou por passar a viver nesse ambiente e acredita que chamando o CRUSP de favela ele será mais revolucionário, mais proletário. Ele poderá cobrir os espelhos de sua casa, poderá ensaiar novos trejeitos, um sotaque novo, mas nada disso substitui a realidade concreta.

O CRUSP continua sendo o CRUSP, e continua sendo qualquer coisa diferente de uma favela. O CRUSP continua sendo uma construção pública, dentro de uma Universidade Pública, construído com recursos públicos, com suporte técnico, com projeto elaborado por profissionais e projeto aprovado, etc. Pode-se criticar qualquer aspecto de sua construção, mas nem qualquer crítica sobre sua qualidade mudará tais fatos concretos. O CRUSP conta com amplo espaço externo, ruas largas, arborização, serviços de ônibus, de correios, de telefonia, de internet, de água potável – ainda que tenha faltado em certos blocos. Falta, porém, ao CRUSP qualquer dos aspectos antes citados que caracterizem uma favela. Não há subdivisão do espaço urbano, mas grande abundância dele. Há inclusive uma multiplicação planificada, em favor (ao menos na intenção) do conforto ambiental.

Sem romantizar nada, poderíamos entrar na verdadeira questão, que a REM negligencia. A questão é justamente o fato de que o CRUSP é um patrimônio público, que não é nem uma ocupação e nem uma favela, mas que está se deteriorando, e que apresenta muitos problemas de habitabilidade e que corre o risco de deteriorar-se a cada dia mais se a USP seguir com a precarização e o abandono. Ou seja, é preciso que o Estado seja obrigado ainda mais a assumir que o CRUSP é um prédio e um serviço público. E não uma ocupação, não uma favela.

Sugerimos a leitura de um ótimo artigo de um camarada da Liberdade e Luta USP denunciando a situação:  https://juventudecomunista.com/relato-de-um-morador-do-bloco-f-do-crusp/

Justamente dentro da USP, jovens que conseguiram vagas na universidade mais disputada do país, tais elementos serem incapazes de apreender tamanha obviedade, ao alcance do senso comum. Tais estudantes, que tiveram em algum momento, provavelmente, uma intenção de ajudar a classe trabalhadora, abandonaram completamente qualquer traço de consciência de classe.

E mais, quando não percebem que deveriam justamente aproveitar a oportunidade que têm, o tempo livre, a estrutura, para se dedicar a entender o mundo do ponto de vista do proletariado, a aderir ao seu combate revolucionário utilizando justamente de seu potencial como intelectual. Nem Marx e nem Engels precisavam fingir morar em bairros operários para ajudar na organização do proletariado. Foi com suas ideias e com suas ações que inspiraram todo o movimento revolucionário até os dias de hoje. Nossos autonomistas são o completo inverso. Sem ideias e sem ações, com agressões e ameaças, só lhes resta para sua consciência fingir que vivem a vida do setor mais explorado do proletariado, para simular seu “lugar de fala”. E para falar bobagem.

Mas tudo se torna mais grave quando organizações políticas que, diferente dos liberais pseudo anarquistas sob nome de autonomistas, se reivindicam marxistas, adotam pontos de vista semelhantes.

Abaixo temos a postagem da UJC SP, juventude do PCB, caindo na mesma armadilha. Lamentamos e alertamos que seguir o caminho dos autonomistas não levará ninguém a lugar algum. A relação da REM e dos autonomistas em geral com as organizações políticas e até mesmo com as entidades estudantis, em geral, é curiosa. Se negam continuamente a reconhecer qualquer legitimidade a qualquer delas, sejam CAs, DCEs ou entidades gerais como UEE e UNE. Mas no momento em que tentaram dar um golpe, do pior tipo, contra a atual gestão da AMORCRUSP, buscam desesperadamente o apoio justamente das entidades que nunca reconheceram. E lançam apelos aos partidos que, justamente, sempre dizem que não deveriam participar dos espaços estudantis. O mais estranho é que parte dessas organizações abre mão de princípios caros à história do movimento socialista para buscar alianças com este setor que, sabemos, sempre abandonará qualquer combate sério na primeira curva.

Publicação da UJC-SP. Disponível em: UJC.SP no Instagram.

No momento em que esse texto começava a ser planejado, os valentes e destemidos combatentes da REM empreendiam uma grande batalha. 

Se falamos de grande batalha, o leitor poderia supor que os autonomistas panfletavam pelo campus, que organizavam assembleias por blocos, que mobilizam em defesa dos moradores, que ocupam a reitoria etc.

Mas seu heroísmo e sua perspicácia encontraram uma tática diferente. Eles, durante parte de dezembro, sustentaram uma “heroica” ocupação em frente à sede da AMORCRUSP, a associação dos moradores do CRUSP. Em resumo, se a reitoria ataca, em resposta, eles (a REM) atacam a entidade dos estudantes.

Todos devemos ser capazes de compreender que a juventude é tempo de aprendizado. Na falta de experiência, de luta e de vida, muitos são os erros. Não se pode condenar jovens por sua juventude. Mas aos jovens, e particularmente aos que se propõe a dirigir o movimento estudantil, não se pode perdoar a infantilidade, que pode ter como consequência que outros não tenham onde morar. Os autonomistas, esses pseudo-anarquistas do tipo da REM, sobrevivem no movimento estudantil muito mais do que sobreviveriam no movimento sindical.

No movimento sindical, se agissem como agem, seriam atropelados – inclusive fisicamente – pelos trabalhadores, para quem a falta de unidade significa imediatamente menos dinheiro, menos comida na mesa de casa. Ou pelos aparelhos sindicais, embora por motivos diferentes.

Eles sobrevivem porque no movimento estudantil, quando montam seu circo de horrores, o impacto não é comumente a repressão patronal ou mais anos de arrocho e de pobreza. Saem de seus atos tal como entraram, como se fossem a um passeio. Mas seus atos irresponsáveis acabam de abrir as portas do inferno no CRUSP.

O CRUSP é uma ocupação? O delírio do pensamento pequeno-burguês

O movimento operário e da juventude contra o sistema capitalista e suas mazelas não nasceu ontem. Tem uma tradição riquíssima e muitos ensinamentos. Um dos mais importantes, enquanto lutamos no interior do Estado capitalista, enquanto não está derrubado o sistema e a burguesia, é a necessidade de colocar na letra da lei cada conquista, convertê-la numa regra a qual será obrigado a seguir o próprio patrão, seu Estado e seus agentes.

De nada adiantaria um acordo informal dizendo que conquistamos jornada de oito horas. Nossos companheiros, antepassados de nossa luta comum, lutaram para por isso na lei.

É uma conquista, por exemplo, o acordo coletivo de trabalho. É uma conquista o direito constitucional de livre organização sindical.

Cada movimento de moradia, quando ocupa, luta pelo direito de posse e por sua garantia permanente, pela regularização fundiária, que acaba com qualquer direito do proprietário anterior de despejar os ocupantes. Lutam para que, o que é uma ocupação torne-se um assentamento e/ou moradia regularizada diante do Estado. É fazer o Estado ser obrigado a admitir que há um novo dono.

Assim se garante a conquista do proletariado, submetendo a burguesia a reconhecer o proletariado como vencedor nessas batalhas pontuais. Garantia recorrentemente posta em questão, é verdade, mas muito menos difícil de defender quando constando nas leis.

A Esquerda Marxista e a Corrente Marxista Internacional, têm uma das tradições mais belas da história do movimento operário brasileiro e internacional: o Movimento das Fábricas Ocupadas. Esse movimento emblemático se caracterizava por ocupar fábricas que ameaçavam ser fechadas, colocá-las para funcionar sob o controle dos trabalhadores e exigir do governo sua Estatização, sob controle operário. Essa é a bandeira que levou nosso movimento a tornar-se tal referência. Converter a ocupação numa expropriação e na conversão da anterior propriedade privada em propriedade pública, sob o controle de nossa classe. Assim colocamos em questão quem é realmente o dono não apenas das fábricas, mas de tudo o que foi e é produzido pelo trabalho humano. Convidamos a conhecerem essa luta, lendo artigos sobre sua história.                                                                                          

Sem em nenhum momento sermos obrigados a concordar com a ideologia anarquista, podemos sem medo reconhecer quantos grandes combatentes sindicalistas anarquistas contribuíram para as conquistas de que hoje usufruímos e sobre as quais nos apoiamos para seguir o combate pelo socialismo. Mas não há nenhuma semelhança entre esse pseudo-anarquismo reivindicado pelos autonomistas da REM com esses combatentes aos quais nos referimos.

No CRUSP, os pseudo-anarquistas criaram uma novidade que beira o inacreditável. Querem fazer a roda da história girar para trás e converter até os regulares em irregulares, afirmando que o CRUSP é uma ocupação! Talvez queiram também propor nos assentamentos regularizados do MST ou MTST que retrocedam à época da ocupação, quando a propriedade era de um latifundiário. Ou talvez às estatais que se tornem ocupações autônomas e todos abram mãos dos direitos decorrentes dessa situação. Talvez proponham também que a USP deixe de ser propriedade pública para se tornar toda ela uma ocupação de quem nela estuda. O que eles esquecem é que já há quem queira acabar com o caráter público da USP: são os capitalistas.

Se estivéssemos diante de uma tentativa da reitoria de fechar vagas, ou mesmo de fechar o CRUSP, estaríamos nós mesmos gritando OCUPAÇÃO DO CRUSP JÁ! Mas não é isso que está acontecendo. Pelo contrário, inicia-se uma negociação para a regularização dos irregulares.

Diante da gritaria que o partido dos autonomistas (REM) organiza, e diante da confusão gerada, caem nesse discurso raso e reacionário muitas organizações. Assim procedeu o PCB. Assim procedeu o PSTU, através do CAELL. E, em menor grau, também cai o SINSTUSP, com PSTU e MRT lado a lado.

Por outro lado, a Liberdade e Luta e a Esquerda Marxista, junto com outros estudantes, mantendo os princípios da democracia operária e do movimento estudantil, teve uma posição firme e resoluta e tornou-se alvo de uma intensa campanha difamatória. Fomos chamados de protofascistas, racistas, machistas, e todo o tipo de infâmia. Esse é o nível de desqualificação a que se prestam os autonomistas. De nossa parte, sabemos que esse tipo de ofensa, vinda desses pseudo-anarquistas, é natural. A Esquerda Marxista, mantendo sua independência de classe, seus princípios revolucionários, ganha a cada dia uma audiência maior entre os setores mais dispostos, mais saudáveis e honestos do movimento estudantil na USP, em especial no CRUSP. As ofensas que rodaram os grupos de WhatsApp não apenas na USP, mas no movimento estudantil do Estado de São Paulo e grupos do movimento sindical das universidades públicas, funcionam para nós como uma propaganda de nossa linha política. Os mais esclarecidos, com maior consciência de classe, sempre desconfiam do palavrório irresponsável dos oportunistas.

Fora a PM da USP, Fora a PM do mundo!

A Esquerda Marxista tem como bandeira o Fim da PM. Não sua desmilitarização, como defendem PSTU ou PCB, entre tantas outras organizações, mas seu fim.

A partir de nossa posição política, alguns oportunistas nos questionam sobre como podemos consentir com a punição aplicada pela USP contra os agressores identificados pelos vídeos e testemunhos.

Pois bem: somos pela punição dos responsáveis pela agressão na assembleia do CRUSP, tanto quanto exigimos a punição também dos responsáveis pelas outras agressões recentes contra moradoras, tanto quanto somos pela punição dos responsáveis pela pichação racista. E somos, ao mesmo tempo, a favor do fim da PM. E não, não há nenhum erro nisso.

Mas o pensamento tacanho e oportunista leva os autonomistas, entre eles os próprios agressores, a nos acusar de defender a guarda universitária, de sermos defensores da polícia. Sem compreenderem – ou fingindo não compreender – que o mundo não é dicotômico, que não há apenas os opostos, mas uma realidade dialética cheia de contradições e matizes, buscam convencer de que ou se é contra a Polícia, ou se é a favor de que eles não sejam punidos.

Quando exigimos a prisão de um racista, estamos exigindo que o Estado, cujo aparato é cotidianamente lançado contra a classe trabalhadora, em especial a sua parcela negra e mais pobre, lance suas forças contra seus próprios agentes. Ao lançar tal exigência, denunciamos e desnudamos a característica do próprio Estado, que tem no racismo um de seus pilares.

Talvez esses autonomistas não sejam a favor da prisão de racistas ou de estupradores. Isso porque, hoje, não se pode negar que ao exigir a prisão desse tipo de criminosos, estamos exigindo que o Estado o faça, utilizando suas forças. Talvez eles imaginem que o governador em pessoa saia à caça dos racistas e abusadores de mulheres que exigimos que sejam presos. Suspeitamos que até para o partido dos autonomistas esse raciocínio seja fantasioso demais.

Sim, exigimos a prisão para esse tipo de escória. Mas explicamos claramente que para a superação desse tipo de violência e opressão é necessário derrubar as relações sociais que lhe sustentam. Explicamos a necessidade de derrubada do capitalismo, da tomada do Estado, da extinção da Polícia e sua substituição pelo povo em armas, por milícias populares.

Um morador do CRUSP agrediu um jovem, numa assembleia, de forma covarde e grave. Aliás, um jovem negro e pobre. A agressão ocorreu depois de um histórico complexo, em que ele teve seu direito de morar no CRUSP questionado por outros moradores, adeptos do tal pseudo anarquismo.  Exigimos do Estado que garanta a integridade desse morador.

A reitoria, após denúncias e boletins de ocorrência, com vídeos da agressão, fotos, testemunhos e exame de corpo delito, decidiu por uma medida cautelar que afasta o agressor deste morador do CRUSP, de forma a garantir a integridade do morador agredido.

Muitas das organizações estão tratando a questão como se houvesse a expulsão de moradores, uma suposta perseguição por parte da reitoria. No entanto, trata-se de moradores regulares comprovadamente agressores. E cuja conduta tem sido a de provocadores que fomentam a violência, que agem como criminosos comuns.

Assim, defendemos que seja dado a eles o que eles mesmos não ofereceram aos membros da AMORCRUSP quando seu grupo propôs e realizou, por meio de ameaças e agressões, um julgamento público inquisitório. Defendemos que tenham amplo direito de defesa. Mas não combateremos uma medida – falamos da medida cautelar que exige sua saída imediata do CRUSP – que visa proteger a integridade do jovem perseguido e agredido. Isso é uma obrigação da universidade e do Estado e entendemos que deve ser cumprida.

Sua presença é uma ameaça. Vemos depois de muito tempo e de muita luta a reitoria anunciar que pretende cumprir sua responsabilidade de garantir a segurança dos moradores. Falamos que ela pretende, porque até o momento a retirada do agressor não se realizou. E aqui vemos, justamente, os limites do Estado. Sabemos que, sequer para a defesa da integridade dos estudantes, podemos contar com as forças do Estado, sabemos que é necessário que o movimento estudantil apoie-se sobre suas próprias forças para garantir sua autodefesa.

O SINTUSP diante da polêmica

O SINTUSP emitiu uma nota. Concordamos com grande parte de seu teor.

De forma inteligente, não questionam o controle de acesso em si, mas sua implementação e a falta de diálogo. Tem experiência de vida e de luta para acreditar que controle de acesso seja coisa de burguês. Questionam os riscos que isso gera. Estão certos. Estamos de acordo. Mas, desconhecendo o histórico das agressões, viram numa vitória uma derrota.

Chamamos os companheiros a verificarem as provas e o histórico recente para rever sua posição.

O controle de acesso e a segurança da juventude e da classe trabalhadora

A história ensina de forma surpreendente. Diante dos ataques de racistas, pichações, invasões de domicílio para agressão de moradores, não é possível fingir que não há nenhum risco morando no CRUSP. Em especial, se você se envolve com o movimento estudantil e, ainda mais especialmente, se você critica os autonomistas. Aliás, neste momento, não é exagero dizer que os autonomistas combatem o controle de acesso como se ele fosse uma ameaça.

Mas as mulheres que moram no CRUSP certamente sabem, por serem mulheres no mundo em que vivemos, que há risco real de viver num condomínio em que qualquer um possa entrar a qualquer momento. Particularmente com escadas sem iluminação, com falta de vigilância, etc.

Os jovens negros sabem que não é seguro estar na USP, espaço tão reservado aos extratos da elite – setores esses profundamente racistas. Embora haja divergências em muitas outras questões, nesse assunto, nos felicita ver a posição assumida e expressa no perfil dos coletivos negros da USP:

Disponível em: Coletivos Negros da USP no Instagram

O pseudo-partido dos autonomistas parece considerar desnecessário ter medidas para identificar quem frequenta aquele corredor, quem entrou ou saiu de lá naquela data. Também considera que primeiro devamos ter conquistado o fim da PM – que curiosamente eles não exigem o fim da PM, mas nós sim – para que só depois os racistas sejam combatidos.

A existência de um controle de acesso é uma necessidade óbvia para a segurança na atual situação em que vivemos. Como impedir que estes agressores voltem? Como evitar que entrem no ambiente dos blocos dos agredidos. A universidade tem obrigação de garantir segurança.

Os oportunistas misturarão as coisas. Somos quem mais resolutamente levanta a bandeira, não apenas da saída da PM da USP, como do fim da PM. Somos contrários a que a PM intervenha no controle de acesso cotidiano.

Do nosso ponto de vista, as regras do controle de acesso devem ser debatidas com os moradores. A autorização para entrada deve ser dada pelos moradores das unidades. A reitoria não tem direito de impor nada. Mas ela tem obrigação de fornecer a infraestrutura, instalar interfones, garantir manutenção, manter funcionários e intervir, caso haja ameaças à integridade dos moradores.

Esse deveria ser o centro do combate nesse momento. Há inclusive projeto de um arquiteto pesquisador da própria USP pronto, demonstrando a viabilidade de instalação de interfones e toda a infraestrutura de segurança necessária.

Mas o pseudo-partido dos autonomistas estava ocupado durante a implementação do controle de acesso, acampado em frente à AMORCRUSP, fazendo festas que atravessam a madrugada impedindo o sono de blocos inteiros, insultando publicamente seus inimigos estudantes. No dia 21/12 inventaram de arrancar a lista de acesso de um dos blocos e fizeram uma fogueira, divulgada nas redes sociais. Mais um ato heroico, que deixou como saldo um funcionário da portaria bastante assustado. No mais, a Universidade vai imprimir outra. Dom Quixote ao menos via seu inimigo num enorme moinho de vento, enquanto os autonomistas o enxergam numa folha de papel.

Integrantes da REM queimam lista de acesso do CRUSP

Os que são contra o controle de acesso porque acreditam que o CRUSP seja uma ocupação não têm a menor ideia de como funciona uma ocupação. Falam levianamente do que não sabem, nunca viram. E se viram, esqueceram. Talvez falem das ocupações que fazem no DCE e em frente à AMORCRUSP ou das bobagens que organizam para se entreter em seu vasto tempo livre.

As ocupações de luta por moradia têm, sempre e invariavelmente, um rigoroso controle de acesso. Eles mesmos seriam barrados imediatamente se fizessem, numa ocupação séria de um movimento de moradia, aquilo que fazem em sua “ocupação” na porta da Associação dos Moradores.

A saída para esse impasse demanda uma ação de frente única, mobilizando os setores mais saudáveis do movimento estudantil, os setores que realmente estão interessados nos direitos da coletividade e não em mesquinhos interesses individuais. E aqui, não devemos colocar qualquer entrave, qualquer pré-condição para uma ação conjunta.

Nossa posição é de que a prioridade é a imediata regularização de todos os moradores estudantes da USP atualmente irregulares no CRUSP.

Isso, certamente, trará outras questões. Muitos dos que se opõem frontalmente à regularização dos irregulares o fazem porque isso colocará seus negócios escusos em risco. Há casos de sublocação – cobrança de aluguel por apartamentos – bem como há casos de posse ilegal, quando estudantes impedem a força a entrada de outros que obtiveram o direito de morar no CRUSP. Há moradores que já não estudam na USP e seguem indefinidamente nos apartamentos ocupando a vaga de estudantes que muitas vezes deixaram suas cidades e outros estados e não têm onde morar. Todos esses casos precisam ser denunciados e não podemos tergiversar diante deles. São casos de corrupção. O CRUSP é propriedade pública e não pode se converter em propriedade privada de qualquer um que seja.

É próprio do pensamento do pequeno-burguês pensar sob a ótica da pequena propriedade. O pequeno empreendedor verá sempre tudo e todos como uma oportunidade de tirar vantagem. Mas a classe trabalhadora e sua juventude não podem admitir a conversão do patrimônio público em propriedade privada, mesmo que de pequenos grupos.

Ninguém deve ficar sem casa – e deve-se buscar medidas alternativas fora da universidade -, mas não se pode esconder-se por detrás das dificuldades individuais para colocar em xeque todo o conjunto de uma política pública de permanência estudantil.

A questão do auxílio aluguel e a atual proposta da PRIP

Por outro lado, há casos mais delicados. Há estudantes que receiam ser regularizados porque, além de morar irregularmente no CRUSP, recebem o auxílio aluguel. O auxílio aluguel, em regra, é concedido somente a pessoas que comprovem se enquadrar nos parâmetros do programa e que não tenham obtido vaga no CRUSP.

A maior parte destes casos é de estudantes que precisam desse auxílio para se sustentar. Pode até haver casos motivados por alguma desonestidade. Mas não temos motivos para acreditar que eles sejam muitos, muito menos a maioria. Devemos, portanto, exigir que o processo de regularização destes estudantes tenha uma inclusão automática nos programas de bolsas de auxílio e, se for do interesse, em projetos de estágio, monitoria, etc. Deve ser uma exigência contida no pacote de reivindicações deste movimento.

A Universidade anunciou uma nova proposta de alteração da política de assistência estudantil. O conjunto da proposta merece uma análise à parte. Adiantamos que a universidade está buscando antecipar-se aos futuros confrontos, que a nova situação política anuncia no estado de São Paulo.

A atual proposta da PRIP já vincula a concessão de um auxílio de R$300 + auxílio alimentação a uma vaga no CRUSP. Isso é uma conquista de anos de luta dos estudantes, um avanço, na medida em que não será necessário ficar disputando ano a ano uma renovação de bolsa-auxílio. Os irregulares têm muito a ganhar se regularizando, nesse caso, tendo a garantia de não serem expulsos das vagas e de um complemento financeiro cuja duração terá o mesmo tempo de duração da vaga no CRUSP. Porém, é preciso reivindicar um aumento na proposta de valor, entre outras questões.

Também é preciso que a AMORCRUSP e o conjunto do movimento se organizem para exigir transparência nos critérios para a regularização. Durante a negociação do processo de regularização não pode haver expulsões. E, diferente do solicitado pela PRIP, propomos que a negociação desse processo seja coletiva, através da AMORCRUSP e de comissões eleitas em assembleia, pois o processo individual deixa estudantes a mercê de avaliações obscuras e sem embasamento no regimento do CRUSP.

Fazemos um chamado aos moradores irregulares para que reflitam. Um devido mapeamento e regularização pode garantir maior segurança, bem como permite certeza na contagem das vagas ociosas, a serem ofertadas para novos moradores e evitando conflitos, hoje recorrentes, entre estudantes contemplados que ao chegar nos apartamentos, descobrem que têm direito formal, mas não terão onde ficar. Essa situação coloca estudantes contra estudantes.

Para que esse movimento se concretize, é essencial que aqueles que já não suportam o aventureirismo e o comportamento de seita da REM, de seus satélites, como a RECC e seus simpatizantes, se disponham a formar uma frente única nas assembleias para derrotar os provocadores e inibir suas ações violentas.

A próxima assembleia, a ser convocada pela atual gestão eleita da AMORCRUSP, e não pela seita REM, deverá pautar exclusivamente a urgência desse combate e uma pauta de reivindicações.

Um programa emergencial para esta ação de frente única deve conter as seguintes palavras de ordem:

  • Imediata regularização dos moradores irregulares! Nenhum estudante sem moradia!
  • Ampliação das vagas no CRUSP. Retomada dos prédios fechados! Construção de novos blocos! Reformas, manutenção e melhorias das unidades em deterioração.
  • Disponibilização de todas as vagas ociosas. Transparência no processo de seleção.
  • Denúncia e punição de todos os casos de corrupção e desvio de finalidade.
  • Implantação de um controle de acesso em acordo com a Associação dos Moradores, a ser discutido em assembleias democráticas.
  • Fora a PM do CRUSP! Fora a PM da USP!
  • Aumento na quantidade e valor das bolsas de auxílio, ampliação dos programas de estágio! Por uma larga ampliação dos programas de bolsas para iniciação científica!
  • Por uma verdadeira política de permanência que garanta nenhum estudante fora da USP!
  • Apuração e punição para todas as agressões denunciadas! Punição aos autores da pichação racista contra o estudante africano no CRUSP!

Esse seria um importante começo para a atual situação! Explicamos, no entanto, que para garantir uma educação pública gratuita e para todos, é preciso lutar abertamente por:

  • Fim do vestibular!
  • Não pagamento da dívida pública!
  • Todo o dinheiro necessário para educação pública, nenhum tostão para banqueiros e especuladores!
  • Por uma revolução socialista!

Sobre os autores:

Marcos Andrade – estudante de letras, morador do CRUSP e militante da Esquerda Marxista e da Liberdade e Luta – USP

Mariane de Oliveira – doutoranda em nutrição e saúde pública, moradora e Diretora da AMORCRUSP (Associação dos moradores do Conj. Residencial da USP)

Vinícius Camargo – arquiteto, militante da Esquerda Marxista, ex-coordenador da ocupação da Vila Operária e Popular, ex-trabalhador da Flaskô – fábrica ocupada.

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