Notas sobre o imperialismo e a dívida pública

Publicamos a seguir o texto base para o informe “O imperialismo e o papel da dívida pública”, apresentado na Escola Nacional de Formação da JCI em 6 e 7 de setembro. Nele, Lucy Dias aborda a importância teórica do conceito de imperialismo, isto é, a transformação do capitalismo concorrencial em capitalismo monopolista, a época de dominação do capital financeiro, de guerras e revoluções, segundo Lênin. Essa discussão ganha ainda mais relevância diante da nova situação política que vivemos e aponta a perspectiva operária e comunista sobre como enfrentar a agressão imperialista de Trump.

A importância teórica da presente discussão: a validade do marxismo como ciência

Vivemos sob a época do imperialismo, da transformação do capital concorrencial em capital monopolista e da dominação do capital financeiro, que subordina a produção em nome de seus interesses. Qual o significado imediato e histórico desse desenvolvimento? Por um lado, a tendência para a concentração e centralização do capital, que, por sua vez, engendra a reação e a violência em todos os níveis; por outro, o mais alto grau de socialização da produção, que é ela mesma um embrião da nova sociedade, baseada na “cooperação e na propriedade comum da terra e dos meios de produção produzidos pelo próprio trabalho” em nosso tempo.

“O sistema da apropriação capitalista, surgido do modo de produção capitalista, ou seja, a propriedade privada capitalista, é a primeira negação da propriedade privada individual, baseada no trabalho próprio. Mas a produção capitalista produz, com a inexorabilidade de um processo natural, sua própria negação. É a negação da negação. Esta não restabelece a propriedade privada, mas a propriedade individual sobre o fundamento do conquistado na era capitalista: a cooperação e a propriedade comum da terra e dos meios de produção produzidos pelo próprio trabalho. A transformação da propriedade privada parcelada, baseada no trabalho próprio dos indivíduos, em propriedade capitalista é, naturalmente, um processo incomparavelmente mais longo, duro e difícil do que a transformação da propriedade capitalista, realmente já fundada numa organização social de produção, em propriedade social. Lá tratou-se da expropriação da massa do povo por poucos usurpadores; aqui, trata-se da expropriação de poucos usurpadores pela massa do povo.”1

Marx estudou e elaborou as leis que regem a produção capitalista em suas formas mais elementares até o processo global de produção. Ele analisou de maneira científica o processo de transformação do dinheiro em capital, do capital em capital portador de juros e do capital portador de juros em capital fictício, isto é, sem relações com a produção material. Ele explicou como o sistema de crédito privado, uma forma do capital portador de juros, encontrou no sistema de crédito público — as dívidas do Estado — uma de suas mais poderosas alavancas de acumulação primitiva e a base para um sistema internacional de crédito. Das dívidas do Estado, decorre a supertributação não como um incidente, mas como um princípio, nas palavras de Witt da Holanda, “para manter o trabalhador assalariado submisso, frugal e diligente, e sobrecarregado de trabalho”.2

Ainda em “O Capital”, Marx desenvolve o conceito de alienação do Estado e da dívida pública como a única parte da chamada riqueza nacional que realmente entra na posse coletiva.
Já está em Marx também a tendência histórica da acumulação capitalista, que aponta para o desenvolvimento da concentração e centralização do capital — a negação da negação. A propriedade privada individual foi negada pela propriedade privada capitalista, que, por sua vez, também foi negada pela expropriação dos expropriadores, pelas sociedades por ações e pela tendência ao monopólio do capital, que é, ele próprio, um entrave ao modo de produção capitalista.

No dia 14 de setembro, completam-se 158 anos da publicação do Livro I de “O Capital” e, neste ano, também se completam 131 anos da publicação do Livro III, finalizado por Engels onze anos após a morte de Marx. Essa escola também é um tributo e uma homenagem ao materialismo histórico-dialético, por ele e por Engels elaborado, a ciência do proletariado, que encontrou em “O Capital” sua maior expressão e contribuição para o conjunto da humanidade.

A importância prática da presente discussão: como responder à agressão imperialista

Há uma crise de superprodução do capital diante de nossos olhos, uma crise econômica, social e política. Essa crise é uma expressão das próprias leis internas da produção capitalista, em que há uma tendência à queda da taxa de lucro, a qual o capitalismo, em sua fase imperialista, precisa resolver, seja pela destruição de forças produtivas, seja pela ampliação de mercados e pela intensificação da exploração daqueles já existentes. Nessa resposta do capitalismo à sua própria crise, encontram-se vários eventos de nosso tempo: ampliação de conflitos militares, guerras comerciais, ataques aos direitos trabalhistas, cortes e privatizações dos serviços públicos. Ao mesmo tempo, a burguesia busca manter sua parte no saque, aumentando a corrupção e tentando fazer com que seus privilégios se mantenham a qualquer custo. O resultado disso é a luta de classes.

Um dos exemplos mais recentes é a luta insurrecional e revolucionária que se desenvolve na Indonésia. A fúria das massas começou porque os políticos queriam aumentar seus próprios salários, e agora elas querem pôr abaixo todo o regime, o parlamento e o presidente.

A violenta imposição de tarifas realizada por Trump reacendeu a luta anti-imperialista no Brasil. Além do Brasil, inúmeros países no mundo receberam tarifas. Isso se relaciona com uma tentativa de ampliar a tributação sobre a importação, encarecendo produtos que entram nos EUA. Por um lado, isso significa uma enorme ampliação da tributação sobre os próprios trabalhadores norte-americanos; por outro, apresenta-se com o objetivo de proteger seus monopólios e estimular a produção doméstica contra o “inimigo externo chinês”. Mas essa é uma medida artificial, uma vez que parte dos elementos do capital constante e parte dos elementos do capital variável são barateadas por meio do mercado mundial. Portanto, trazer as empresas novamente para os EUA tende a gerar elevados custos e quedas de produtividade. Assim, essa medida engendra o aprofundamento de mais contradições na crise capitalista.

A violenta imposição de tarifas realizada por Trump reacendeu a luta anti-imperialista no Brasil / Imagem: Paulo Pinto, Agência Brasil

Do ponto de vista da economia brasileira, essas tarifas impactam a balança comercial, pois provocam uma queda em suas exportações. Na presente situação, embora tenha havido redução de exportações em dez setores para os EUA, essa queda foi mais do que compensada por antecipações de vendas antes das tarifas e por exportações a outros países.

Mas, num cenário em que se esgotem as possibilidades, pois é certo que os demais países não têm a mesma capacidade de absorção que o mercado dos EUA, o desequilíbrio na balança comercial poderá ser compensado por meio dos fluxos de capitais, o que, em nosso caso, amplia a dominação estrangeira, seja por meio de Investimentos Diretos no País, seja por investimentos em portfólio (ações, títulos ou outros ativos), seja pela tomada de empréstimos nacionais e internacionais. Essas estatísticas são fornecidas pelo Banco Central do Brasil — são as estatísticas do setor externo.

É aqui que entram a dívida pública, o sistema de reservas internacionais e os ataques à classe trabalhadora. Vamos desenvolver esses pontos. Mas, por exemplo, o governo Lula prepara um pacote de medidas para ajudar os empresários que sofrerem perdas por causa das tarifas, ou seja, usar dinheiro público para manter a engrenagem do capitalismo em funcionamento, enquanto realiza cortes nas áreas sociais, como o corte de R$ 2,6 bilhões na saúde.

A campanha “Fora o imperialismo e suas guerras!” é uma campanha que responde, a partir de um ponto de vista de classe, como enfrentar esse cenário:

  • Anular a dívida interna e externa! Dinheiro para saúde, educação e serviços públicos!
  • Em defesa dos empregos! Estatização de todos os bancos, das multinacionais dos EUA e de todas as outras!
  • Monopólio estatal do comércio exterior!
  • Pelo fim da escala 6×1! Redução da jornada sem redução de salários!
  • Reajuste mensal dos salários de acordo com a inflação!
  • Ruptura de todas as relações comerciais e diplomáticas do Brasil com o Estado sionista de Israel!
  • Fora o imperialismo! Abaixo as guerras e o capitalismo!
  • Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!

Desses pontos, alguns vamos explorar com mais detalhes, como, por exemplo, a anulação da dívida, a estatização de bancos e multinacionais e o monopólio do comércio exterior no presente debate. Daí, camaradas, a presente discussão também nos arma para a construção do pré-encontro que realizaremos em 21 de novembro, para o qual já convido todos a se inscreverem e iniciarem a batalha pela inscrição dos contatos mais próximos e pela organização de panfletagens e vendas coletivas do jornal, a fim de ampliar ao máximo nossos laços com diferentes setores da juventude e da classe trabalhadora. Nós, da JCI, temos um importante papel nessa campanha e, portanto, um plano detalhado de novas universidades, cursinhos e escolas deverá ser parte integrante dessa construção, com a JCI como ponta de lança.

O imperialismo

Camaradas, há muito o que falar sobre a etapa final do sistema capitalista. Vocês receberam a introdução ao tema, escrita pelo camarada Serge Goulart, e, nesta escola, vamos realizar um debate sobre os fundamentos e pressupostos teóricos. Sabemos que há debates em curso sobre esse tema na preparação do nosso congresso, em particular sobre o caráter da China. Esse tema é absolutamente fundamental, e é necessário estudá-lo de maneira detalhada e seguir o debate nas instâncias da organização. Aqui, vou me concentrar em apresentar as linhas gerais, os fundamentos e pressupostos teóricos para esse debate, além de pontos que considero importantes observar e que se relacionam com a construção da nossa organização no Brasil e no mundo, na época convulsiva que marca nossa geração.

Como apresentei na introdução, já está em Marx a tendência histórica da acumulação capitalista. Marx explica, no capítulo 24, “A assim chamada acumulação primitiva”, do Livro I de “O Capital”, que a expropriação dos expropriadores se faz pelas próprias leis da produção capitalista, em particular pela centralização dos capitais. Ele afirma: “cada capitalista mata muitos outros”. Isto é, através da concentração do capital em um determinado ponto, essa concentração quantitativa transforma-se em qualidade e passa à centralização do capital, isto é, à incorporação de empresas menores pelas maiores e às fusões.

Ao lado disso, também ocorre uma enorme socialização da produção. Marx afirma:

“Paralelamente a essa centralização ou à expropriação de muitos outros capitalistas por poucos, desenvolve-se a forma cooperativa do processo de trabalho em escala sempre crescente, a aplicação da técnica consciente da ciência, a exploração planejada da terra, a transformação dos meios de trabalho em meios de trabalho utilizáveis apenas coletivamente, a economia de todos os meios de produção mediante o uso como meio de produção de um trabalho social combinado, o entrelaçamento de todos os povos na rede do mercado mundial e, com isso, o caráter internacional do regime capitalista.”3

Nesse processo, consuma-se o que Marx chama de negação da negação. A propriedade individual, cuja base era o trabalho próprio, é expropriada pela propriedade privada capitalista e, pelas suas leis de funcionamento, a propriedade privada capitalista é centralizada sob a forma dos monopólios.

“O monopólio do capital torna-se um entrave para o modo de produção que floresceu com ele e sob ele. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho atingem um ponto em que se tornam incompatíveis com seu invólucro capitalista. Ele é arrebentado. Soa a hora final da propriedade privada capitalista. Os expropriadores são expropriados.”4

Ao lado disso, a enorme socialização da produção desenvolve as condições científicas e históricas para uma nova sociedade: a cooperação e a propriedade comum da terra e dos meios de produção produzidos pelo próprio trabalho. Essa é a base e o sentido da afirmação que Lênin faz em seu livro, ao dizer que “o monopólio é a transição do capitalismo para uma ordem superior”.5

Essa tendência já estava observada em Marx e foi desenvolvida por Engels, com sua contribuição em “Anti-Dühring” e “Do socialismo utópico ao científico”, obras nas quais destaca o papel das sociedades por ações. Com base nessas elaborações, a social-democracia de diferentes países estabeleceu as bases para suas análises e contribuições sobre o fenômeno do imperialismo.

A partir dos estudos de Hobson (1902), Hilferding (1912) e Rosa Luxemburgo (1914), Lênin conclui sua contribuição em 1916, realizando uma síntese desse acúmulo e travando uma dura polêmica com Kautsky e sua concepção de imperialismo.

Lênin descreve o imperialismo como o estágio monopolista do capitalismo, porque, nessa definição, há o principal: por um lado, o capital bancário de alguns bancos monopolistas fundido com o capital de grupos industriais monopolistas e, por outro, a partilha do mundo, que passa da política colonial de regiões ainda não apropriadas para uma política de dominação monopolista dos territórios de um mundo já inteiramente repartido.

Ele faz um alerta sobre o caráter relativo e condicional das definições gerais e, em seguida, sintetiza sua compreensão em cinco principais características:

  1. Formação de monopólios;
  2. Capital financeiro e oligarquia financeira;
  3. Exportação de capitais;
  4. Associações monopolistas internacionais;
  5. Conclusão da partilha territorial do mundo.

Essas características que ele sintetiza representam um estágio da produção capitalista — o grau a que essa produção se desenvolveu e quais são seus traços gerais. Ele não está descrevendo um país ou outro em particular, e o conjunto de sua análise obriga a caracterizá-lo como um capitalismo parasitário ou em estado de decomposição.

Pelo tempo, camaradas, vou precisar me limitar a destacar três pontos de toda a contribuição, pois acredito que estes têm impactos fundamentais para o nosso tempo: a transformação da política colonial sob a fase imperialista e a luta contra o oportunismo.

Transformação da política colonial na época imperialista

A política colonial já existia antes do estágio imperialista. No entanto, agora ela tende a ser realizada sob um mundo já repartido entre as principais potências.6 Isto é, não é possível conquistar um lugar que já não seja dominado por outros. Sobre isso, Lênin explica que o capital financeiro é uma força tão considerável que subordina os Estados que gozam da independência política mais completa. Mas a subordinação mais lucrativa é aquela em que ocorre a perda da independência política dos países e dos povos submetidos. Ainda assim, há aqueles países que conservam sua independência política.

Lênin não diz que seria impossível uma nova partilha do mundo pelas principais potências, no caso de uma nova correlação de forças por conta das diferenças de desenvolvimento, das guerras e das crises. No entanto, ele deixa muito claro:

“A questão que se coloca é a seguinte: sob o capitalismo, quais outros meios, que não a guerra, para se eliminar a desproporção existente entre o desenvolvimento das forças produtivas e a acumulação de capital, por um lado, e, por outro, a partilha das colônias e das esferas de influência do capital financeiro?”7

Lênin também aponta a tendência para a dominação e para a guerra, e não para a liberdade e para a paz. Ele explica a intensificação da opressão nacional e da violação da independência nacional.8

Aqui temos uma das questões mais importantes do nosso tempo: o papel do militarismo na opressão nacional e na partilha das colônias e esferas de influência do capital financeiro.

Foi Rosa Luxemburgo quem compreendeu melhor o papel do militarismo na dinâmica da acumulação capitalista. Ela descreve a função do militarismo para a acumulação capitalista, uma vez que este emprega os meios concentrados nas mãos do Estado, por meio dos impostos, na produção de material bélico. Por meio de impostos indiretos (que incidem sobre mercadorias, serviços e transações comerciais) e tarifas alfandegárias, os custos do militarismo são cobertos, em grande parte, pela classe operária e pelo campesinato.

O impacto disso para a classe trabalhadora é a transferência de parte do poder de compra da classe operária e dos camponeses para as mãos do Estado e, portanto, uma redução de seus meios de subsistência. Em posse das mãos do Estado e para satisfazer a demanda por produtos bélicos, cria-se um novo mercado.9 Assim, ela conclui:

“Vemos agora como o emprego dos impostos extorquidos do operário e destinados ao armamentismo oferece uma nova possibilidade de acumulação. Com base nos impostos indiretos, o militarismo atua, na prática, nos dois sentidos e o faz à custa das condições normais de vida da classe operária, garantindo a manutenção dos órgãos de dominação capitalista, do exército permanente, bem como do maravilhoso domínio da acumulação do capital.”10

Vemos, pois, a relação estreita entre a política reacionária de dominação do imperialismo e o papel do Estado na produção armamentista, que, por um lado, cria um novo mercado e, por outro, engendra convulsões políticas e catástrofes econômicas sob a forma de crises e guerras.

Uma expressão notável desse processo é a corrida armamentista que vivemos hoje: o vultoso aumento das despesas militares nos orçamentos públicos em contraste com os cortes e privatizações em serviços básicos, como educação, saúde e saneamento. A enorme quantidade de cientistas empregada na indústria bélica contrasta com o deslocamento de profissionais de diferentes áreas para o subemprego ou o desemprego.

Os volumes de gastos militares atingem hoje um ponto mais alto do que aqueles realizados durante a 2a Guerra Mundial, e o número de conflitos e guerras localizados no mundo apenas aumenta. Como Rosa explicou muito bem, o militarismo cria um novo mercado. Disso decorre que o capitalismo, em sua fase imperialista, apoia-se na produção de produtos bélicos como uma fonte de acumulação durante os períodos de crise. Não é por acaso o aumento dos orçamentos de defesa dos países-membros da Otan para 5%.

Mesmo a China, que está atolada em dívidas, precisa de um novo mercado para acumulação, e um exemplo disso foram as vitrines de produtos bélicos exibidas durante os desfiles dos 80 anos da derrota do Japão na 2a Guerra Mundial. Como Rosa descreveu, essa situação só pode levar a convulsões políticas, pois as pessoas sentem uma enorme fúria ao verem seus direitos e conquistas cortados, quando são extorquidas a pagar mais impostos para sustentar essa terrível máquina lucrativa.

O combate ao oportunismo

Lênin explica:

“A obtenção de elevados lucros monopolistas pelos capitalistas de um entre muitos ramos da indústria, de um entre muitos países etc., lhes dá a possibilidade econômica de subornar certas camadas operárias, e o acirramento entre as nações imperialistas pela partilha do mundo aprofunda essa tendência. Assim, cria-se uma ligação entre o imperialismo e o oportunismo.”11

Ele destaca que a luta contra o imperialismo é uma frase oca e falsa se não for indissoluvelmente vinculada à luta contra o oportunismo. Essa é uma das maiores questões do nosso tempo, pois está ligada à integração dos partidos e sindicatos à estrutura do Estado burguês e, portanto, à sua degeneração social-chauvinista — seja ela de colaboração explícita com a burguesia, na forma das frentes amplas, seja na concepção menchevique-stalinista das frentes populares e do etapismo.

A dívida pública

Como apresentei na introdução, Marx já elabora sobre as dívidas do Estado. Sobre isso, ele acrescenta:

“A dívida do Estado torna-se uma das mais enérgicas alavancas da acumulação primitiva. Tal como o toque de uma varinha mágica, ela dota o dinheiro improdutivo de força criadora e o transforma, desse modo, em capital, sem que tenha necessidade, para tanto, de se expor ao esforço e perigo inseparáveis da aplicação industrial e mesmo usurária. (…) Porém, abstraindo a classe de rentistas ociosos assim criada e a riqueza improvisada dos financistas que atuam como intermediários entre o governo e a nação (…), a dívida do Estado fez prosperar as sociedades por ações, o comércio com títulos negociáveis de toda espécie, a agiotagem — em uma palavra: o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia.”12

Lênin parte dessa base e a desenvolve, explicando que:

“A exportação de capitais, uma das bases econômicas mais essenciais do imperialismo, acentua ainda mais o isolamento completo da camada dos rentistas da produção e imprime uma marca de parasitismo a todo o país que viva da exploração do trabalho de alguns países e colônias ultramar.”13

E, assim, ele conclui que o mundo ficou dividido entre um punhado de Estados usurários e uma maioria gigantesca de Estados devedores. Mais uma vez, ele também coloca essa questão sob um ponto de vista histórico e caracteriza que o Estado rentista é o Estado do capitalismo parasitário e em decomposição.14

Desde Lênin, o sistema das dívidas do Estado se desenvolveu muito. Quero mostrar a vocês alguns dados para entendermos o Brasil. Em 2022, quando representei nosso programa e nossa organização nas eleições para deputado federal, elaborei um infográfico, fruto dos debates da organização naquela época, sobre as reservas internacionais e a dívida pública. Aqui está a atualização dele, com dados mais recentes, mostrando o mecanismo da dívida e das reservas:

Esse primeiro infográfico demonstra como as reservas internacionais financiam o imperialismo norte-americano e representam uma dupla exploração da classe trabalhadora brasileira.

No segundo infográfico, que elaborei especialmente para esta escola, vemos que o Tesouro Nacional, por força da Lei Complementar nº 105/2001 (Lei do Sigilo Bancário), não divulga exatamente quem são os detentores. Trotsky, no “Programa de Transição”, fala sobre o “segredo comercial”, e vemos aqui a vitalidade de sua análise.

O esclarecimento sobre quais são as rendas e as despesas da sociedade, a começar pela empresa isolada, é fundamental para o controle operário e para o planejamento democrático da produção, que é a escola da economia planificada. Isso é impossível sem o pleno conhecimento da economia nacional em seu conjunto e de suas unidades em particular.

“Os operários não possuem menos direitos que os capitalistas em conhecer os ‘segredos’ da empresa, do truste, do ramo de indústria, de toda a economia nacional em seu conjunto. Os bancos, a indústria pesada e os transportes centralizados devem ser os primeiros a serem submetidos à observação.”15

Para finalizar, camaradas: nas crises, as dívidas públicas aumentam. Esse é o processo de socialização das perdas, em que dívidas dos capitalistas são incorporadas à dívida pública por meio da compra de papéis podres das empresas ou, então, mediante empréstimos que nunca serão pagos. É o que estamos vendo com o plano do governo Lula-Alckmin para salvar empresas diante das tarifas.

Algumas organizações propõem apenas a auditoria. Por que nós não concordamos com essa reivindicação? Uma auditoria poderia constatar que uma parte da dívida é fraudulenta, mas, no dia seguinte, o restante continuaria sendo religiosamente pago, contra nossas necessidades. Além disso, uma auditoria real só pode ser feita com total controle operário sobre a produção; sem isso, estaríamos à margem de qualquer farsa nas contabilidades criadas para enganar os trabalhadores.

A anulação e o cancelamento do pagamento de toda a dívida interna e externa não são tarefas imediatas dos revolucionários: são tarefas de um governo proletário insurrecional. Mas, para nós, essa reivindicação cumpre uma função de propaganda absolutamente necessária, pois demonstra aos trabalhadores o quanto de seu tempo de vida e de sua força de trabalho é sugado por parasitas que não merecem ver a luz do dia e, no entanto, permanecem ociosos, ano após ano, vivendo às custas da nossa exploração.

A luta pela anulação e pelo cancelamento da dívida pública, associada à luta pela estatização de todas as multinacionais, faz tremer a burguesia e o imperialismo, pois revela aos trabalhadores o parasitismo da classe dominante e coloca na ordem do dia a posse e o controle das riquezas produzidas.

Notas e referências

  • Programa de Transição, capítulo O “segredo comercial” e o controle operário da indústria. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1938/programa/cap07.htm ↩︎
  • Capítulo 24 – A assim chamada acumulação primitiva, Livro 1 Tomo 2 – Abril Cultural, página 294 ↩︎
  •  Capítulo 24 – A assim chamada acumulação primitiva, Livro 1 Tomo 2 – Abril Cultural, páginas 289 ↩︎
  • Capítulo 24 – A assim chamada acumulação primitiva, Livro 1 Tomo 2 – Abril Cultural, páginas 293 ↩︎
  • Página 294 Abril Cultural ↩︎
  • Página 124 da Expressão Popular ↩︎
  • O imperialismo, fase superior do capitalismo. Editora Expressão Popular, página 109 ↩︎
  • O imperialismo, fase superior do capitalismo. Editora Expressão Popular, página 135 ↩︎
  • (Página 163) ↩︎
  • A acumulação do Capital, Editora Nova Cultural, Página 313-315 ↩︎
  • A acumulação do Capital, Editora Nova Cultural, Página 318 ↩︎
  • O imperialismo, fase superior do capitalismo. Editora Expressão Popular, página 168 ↩︎
  • O Capital Livro 1, Tomo 2, página 288, Abril Cultural ↩︎
  • O imperialismo, fase superior do capitalismo. Editora Expressão Popular, página 138 ↩︎
  • O imperialismo, fase superior do capitalismo. Editora Expressão Popular, página 140 ↩︎

Assista ao informe desse tema completo no YouTube da JCI


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