Feminismo segundo a perspectiva marxista (Parte 4)
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o movimento feminista no mundo tem sua força renovada e encontra meios para o atendimento de reivindicações da mulher. Isso ocorreu devido tanto às possibilidades materiais do momento, que se expandiram após a destruição em massa de forças produtivas na guerra e o consequente “boom” econômico, quanto aos interesses da classe dominante, sendo um deles a contenção da “ameaça comunista” pelo mundo, fazendo concessões, “dando os anéis para não perder os dedos”.
A SEGUNDA ONDA DO FEMINISMO
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o movimento feminista no mundo tem sua força renovada e encontra meios para o atendimento de reivindicações da mulher. Isso ocorreu devido tanto às possibilidades materiais do momento, que se expandiram após a destruição em massa de forças produtivas na guerra e o consequente “boom” econômico, quanto aos interesses da classe dominante, sendo um deles a contenção da “ameaça comunista” pelo mundo, fazendo concessões, “dando os anéis para não perder os dedos”.
Por toda a Europa, conquistas como o desenvolvimento de métodos contraceptivos, e melhoras em questões como de saneamento básico (luz, água, gás, esgoto, etc.) e de eletrodomésticos mudam a condição doméstica da mulher, tornando maior e mais facilitada sua participação na produção. Isso modifica seu papel social e marca a segunda onda do feminismo. O pós-guerra provocou o retorno de milhões de mulheres da fábrica de volta ao lar, com o retorno dos homens às cidades.
Faz-se necessário ressaltar que, durante o boom econômico e a chamada “globalização”, devido ao que Trotsky denominou desenvolvimento desigual e combinado dos países que compõem esse sistema que gera riqueza a partir da miséria, os direitos das mulheres foram conquistados primordialmente nos países imperialistas. Já em muitos países semicoloniais superexplorados no contexto imperialista, a situação da mulher se tornou ainda mais degradante em aspectos políticos, econômicos e sociais, inclusive com acréscimo de imposições religiosas reacionárias e que rasgam os Direitos Humanos recém declarados.
Apesar dos avanços parciais citados anteriormente, a tarefa doméstica, mesmo que apoiada pela tecnologia, permanece como responsabilidade da mulher, que continua sendo explorada e oprimida. Conforme explicado anteriormente, a sua libertação efetiva requer uma mudança profunda do modo de produção e das relações sociais.
Enquanto as feministas da primeira onda, no início do século XX, centravam-se nas conquistas jurídicas, as feministas da segunda onda, responsáveis inclusive por essa autodenominação (sobre isso, leia a segunda parte deste artigo), lutavam pela igualdade legal e social das mulheres, contra as desigualdades de facto. Esta onda está associada aos movimentos de libertação feminina da década de 60 até a década de 80. Conforme a estudiosa Astrid Henry, parte das feministas deste período consideram a segunda onda como o desenvolvimento de um movimento político contínuo iniciado em meados do século XIX, enquanto outra parte considera a segunda onda uma mudança de essência do movimento, contrapondo-se até mesmo à primeira onda quanto aos objetivos pretendidos e atores sociais envolvidos.
Foi neste período que Carol Hanisch, feminista radical e membro do New York Radical Woman e Redstockings (grupos pela liberação da mulher nos EUA) escreveu um artigo denominado O pessoal é político, em 1969, expressão que se tornou bandeira da segunda onda. O lema expressa a perspectiva adotada em grande parte do movimento. A segunda onda do feminismo também foi marcada pela obra da autora e filósofa francesa Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo (1949), que demonstra os estereótipos atribuídos ao sexo feminino, como forma de mistificá-lo e hierarquizá-lo num nível abaixo do homem. Esta obra tornou-se inspiração para movimentos femininos por emprego e salário igual a partir da década de 1950.
A crescente luta pelas demandas femininas provocou uma série de medidas pelo parlamento burguês. Em 1961, o presidente Kennedy estabeleceu a Comissão Nacional para o Estatuto das Mulheres, para tratar de assuntos como emprego, seguro social, educação, assim como os tribunais começaram a tratar dos direitos femininos. Nesse desenvolvimento, em 1963 e 1964, o Governo Federal alterou a Lei dos Direitos Civis, para tentar eliminar a desigualdade de salário entre homem e mulher para o mesmo trabalho, baseada em discriminação de sexo, e contra a discriminação no ambiente de trabalho. Como tentativa de reforçar a lei, nomeou-se a Comissão de Oportunidades Iguais de Emprego (EEOC, na sigla em inglês).
Segundo Nancy Sink, em seu artigo “1960’s-1980’s Women’s Liberation Movement”, o acirramento da luta por direitos e igualdade para as mulheres nos EUA, durante a década de 60, teve como uma das primeiras conquistas a aprovação do primeiro contraceptivo oral para as mulheres, um passo no direito reprodutivo feminino (http://novaonline.nvcc.edu/eli/evans/his135/events/womenslliberation/womensliberation.htm)
Entretanto, muitas conquistas parlamentares permaneciam no papel, e a EEOC não obtinha êxitos reais para eliminação das desigualdades trabalhistas. Por isso, em 1966, Betty Friedan, importante ativista da segunda onda, junto a um grupo de mulheres, fundou a Organização Nacional das Mulheres (NOW, na sigla em inglês), com objetivo de recrutar as mulheres para lutarem por efetiva igualdade com os homens. A organização obteve aumento progressivo de integrantes, chegando a 500 mil membros em 2008. Durante o decurso de suas lutas, apesar de se ter colocado como alternativa às medidas parlamentares infrutíferas, trilhou um caminho que desembocou igualmente em revisões dos Direitos Civis. Entretanto, obtiveram mais êxito no campo legalista, quando conquistaram aprovações de emendas em 1972, numa batalha de reconhecimento da cidadania da mulher e medidas favoráveis ao direito ao aborto e proteção de mulheres vítimas de estupro e de agressão física.
Durante estse período, expressavam-se as demandas imediatas das mulheres no capitalismo imperialista, apesar de muitas vezes impulsionada por estudantes universitárias e mulheres da pequena burguesia. As reivindicações pautadas eram justas e que devem estar na ordem do dia de todo movimento revolucionário. Mas, conforme explica a argentina Andrea D’Atri, na sua obra Pão e Rosas (2006), por volta da década de 70, percebe-se a institucionalização de grande parte do movimento, ou seja, as demandas começam a voltar-se para a melhora de vida da mulher sob o capitalismo, desvinculadas da ardência revolucionária que marcou o início da primeira onda.
O movimento preocupou-se não só com as demandas democráticas, mas também em realizar estudos sobre a história da mulher e das origens da opressão de gênero. Este interesse teve bastante repercussão na universidade. Portanto, a segunda onda caracteriza-se pelo debate do que as feministas destse período consideravam problemas políticos e culturais, e “novas questões”, como sexualidade, família, mercado de trabalho, direitos reprodutivos, violência doméstica, custódia, divórcio, salário igual para trabalho igual, contra a jornada dupla e a igualdade legal contraposta à desigualdade social de facto. Para as conquistas pretendidas, lutavam pela politização das mulheres a fim de combaterem as estruturas “sexistas” de poder. Apesar de caracterizarem esses temas como assuntos “novos” ou “atuais” na luta pela emancipação da mulher, a verdade é que foram temas exaustivamente tratados pelo movimento das mulheres no século XIX e início do XX. Foram questões pautadas no dia a dia por revolucionários, manifestantes, trabalhadores que realizavam a luta pela emancipação da mulher ligada à luta de classes.
Entretanto, a perspectiva adotada por parte das feministas da década de 60, como as feministas radicais, sobre o que elas consideram a “primeira onda” de lutas pelas mulheres, restringe-se às lutas legais travadas por mulheres da alta sociedade. Portanto, estsas feministas, ao organizarem a cronologia do seu movimento, ignoram o legado histórico das revoluções, em especial da Revolução Russa e do Estado Soviético. Ou seja, as lutas das mulheres trabalhadoras que ocorriam simultaneamente aos movimentos legalistas, e que não reconheciam as batalhas como uma luta de gêneros, e sim luta de classes. Este recorte arbitrário realizado pelas feministas isolam o movimento do percurso histórico real das lutas pela emancipação da mulher e, esterilizados das experiências passadas, põe-se à tarefa de refazer caminhos já percorridos, almejando as possíveis reformas dentro do capitalismo. Começam a refletir sobre o papel do Estado e sobre a estrutura social que cerca a luta desconsiderando as experiências das mulheres trabalhadoras nas décadas anteriores.
Passadas as guerras mundiais, organizações feministas retomaram a tentativa de conferir ao movimento o princípio internacionalista, que também é base do marxismo, entretanto, agregando a tentativa de unidade entre mulheres trabalhadoras e capitalistas. Expressão dessa tentativa foi a realização do Tribunal Internacional de Denúncias de Crimes Contra as Mulheres, em Bruxelas no ano 1976. Esta iniciativa novamente põe à prova a união de mulheres de todas as classes. Desta vez a ideologia do neoliberalismo, política de manutenção da exploração, sob a máscara da “democracia” e da “igualdade” de direitos e deveres entre as partes contratantes, provocou em certa escala um racha no movimento, quando parte defendia o “progresso neoliberal”, e outra desmascarava a realidade (D’ATRI, A. Pão e Rosas).
O desmantelamento da URSS no final da década de 80 e os pessimismos gerados contaminam o movimento e assinalaram a passagem de parte dele da postura independente para a via institucional. Adaptando-se a partidos socialdemocratas, ao academicismo e instituições do Estado, expressam-se de forma mais latente diferentes interpretações da opressão de gênero, e com isso, formam-se diversos métodos de combate. Tão logo surge a ruptura entre as “autônomas” e as “institucionalizadas”, uma dentre as várias rupturas em curso.
Da mesma forma, ocorrem divisões em movimentos que reivindicam o marxismo. Ernest Mandel, dirigente do Secretariado Unificado da IV Internacional, passa a defender a teoria das “novas vanguardas”, que seriam compostas por estudantes, negros, mulheres, LGBTs etc, colocando em segundo plano o protagonismo e o trabalho junto à classe operária, que estaria “aburguesada”, para o combate pela revolução socialista. Trata-se, na realidade, de uma profunda revisão do marxismo.
Está claro como é prejudicial ao movimento operário o abandono ou a secundarização da perspectiva da luta contra o sistema capitalista. Quando isso acontece, a abordagem sobre as opressões também acabam se desconectando ou distanciando da compreensão materialista sobre a condição da mulher, que está totalmente ligada à luta pelo fim do regime de produção da propriedade privada. Uma vez que prioriza as consequências do capitalismo, o movimento fica impossibilitado de agir organizada e sistematicamente contra as raízes do sistema, que reside na luta de classes.
Analisaremos, a seguir, a principais tendências surgidas na chamada segunda onda do movimento feminista e suas concepções.
[Continua]