O ensino remoto na UnB e o bate-carimbo da representação discente

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FOTO: Heloise Correa – Secom/UnB

O seguinte texto foi feito com base em relatos da estudante Beatriz que faz parte da gestão de um Centro Acadêmico (CA) na Universidade de Brasília.

A pandemia de Covid-19 tem colocado as instâncias do Estado burguês à prova em todo o mundo, expondo as contradições e insuficiências do sistema capitalista, e apresentando desafios novos para a classe dominante. Em todos esses novos desafios este sistema tem falhado em atender às necessidades dos trabalhadores. No Brasil isso fica claro ao nos depararmos com o número de mortos que já chega a 121 mil. A educação não se encontra ilesa contra a insuficiência do atual sistema burgues, seja no ensino fundamental, médio ou superior, o que nós vemos é total falta de planejamento para atender as necessidades emergenciais do momento.

Desde meados de março, quando os primeiros casos de Covid-19 foram registrados em Brasília, a Universidade de Brasília (UnB) atendendo ao decreto de suspensão das atividades não essenciais suspendeu as aulas presenciais. Primeiro por um período de 15 dias adiantando as férias do meio do ano e, posteriormente, suspendeu as atividades do calendário acadêmico do primeiro semestre de 2020. Entretanto, alguns departamentos da universidade não aceitaram a suspensão das atividades do semestre e transferiram todas as aulas para o ensino remoto ainda em abril. Bom, então a universidade conseguiu se organizar de forma rápida e transferiu todas as aulas para o ensino remoto? Ou pelo menos nesse tempo parada conseguiu se organizar e planejar o que fazer no próximo semestre, certo? Não! Muito pelo contrário.

Ensino remoto não é Educação a Distância

Antes de prosseguir, é necessário fazermos a diferenciação entre Educação a Distância (EAD) e o ensino remoto. A modalidade de ensino que vem sendo utilizada pela maioria dos professores na UnB, são aulas remotas do tipo em que o professor e estudantes se encontram no horário normal de aula por meio de videoconferências. Diferente do modelo EAD, comumente empregado nas instituições de ensino privado onde as aulas são gravadas para milhares de estudantes ou por meio fóruns, não tendo quase nenhum contato entre os professores e estudantes, normalmente motivados e controlados pelos estudantes, quando sentem necessidade. Por conta de uma constante luta de professores e estudantes, a UnB nunca trabalhou com nenhuma modalidade de EAD. A possibilidade da ocorrência de um estudo remoto vem sido discutida desde o início da quarentena de forma bem vagarosa em círculos fechados da universidade, sem muito conhecimento por parte dos estudantes, que tinham como informações apenas anúncios genéricos nas redes sociais como do tipo “o corpo administrativo e docente está tomando as devidas providências para que possamos ter uma volta segura”.

A “decisão” da volta às aulas pelo ensino remoto

Essa falta de uma comunicação eficaz se reflete também no episódio de troca da plataforma Matrícula Web, anteriormente utilizada pela universidade e estudantes como ponte entre ambos, que foi trocado pelo Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA) já no mês de abril, com a promessa de facilitar o acesso e trazer mais segurança, porém a informação dessa troca só chegou ao conhecimento da maioria dos estudantes  poucas semanas antes do início das aulas remotas, tendo como maior veículo dessa informação o “boca a boca”. Como fica claro no relato da Beatriz:

As informações passam muito desapercebidas e isso prejudica a compreensão de tudo o que precisa ser feito por parte dos alunos e, acredito eu, os departamentos acabam por ficar sobrecarregados com tantas dúvidas dos discentes. Incluo nisto o dia em que o SIGAA ficou fora do ar dentro do período dado pela universidade para ajuste e matrícula nas matérias que seriam cursadas.

A própria decisão de volta às aulas por modo de aulas à distância ocorreu em uma reunião ordinária em julho que não tinha esse tema como principal. O Conselho de Ensino e Pesquisa da UnB (CEPE) então estipulou como data de início das aulas, 17 de agosto, pouco mais de um mês da data da reunião. Nesse ponto a Beatriz nos explica que:

A partir daí, foi tudo muito corrido para a execução dos planejamentos e as consequências são notórias no desespero e desconforto dos estudantes. A exemplo disso, a escolha e o uso das plataformas de aula ficaram mais confusas do que nunca, se observarmos as diversas plataformas que cada professor opta para o funcionamento de sua matéria. A maioria dos docentes não tem habilidade técnica ou didática adequada para o acontecimento das aulas.

Para sustentar essa decisão foi feito um plano de ação que parece desconsiderar a realidade. O plano estabelece uma volta gradual de acordo com o estado da pandemia a nível regional. Porém, como saber o estado de contaminação sem testes em massa? É impossível estabelecer esses níveis se não tivermos um real controle do número de infectados, coisa que não estamos nem perto de ter. O segundo ponto que causa incômodo é a campanha de “solidariedade” em que a universidade solicita que a comunidade doe computadores que não estão sendo usados para estudantes sem condições.

Esse tipo de ação de retirar a responsabilidade do Estado em garantir as condições necessárias para a participação nesse tipo de modalidade de ensino e colocá-las nas costas de indivíduos não pode se tornar algo comum. Os estudantes não podem ficar esperando que os cidadãos “de bom coração” venham em seu socorro. É dever das universidades garantir os materiais necessários para as aulas tanto para estudantes como para professores, assim como é dever do Estado garantir todo o dinheiro que é imprescindível para atender tais necessidades. Seguindo essa linha de falta de noção da realidade, no mês de maio um estudo socioeconômico foi realizado a fim de consultar as condições dos estudantes. Porém, o estudo só pôde ser respondido por aqueles com acesso à internet, tendo em vista que a solicitação deste foi enviada por e-mail.

E a representação discente?

Durante todo esse período a atuação dos Centros Acadêmicos e o próprio DCE é totalmente apática. Limitam-se a, simplesmente, concordar com as decisões tomadas, deixando a luta por uma participação democrática dos estudantes nas decisões da universidade apenas no discurso. Enquanto as ações se resumem a reuniões e assembleias que, ao final, não chegam a lugar algum. Tornam sua participação apagada, tendo em conta que tantas coisas têm acontecido. Sobre isso, Beatriz diz que:

Alguns departamentos, como, por exemplo, o de Serviço Social, pediram auxílio. O CA votou nas matérias que ficariam ou não, porém tudo isso pareceu ser tramitado, apenas para que não tivéssemos a impressão de não termos voz dentro de tudo o que está acontecendo.

Por um ensino remoto para todos durante a vigência da pandemia e Educação pública, gratuita e para todos sempre!

Vemos hoje as aulas remotas como a solução mais responsável dada a situação, porém estamos longe de defender o EAD como uma linha de produção de conhecimento, com as mesmas aulas gravadas sendo transmitidas para todos. Defendemos, durante esse momento de pandemia, uma aula remota que proporcione uma experiência o mais próxima possível de uma aula presencial e, para tal, exigimos as ferramentas que garantam o acesso de todos às aulas, como computadores e internet para todos, assim como uma plataforma unificada de fácil acesso tanto para estudantes como para professores. Essas exigências devem ser garantidas pelo governo com recursos públicos. Não queremos privatizações e, tão pouco, parcerias público-privadas de nenhum nível.

Para alcançar essas reivindicações, temos que exigir que tanto os CAs como o próprio DCE passem a adotar uma postura mais ativa na tomada de decisões, para além apenas dos discursos. Sem se distanciar das lutas pelo fim do pagamento da criminosa dívida pública e a garantia de que seja direcionado todo dinheiro necessário para a Educação, por uma Educação pública, gratuita e para todos!

 Temos que ter clareza que o atual governo não tem nenhum interesse em responder a essas demandas, muito pelo contrário. Em anúncio realizado no dia 10 de agosto, o Ministério da Educação (MEC) afirmou que, para 2021, o corte de orçamento deve chegar a R$ 4,21 bilhões. Isso afetará diretamente a pesquisa e o funcionamento não só das universidades públicas, mas das escolas públicas de ensino básico de todo o país. A necessidade de investimento em ciência, algo que já sabíamos desde sempre, agora é questão de morte e vida. O pagamento da dívida segue sendo feito religiosamente, enquanto todas as formas de proteger a classe trabalhadora e a juventude são ignoradas. Se nada de bom podemos esperar desse governo e desse sistema, devemos colocá-los abaixo e construir novos governo e sistema que sejam feitos para atender às demandas da classe trabalhadora e da juventude. Por isso combatemos pelo Fora Bolsonaro, por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!

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