O aprofundamento da política do atraso educacional: nomeação de Sandra Ramos em pasta do MEC
No último dia 10, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, nomeou Sandra Ramos para integrar a Diretoria de Articulação e Apoio às Redes de Educação Básica da Secretaria de Educação Básica do MEC. Sandra é professora na Universidade Federal do Piauí (UFPI) e já prestava assessoria técnica para o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) nos últimos dois anos (2019-2020). Ligada ao movimento Escola Sem Partido, apresenta uma perspectiva conversadora cristã que defende, por exemplo, que as escolas discutam a diversidade das espécies com base também na teoria criacionista e sugere a retirada de menção às culturas africanas e indígenas nos documentos e materiais didáticos.
Esta nomeação faz coro com os discursos de Bolsonaro de crítica aos livros didáticos, chamando-os de “esse lixo que está aí” com “muita coisa escrita” e indicando como boa referência a cartilha “Caminho Suave”, utilizada para a alfabetização durante o período da ditadura militar brasileira, baseada na repetição de frases como “Eva viu a uva”.
Cabe salientar que não fazemos uma defesa da utilização do livro didático, já que é um material pré-histórico se formos considerar toda a história da educação. Nossa defesa é que se tenha todo o investimento necessário para que estudantes e professores possam ter o maior acesso possível ao conhecimento historicamente produzido. Grande parte dos países avançados não utilizam mais este recurso por considerar que limitam a atividade de ensino do professor e do estudante. Já no Brasil, os livros didáticos movimentam não só uma tentativa de cercear as liberdades de pensamento por parte do Estado (que interessa grandemente os defensores do movimento Escola Sem Partido), mas, acima de tudo, são um grande negócio do ramo editorial.
No último ano, o PNLD desembolsou R$ 1.390.201.035,55 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Deste valor, 72,3% foram destinados para as editoras do grupo Somos Educação (Ática, Saraiva e Scipione), editora FTD e editora Moderna, que lideram o mercado nacional. Cabe lembrar que estes valores são somente para a distribuição do livro didático nas escolas públicas e que estas editoras também lideram grande parte do mercado das escolas privadas. Para se ter uma ideia da fortuna movimentada por algumas destas editoras, duas delas estão no “Ranking of International Publishing in 2018”, que apresenta as 50 editoras mais ricas do mundo. O grupo Somos Educação ocupou a posição de número 32, com 347 milhões de euros, e a FTD na 49ª posição, com 165 milhões de euros.
Se formos observar o perfil de leitores no mundo, vemos que a França é o país que possui maior porcentagem de leitores. Um percentual de 88% dos franceses leem, em média, 21 livros por ano, de acordo com dados do Centro Nacional do Livro (FRA). Já no Brasil, apenas 52% são leitores e a média de livros lidos é 2,96 por ano (dados da pesquisa “Retratos da leitura no Brasil”, da plataforma Pró-livro). Outro dado se contrasta a este perfil do leitor brasileiro: o Brasil é o oitavo maior comprador de livros no mundo (dados de picodi.com apresentados na MoneyTimes). Se lemos pouco, como compramos tantos livros? A resposta aparece quando vemos que a concentração da compra dos livros se dá nos primeiros quatro meses do ano, ou seja, coincide com o início do ano letivo e a com a compra dos livros didáticos.
Pontuada a questão do grande mercado financeiro em torno dos livros didáticos, portanto, a movimentação econômica, vamos à questão puramente política. Todos os governos que passaram pela presidência utilizaram os livros didáticos para apregoar suas políticas, sejam elas de caráter higienista e autoritário (como na ditadura militar), privatista (no governo de FHC) ou de ações afirmativas (como nos governos do PT). O foco da política do governo Bolsonaro (e a nomeação de Sandra Ramos corrobora com isso) é o misticismo religioso e a lógica anticiência.
Deixamos claro aqui que não queremos o partido dentro da escola, mas que o foco do ensino esteja na produção do conhecimento historicamente produzido pela humanidade, tendo como base a ciência. Quem coloca o partido na escola são os governos, pois, ao invés de garantir a socialização e produção na transmissão do conhecimento historicamente acumulado, tentam dar cara à política que seu partido defende. Entretanto, isto não pode ser confundido com a liberdade de cátedra, de expressão e de organização dos professores e estudantes, a qual defendemos como princípio para uma educação pública, gratuita e para todos. É importante que esta diferença esteja clara, pois é esta confusão que os idealizadores do movimento Escola Sem Partido tentam plantar na cabeça de pais, estudantes e professores.
Outro ponto a ser destacado é que, apesar dos vários senões à utilização do livro didático, muitas vezes, nos rincões mais afastados do país, o livro didático é o único material de apoio ao acesso do estudante. Entretanto, de forma alguma podemos aceitar permanecer neste limite. A pandemia e o ensino remoto escancararam esta realidade do longo caminho que temos para trilhar até a universalização do acesso ao conhecimento.
Vários professores já estão debruçados na escolha do livro didático a ser utilizado nas suas escolas. Vários relatos afirmam que os novos livros disponíveis já vêm carregados pelas marcas da reforma educativa sancionada no governo Temer: flexibilização do ensino e das disciplinas (agora áreas do conhecimento), com pinceladas de “Escola para a vida”. O que virá nos próximos anos com a gestão conservadora cristã de Sandra Ramos?
Nossa luta é em defesa da universalização do acesso ao conhecimento historicamente produzido, despido do obscurantismo religioso, com base na ciência e na superação deste sistema de ensino que amordaça, ao invés de libertar nossos estudantes e professores. Ter todo tipo de livro, literatura, ciência e tecnologia dentro da escola, com toda verba necessária para subsidiá-la, ao invés de jorrar dinheiro para alimentar o mercado lucrativo das editoras.