Da falta de professores à falta de aulas – destruição do curso de Letras e das demais licenciaturas da USP
Pela construção de uma paralisação efetiva no dia 10/05! Por condições adequadas de estudo e pesquisa na USP!
O sucateamento das universidades públicas não é um assunto novo, passamos por 4 anos de graves cortes à nível federal e o cenário não é diferente na educação no estado de São Paulo. De maneira geral, no ensino público há a falta geral de professores, o que é resultado da não realização de novos concursos. Diante disso, para suprir “emergencialmente” a falta de professores, eram realizadas recorrentemente contratações temporárias com salários mais baixos a fim de suprir de última a hora a falta de efetivos.
Na educação básica vemos esse cenário de precarização de contratos pela quantidade de professores categoria O atuando nas escolas estaduais, em contraposição a mesma falta de novos concursos públicos. Professores esses não necessitam ter uma formação adequada para a docência, apenas precisam ter um “notório saber” extremamente vago, afinal, o que lecionam são itinerários formativos, que não abarcam o conhecimento que era oferecido nas escolas antes da Reforma do Ensino Médio.
Nas Universidades, em especial na USP, a diminuição do quadro docente e técnico-operacional vem ocorrendo desde 2014. Deste ano até o final de 2022, poucos foram os concursos realizados e, dessa forma, havia constantemente a prática de contratação de professores temporários pelo regime RTP, no qual o docente trabalhava na Universidade por 12 horas semanais apenas em atividades de ensino. Ou seja, não são professores que têm dedicação exclusiva à universidade e tempo dedicado à pesquisa e extensão. Vale a pena também ressaltar que o salário destes professores é extremamente baixo e o contrato tem duração de apenas dois anos, sem possibilidade de renovação.
Na FFLCH este cenário é especialmente crítico, como na Letras, em que muitas habilitações ficam até mesmo sem oferecimento de matérias obrigatórias por falta de professores.
Antes de apresentar a situação em que algumas habilitações se encontram, gostaria de explicar ao leitor não estudante da Letras um pouco do funcionamento do curso. O curso de ingresso é para todos os calouros da Letras “Letras – ABI”, isto é, Área Básica de Ingresso. No primeiro ano, todos têm as mesmas matérias, que são o “ciclo básico”, e a média de notas alcançadas pelos alunos coloca-os em um ranking de prioridade na escolha de uma segunda habilitação para cursar junto com o Português. O que é, na prática, um segundo vestibular dentro da universidade. Não são raros os casos de alunos que não conseguem ingressar nas habilitações mais concorridas, que são, normalmente, Inglês, Francês e Linguística.
Voltando ao tema central, o tema da falta de professores no curso de Letras é um assunto em alta no último período devido à falta de oferecimento de matérias obrigatórias. Devido a isso, algumas matérias foram canceladas, e não foram poucos os casos de alunos que não conseguiram vaga em disciplinas obrigatórias de seu período ideal devido à superlotação das poucas turmas oferecidas!
O caso mais grave que gerou revolta entre os estudantes, foi o cancelamento da disciplina Língua Alemã I no período matutino. Isso ocorreu devido ao afastamento de um professor e por todos os demais estarem sobrecarregados para assumirem mais uma turma. Ou seja, a habilitação estava no limite para manter o seu funcionamento. Cabe ressaltar que abrem todos os anos 80 vagas para o alemão, sendo 40 no noturno e 40 no matutino, porém, atualmente, há apenas 6 professores! Dentro deste reduzido quadro docente, há outras questões. Há 1 da licenciatura em alemão, que é temporário e o contrato acaba ainda no meio deste ano, 1 assistente do DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico), que só pode ficar 1 ano e em breve esse prazo acaba, 1 leitor do DAAD e apenas 3 professores doutores, os quais já estão no seu limite de horas. Diante dessa grave falta de professores, alunos que passaram pelo funil do vestibular e, logo em seguida, pelo segundo funil do ranqueamento, não poderão cursar a disciplina para a qual foram aprovados.
Nos últimos anos, o Espanhol, a habilitação que é tida como a segunda maior dentro da Letras, vem tendo o seu quadro de professores reduzido. Até o final de 2022 havia professores temporários, porém, seus contratos foram encerrados e apenas um professor temporário foi contratado para este ano para substituir uma professora que está de licença. Diante disso, a disciplina de Língua Espanhola III, que normalmente é oferecida no matutino e no noturno em duas turmas para cada turno, teve seu oferecimento reduzido à metade. Ou seja, apenas há uma turma no matutino e uma no noturno. Como é de fato inviável ministrar aula de língua para mais de 30 alunos e não há tempo hábil para contratação de outro docente para o primeiro semestre, a área decidiu por deixar 40 alunos sem LE III neste semestre, matéria essa será lhes oferecida no próximo semestre, para os alunos cursarem-na no mesmo semestre de Língua Espanhola IV!
Outra matéria do Espanhol que passa pela falta de um quadro docente efetivo é a Metodologia do Ensino de Espanhol. Apenas neste ano foi aberto concurso para suprir essa vaga, que está há 10 anos vaga, sendo preenchida periodicamente por professores temporários, que não conseguem estabelecer projetos de pesquisa na universidade.
Diante deste cenário, que não se restringe a apenas essas habilitações apresentadas, o sucateamento do curso atinge todas as habilitações, encaminhando cada uma a seu fechamento. Neste cenário, o departamento mais atingido é o Departamento de Letras Orientais, que foi o que perdeu maior percentual de seu quadro docente. O CAELL (Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários Oswald de Andrade, dirigido pela chapa Balalaica, composta pelo Rebeldia, que é a juventude do PSTU, e independentes) limita-se a repudiar o sucateamento que o curso de letras vem sofrendo, sem explicar politicamente o motivo pelo qual a reitoria faz tal destruição. A reitoria, à mando do governo Tarcísio, realiza uma parcela da privatização do estado por meio da destruição do ensino público tal qual conhecemos. Os primeiros cursos a sofrerem tal destruição são as licenciaturas, devido especificamente à reforma do Ensino Médio, porém, o objetivo final é privatizar não só a USP, mas o ensino público inteiro, tal qual todos os serviços públicos.
O CAELL realizou uma assembleia no dia 21/04, no entanto, desta não tirou nenhum encaminhamento prático para seguir a luta por melhores condições de estudo dentro da Letras – USP. Também realizou 5 plenárias de três setores, cada qual com um departamento que compõem o curso de Letras, com o objetivo de montar um dossiê sobre a falta de professores e entregá-lo à reitoria como forma de denúncia. É importante entender numericamente a diminuição do quadro de funcionários, porém, o resultado disso deve ser mobilizar os estudantes por paralisação e greve, não mera disputa direta com a reitoria, afinal, a falta de professores na Letras é resultado direto da destruição do ensino público tal qual conhecemos.
No dia 26/04 houve mais uma assembleia, com uma pauta extremamente extensa para ser debatida em meros 40 minutos. Referente ao assunto que tratamos hoje, ocorreu apenas a votação por um indicativo de paralisação para o dia 03/05, sem debater a fundo a razão pela qual faltam professores e funcionários na Letras e nos demais cursos de licenciatura. No período noturno, chegou ao absurdo de um militante do Juntos! comemorar o cancelamento de um concurso para contratação de funcionários pela falta de aplicação de cotas. Neste caso, vimos como o judiciário utiliza-se das políticas afirmativas para justificar cortes nos serviços públicos.
No dia 02/03 houve mais uma assembleia para aprovar a paralisação para o dia seguinte. Porém, o CAELL propôs adiá-la para o dia 10/05 devido ao imobilismo da própria direção do Centro Acadêmico, que durante toda uma semana não mobilizou os estudantes para a paralisação por meio de passagens em sala de aula
Dessa forma, foi aprovado novo indicativo de paralisação para dia 10. O CAELL mais do que nunca tem o papel de elevar o debate político sobre a precarização da Letras, a fim de mobilizar os estudantes por uma greve. Afinal, o papel do Centro Acadêmico deve ser o de um sindicato de estudantes, isto é, ele deve mobilizar os estudantes de maneira independente pelas suas demandas, não se atendo apenas às denúncias, mas também chamando uma greve dos estudantes pela contratação imediata de novos professores.
O que acompanhamos recentemente foi a precarização da carreira docente na Universidade de São Paulo. Pela supressão de concursos para contratação de professores em regime RDIDP (Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa) ou RTC (Regime de Turno Completo), a reitoria enveredou por supostas contratações “emergenciais” de professores temporários. Porém, agora o cenário é outro. Autarquias do estado de São Paulo, tal qual a USP, não podem mais realizar contratações temporárias como vinha sendo feito, sendo permitidas apenas em situações de fato emergenciais, tal qual o que recentemente ocorreu com o Alemão.
Sem a contratação dos temporários, a reitoria atual retoma contratações via concurso com a intenção de recompor o quadro docente e técnico-operacional de 2014, que de fato é mais completo que o atual, mas não sana todas as necessidades da universidade. Recentemente foi anunciada a abertura de 6 concursos para docentes doutores do Departamento de Letras Modernas, porém, isso sequer soluciona a falta de professores deste departamento, e muito mesmo a defasagem da faculdade inteira.
Na realidade, a última grande contratação de professores e trabalhadores da USP ocorreu em 2002, após uma grande greve da FFLCH, a qual resultou na contracheque imediata de 68 docentes. Além das contratações prometidas pela reitoria serem insuficientes, há outra complicação, surge a cláusula do mérito acadêmico para contratação de novos professores. Diante disso, por imposição da reitoria, apenas metade das cadeiras docentes vagas serão preenchidas automaticamente, a outra metade dependerá do “mérito” de cada unidade para receber mais contratações, sem ter critérios claros para isso. Os próprios professores da Letras entendem essa situação como manobra para sucatear os cursos de humanidades e licenciatura em favor dos Institutos que mais agradam ao capital, como FEA, POLI e SanFran, que já têm melhor estrutura e condição financeira devido a investimentos privados.
No curso de Letras da USP e nos demais cursos de licenciatura não há uma simples falta pontual de professores. O que acompanhamos, na verdade, é a destruição do cursos, juntamente à destruição do conjunto do ensino público.
O próprio Novo Ensino Médio, que foi aprovado em 2017, não requer mais professores especialistas em suas áreas. O “notório saber” para a aplicação de itinerários formativos substituiu o conhecimento acumulado pela humanidade a fim de sucatear a escola pública. E, como não há mais a necessidade de professores de História, Geografia, Sociologia, Filosofia, Português, outras línguas e demais disciplinas comuns à escolarização, os cursos de licenciatura são os primeiros a serem destruídos pela burguesia. Tanto por estes cursos formarem a juventude durante os anos de ensino básico quanto por serem os conteúdos exigidos nos principais vestibulares. Sendo assim, o Novo Ensino Médio torna o ensino superior público ainda mais distante dos estudantes de escolas públicas.
Ou seja, acompanhamos a destruição do Ensino Básico público junto ao sucateamento dos cursos de licenciatura no ensino superior público. Afinal, cada vez mais o conhecimento vem se tornando mais distante da juventude que estuda nas escolas públicas.
À FFLCH, que é uma grande formadora de professores para o ensino público, a reitoria destinou a contratação de aproximadamente 20 professores neste próximo período. Porém, os CA’s não devem se ater à reivindicação de sanar minimamente a defasagem do quadro docente, mas avançar e reivindicar o gatilho automático de contratação de professores para todas as cadeiras em regime RDIDP ou RTC, ou seja, de dedicação exclusiva, a fim de que não haja a possibilidade da destruição de diferentes cursos de graduação e da produção científica por parte da reitoria. Entretanto, também não podemos nos ater a um palavrório de reivindicações sem mobilização, é urgente que os CA’s e o DCE mobilizem a revolta dos estudantes em torno da defesa da USP e da continuidade plena dos seus cursos.
É de suma importância voltar-se à experiência da greve de 2002, que conseguiu impor à reitoria demandas dos alunos, para entender os métodos de luta contra os cortes na educação. É urgente que as entidades estudantis de fato dirijam a luta e convoquem manifestações e greves contra as imposições da reitoria que visam o sucateamento das licenciaturas e da universidade pública tal qual conhecemos, levantando as palavras de ordem centrais de luta entre os estudantes:
- pela contratação efetiva imediata do quadro de terceirizados da USP,
- pela revogação imediata do Novo Ensino Médio,
- por educação pública, gratuita e para todos em todos os níveis,
- pelo fim do vestibular,
- pelo fim do ranqueamento;
- vagas para todos nas universidades públicas.