O problema é o sistema, mas por quê? Relato do Acampamento Comunista Internacionalista 2024
No segundo dia do Acampamento Comunista Internacionalista 2024 tivemos um importante debate na mesa “O problema é o sistema, mas por quê?” – Princípios Básicos da Economia Marxista, com o informe do camarada Kanansue Gomes.
O camarada suscitou um importante debate que permitiu a compreensão de que o problema do capitalismo está relacionado às leis de funcionamento desse próprio sistema econômico. O estudo da economia marxista permite averiguar que as crises fazem parte das relações de produção estabelecidas e não são apenas conjunturais, são a consequência de uma estrutura repleta de contradições em si em sua forma mais elementar de funcionamento. A exploração do homem pelo homem sob a aparência de trabalho assalariado para a geração da mais valia, ou mais valor, contém em si a sua própria semente de destruição.
Kanan iniciou sua apresentação com a recapitulação das origens do Socialismo Científico formulado por Marx e Engels. Os revolucionários partiram em teorias e autores existentes na época como a economia política inglesa – nas figuras principalmente de Adam Smith, David Ricardo, com a Teoria do Valor-Trabalho – a filosofia alemã com a Dialética de Hegel e o socialismo francês. Os dois revolucionários extirparam destas o que havia de idealista, metafísico ou utópico e as superaram formulando uma teoria assentada na realidade. Um texto cânone desse processo é o livro” Anti-Dühring” da qual nasce o livro “Do Socialismo Utópico ao Científico” ambos de Engels.
Deste modo, Marx parte de conceitos já existentes como a Teoria do Valor Trabalho de David Ricardo e avança no desenvolvimento desta a partir de sua análise da realidade. No primeiro tomo do Capital, o autor apresenta que as mercadorias “devem ser encaradas sob um duplo ponto de vista, segundo qualidade e quantidade”, isto é, por seu valor de uso e por seu valor de troca. O valor de uma mercadoria, isto é, simultaneamente seu valor de uso e de troca, é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário para sua produção. É importante ressaltar que essa quantidade não é individual, ou seja, se uma pessoa gasta horas realizando um trabalho que é realizado com mais velocidade pelo restante da sociedade, a mercadoria por ela produzida não terá um valor maior que as outras. Do mesmo modo que se uma pessoa produzir algo inútil, isto é, que não tenha utilidade para satisfazer uma necessidade nem para ela nem para nenhum outro, e passar horas nessa tarefa, isto não terá valor de uso e, portanto, não terá valor algum.
“As mercadorias vêm ao mundo sob a forma de valores de uso ou de corpos de mercaorias, como ferro, linho, trigo etc. Essa é a sua forma natural com que estamos habituados. Elas são só mercadorias, entretanto, devido à sua duplicidade, objetivos de uso e simultaneamente portadores de valor. Elas aparecem, por isso, como mercadorias ou possuem a forma de mercadoria apenas na medida em que possuem forma dupla, forma natural e forma de valor.” O Capital, Marx. Edição Abril Cultural, Tomo 1, Volume 1, pg. 53.
O ponto central é compreender que o pilar desse sistema, o lucro da burguesia, é retirado diretamente do trabalho realizado pela classe trabalhadora. Isso se dá, pois na produção de mercadorias, a única mercadoria que cria valor novo é a força de trabalho que é vendida ao burguês por um determinado salário. Mas o trabalhador, no decorrer do período que emprega sua força de trabalho, produz o valor de seu salário e muito mais, esse restante é apropriado pelo capitalista na forma de mais-valia.
A mais-valia é extraída de duas formas: absoluta e relativa. Na mais-valia absoluta, o empregador busca estender a duração das horas trabalhadas sem elevar o pagamento dos salários. Já na mais-valia relativa, ele procura intensificar o ritmo de trabalho, fazendo com que o trabalhador produza mais em um tempo reduzido.
Desta forma, o capital investido se amplia. O capital, por sua vez, é composto por duas partes, uma constante e uma variável. A primeira não se modifica durante o processo de produção, por exemplo: maquinário, matéria prima e infraestrutura. O valor que é investido no começo pelo capitalista é transferido para a mercadoria final sem alteração. A segunda é representada pela força de trabalho, que altera o capital através da produção da mais-valia, produzindo um capital superior ao que foi investido.
Esse sistema de funcionamento da produção no Capitalismo é fundamental para compreender as crises e os problemas inerentes a ele. Como forma de tentar reduzir os custos da produção, o capitalista investe em mais maquinário e tecnologia e reduz a parcela de mão de obra na produção. Porém, ao ampliar a parcela de capital constante na produção a tendência é a redução do lucro, uma vez que houve diminuição do capital variável. Essa é a Lei da queda tendencial da taxa de lucro descoberta por Marx.
Uma vez que o capitalista nota essa redução em seus ganhos, ele realiza cortes de investimento, demissões e intensifica a exploração, ampliando as jornadas de trabalho (como na escala 6×1) ou estabelecendo metas mais altas de produção (ganhos por produção, produtividade).
Desta forma o Capitalismo é um sistema que está constantemente entrando em crises de superprodução. A classe trabalhadora, recebendo menos do que produz, não pode nunca se apropriar de tudo que produziu, vide a crise de 2008.
As alternativas que o sistema dá para esse beco sem saída, Marx e Engels já explicaram:
“Por um lado, mediante a destruição forçada de uma massa de forças produtivas; por outro, conquistando novos mercados e, com ainda mais empenho, explorando os antigos. Ou seja, abrindo caminho para crises mais extensas e destrutivas e diminuindo os meios para preveni-las”. – Manifesto do Partido Comunista
Essa destruição se dá por exemplo através de guerras, como o massacre na Palestina, a guerra na Ucrânia, além de centenas de conflitos militares em diferentes países.
Nas contribuições ao debate tivemos também a especial participação do camarada Rafael, da seção mexicana, que reforçou que a burguesia hoje tem investido em setores de baixa produtividade e alta tecnologia. As novas tendências do capitalismo, particularmente nos países de caráter dominado, são sentidas no México, assim como no Brasil, com a intensificação da exploração, precarização do trabalho, terceirizações, privatizações e cortes dos serviços públicos. Isso só reforça a importância da construção da Internacional Comunista Revolucionária para combater um sistema articulado mundialmente.
Um sistema que tem como fundamento a separação entre trabalhador e seus meios de produção de sua própria vida submetendo-o à exploração ou ao desemprego estrutural, deve acabar. Ou que contém em si as leis para geração de crises e como alternativa guerras e morte, não pode ter mais nenhum dia de existência.
Cabe a nós comunistas estudarmos economia política e sua crítica legada por Marx nos aprofundarmos nas leis desse sistema, para saber como e quando atuar como carrascos que darão o golpe final na miséria da humanidade e erguer uma sociedade livre de exploração e miséria. Marx já nos apontava o caminho:
Em uma fase superior da sociedade comunista… quando o trabalho se tiver tornado não apenas um meio de vida, mas a primeira necessidade da vida; quando as forças produtivas também tiverem aumentado com o desenvolvimento integral do indivíduo, e todas as fontes de riqueza cooperativa fluírem mais abundantemente, só então será possível ultrapassar completamente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá inscrever em suas bandeiras: ‘De cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades! – Marx, Crítica ao programa de Gotha