O que foi a Revolução Russa e como defendê-la?
Este foi um discurso originalmente elaborado para o Acampamento Comunista Internacionalista 2024, que ocorreu em Campo Limpo Paulista-SP entre os dias 04 e 06 de outubro. Neste 7 de novembro, 107 anos após a Revolução Bolchevique, o disponibilizamos enquanto artigo para que possamos aprender um pouco mais sobre o maior evento da história da humanidade, a tomada do poder pelo proletariado, ao mesmo tempo que homenageamos a ação decisiva do Partido Bolchevique, de Lênin e de Trotsky no curso daqueles eventos.
Por que se apropriar da história e da revolução russa?
“Os humanos fazem sua própria história, mas não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. O 18 Brumário de Luís Bonaparte, Marx, 852.
Em outra obra sua, a “Contribuição para a Crítica da Economia Política”, de 1859, Marx também apontou que:
“As relações jurídicas, assim como as formas do Estado, não podem ser explicadas por eles mesmos ou pela evolução geral do assim chamado Espírito humano.”
Ou seja, o materialismo histórico-dialético nos demonstra que não há nenhum Ser que encomendou ou predestinou o que vivemos. Fomos nós, a humanidade, que desenvolveu a história das sociedades. E o motor disso – o que faz as relações humanas e sociais avançar ou regredir – é a luta entre as classes.
Cabe a nós, a Juventude Comunista Internacionalista, darmos um salto dialético em nossa formação ao se apropriar da história produzida pela humanidade. Isso nos auxilia na transformação qualitativa de agitadores do comunismo para verdadeiros marxistas. Desde já, quero responder à pergunta que intitula o presente artigo: O que foi a Revolução Russa e como defendê-la?
Objetivamente, Trotsky em seu livro “Como fizemos a Revolução”, publicado em 1918, afirma que “a revolução surgiu diretamente da guerra”. Ela é foi a confirmação da Revolução Permanente: as tarefas democráticas que o capitalismo é incapaz de conquistar só podem ser concretizadas com a revolução socialista internacional, a tomada do poder pelo proletariado mundial.
Assim como a tentativa revolucionária de 1905 foi resultado da guerra do czarismo russo contra o império japonês, a revolução de 1917 foi a explosão social da insuportável condição de vida e trabalho de milhões de trabalhadores, sob as misérias da guerra, externa e interna. Ou seja, uma expressão de como nós, trabalhadores e a juventude, fazemos nossa história sob as circunstâncias e legado que estamos defrontados.
O assalto aos céus na Rússia foi a maior conquista da história do proletariado. Não há paralelos a esse feito. Seja pelas dificuldades, pelo alcance da tomada do poder, pela repercussão histórica causada, pela demonstração da possibilidade de superação do regime das classes sociais. Seja pelas suas desfigurações e traições produzidas pelas condições de atraso do país que geraram a burocracia stalinista.
Portanto, só é possível defender esse processo conhecendo-o e dizendo a verdade sobre ele, eliminando possíveis romantismos e sendo firmes no materialismo histórico.
Mas, o que é uma Revolução?
A revolução é uma transformação social de ordem prática. Ou seja, não apenas através da mudança de consciência, mas material na correlação de forças da sociedade e em sua organização.
No capítulo 47 da obra “História da Revolução Russa”, Trotsky define que: “A Revolução acontece quando não existe mais outro caminho”. Alan Woods, dirigente da nossa Internacional Comunista Revolucionária, traduzindo Trotsky, também nos recorda que: “A mente humana, em geral, não é revolucionária, mas conservadora. Enquanto as condições são geralmente aceitáveis, as pessoas tendem a aceitar o estado de coisas existente dentro da sociedade”.
Porém, como vemos em Lênin e Trotsky, quando a crise social, econômica e política na sociedade não são mais conjunturais, mas um “mal social permanente”, abre-se na história uma situação revolucionária. Ou seja, quando a regra do cotidiano passa a ser a miséria, a escassez, a guerra, as tragédias de toda sorte.
Lênin, em seu texto “O Oportunismo e a Falência da II Internacional”, de 1916, vai nos dizer que: “Para um marxista, não há dúvida de que a revolução é impossível sem uma situação revolucionária, mas nem toda situação revolucionária conduz à revolução. Então, quais são os indícios de uma situação revolucionária? 1) a impossibilidade para as classes dominantes manterem sua dominação; 2) o agravamento, além do comum, da miséria e da angústia das classes oprimidas; 3) o desenvolvimento acentuado da ação independente e histórica das massas”.
Trotsky ainda vai refinar essa explicação em alguns textos, como: “O que é uma situação revolucionária”, de 1931, e “Aonde vai a França?”, de 1935. Neles entendemos que para o salto de uma situação pré-revolucionária, que carrega essas condições de insatisfação social, para uma efetiva situação revolucionária, é preciso, em suas palavras: “uma ação imediata, forte e incansável das massas.” É preciso termos as massas nas ruas, em fúria contra o regime de exploração.
Essa atuação coloca no centro da situação política o problema da organização revolucionária, o fator subjetivo: a direção do movimento. Em síntese, a situação revolucionária é a abertura de um período em que se coloca, em massa, a luta da classe trabalhadora, forjando a consciência das classes sociais. Não só do proletariado, mas da pequena-burguesia e do campesinato também. Quando ocorre essa generalizada ação das classes exploradas entra em cena a Crise Revolucionária, a possibilidade de dualidade de poder.
Trotsky explica:
“A situação revolucionária desenvolve-se só quando o proletariado começa buscar saídas, não nos trilhos da velha sociedade, mas pelo caminho da insurreição revolucionária contra a ordem existente. […] Mas a etapa seguinte à situação revolucionária é a que permite ao proletariado virar a força dominante da sociedade, e isso depende até certo ponto das ideias e sentimentos políticos da classe média, da sua desconfiança em todos os partidos tradicionais (incluindo os reformistas) e de que deposite suas esperanças numa mudança radical, revolucionária da sociedade (e não numa mudança contrarrevolucionária, ou seja fascista). […] Quando a burguesia se vê incapaz de salvar seu sistema, perde confiança em si mesma, começa a se desintegrar, divide-se em frações.” – O que é uma situação revolucionária? Trotsky, 1931
Mas alerta:
“Não é possível saber isso de antemão, nem apontar com precisão matemática, em que momento desses processos amadureceu a situação revolucionária. O partido revolucionário só pode descobri-lo através da luta pelo crescimento das suas forças e influência sobre as massas, sobre os camponeses e a pequena-burguesia das cidades etc.; e pelo enfraquecimento da resistência das classes dominantes”.
As particularidades de países semicoloniais
Na história da revolução russa acompanhamos esses processos descritos por Lênin e Trotsky desde a revolução de 1905. Esta revolução, apesar de derrotada pelas tropas monarquistas no Domingo Sangrento, foi de grande aprendizado para os revolucionários russos. Lênin afirmou que sem esta revolução, 1917 não aconteceria.
Ela possibilitou a compreensão e a formulação dos marxistas sobre as particularidades de países semicoloniais, como a Rússia e o Brasil, e as situações revolucionárias, de disputa e conquista do poder.
Com as análises presentes no livro Balanço e Perspectivas daquela revolução, Trotsky estruturou a Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado, uma análise da realidade que nos revela as gigantescas contradições de países semicoloniais, como a Rússia e o Brasil. Vale lembrar que Trotsky apenas desenvolveu o que Marx já havia explicado em 1857, no “Introdução à crítica da economia política”, onde aponta que em todas as formas de sociedade é uma produção específica que determina todas as outras e suas relações. Em metáfora, Marx disse que “é como uma luz universal onde são mergulhadas todas as outras cores e que as modifica no seio de sua particularidade”.
Traduzindo para a Rússia czarista de 1917: uma potência militar, enquanto era uma economia capitalista atrasada. Sua industrialização foi estabelecida em um punhado de cidades com investimento da burguesia ocidental. E sua população era majoritariamente camponesa com condições medievais de vida.
Ou seja, a Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado nos mostra como mesmo em locais de absoluto atraso, analfabetismo, trabalho servil, governo absolutista e toda a sorte de misérias, há a coexistência e o predomínio de todo o desenvolvimento capitalista.
Era o capitalismo a ser superado pelo proletariado russo, assim como era o combate do proletariado da Europa Ocidental. Em 1906, Trotsky descreveu isso explicando que o mundo inteiro já era “um só organismo econômico e político”. Isso nos faz entender a fragilidade e a impossibilidade das burguesias nacionais destes países atrasados, como o Brasil, em superar as condições de pobreza e superexploração do povo trabalhador.
Portanto, o centro político desta lei econômica é evidenciar que as conciliações de classes, de todas as formas que se apresentam, das mais escrachadas ao “poder popular”, são políticas reacionárias e devem ser combatidas pelos comunistas. As revoluções russas foram a prova cabal de que as revoluções de nosso tempo devem ser dirigidas e realizadas pelo proletariado. Entendemos isso pelo fato de os marxistas não analisarem os países por suas supostas particularidades para, só então, entender o sistema internacional. Fazemos o movimento contrário: como as particularidades nacionais são resultados da ação imperialista, fase superior do capitalismo.
Os sovietes: nossa maior arma é a organização
A revolução russa de 1905 também desenvolveu os conselhos operários, os Sovietes, uma expressão de alto grau organizativo que enraizou a revolução na sociedade russa. Disputado entre todos os grupos políticos do contexto, foram ganhos pelos bolcheviques somente às vésperas da Revolução de Outubro de 1917. E o bolchevismo foi forjado nesta luta, com paciência e disciplina.
Após a divisão na socialdemocracia operária em 1903, que cindiu bolcheviques e mencheviques, as forças marxistas tornaram-se frágeis e minoritárias ao longo de praticamente toda a década. Mas os bolcheviques não cederam aos pequenos círculos e às ideologias pequeno-burguesas, mantendo-se firmes na necessidade de constituir um partido e uma imprensa profissionais. O combate foi por construir uma organização centralizada, democrática e sólida, capaz de intervir nos Sovietes e ganhar corações e mentes.
Podemos ter uma boa noção de como funcionavam os conselhos operários no artigo “Os Sovietes em Ação”, publicado por John Reed em 1918. Nele, Reed, um jornalista norte-americano que foi fazer a cobertura da revolução e acabou ganho para o comunismo, relata que o novo Estado Operário-Camponês era baseado nos Sovietes: “uma estrutura política altamente complexa, sustentada pela grande maioria do povo e que funciona melhor do que qualquer outro governo recém-nascido tem funcionado”. Isso aconteceu após os sovietes se tornarem clandestinos com a derrota de 1905, mas voltarem à livre atuação com a revolução de fevereiro de 1917, que derrubou o absolutismo.
Reed explica:
“Desde o momento em que a Duma (parlamento burguês) se viu forçada a apelar aos Sovietes, na Rússia existiram dois governos. Os dois governos – um liberal e outro proletário – lutaram pelo poder até Outubro de 1917, quando os Sovietes, sob controle bolchevique, derrubaram a coligação de governo”.
A coligação do governo provisório era formada pela burguesia, por mencheviques e socialistas revolucionários (grupo de intelectuais reformistas). Eles chegaram ao poder com a revolução de fevereiro. A derrubada do Czar Nicolau II e sua estrutura de poder foi resultado da catástrofe gerada no país pela Primeira Guerra Mundial. As multidões de mulheres trabalhadoras estavam desnutridas e desesperadas por pão que nunca chegavam, enquanto a aristocracia e os banqueiros russos viviam no luxo.
Em janeiro de 1917, 270 mil trabalhadores estavam em greve. Só em Petrogrado eram 177 mil. Em 23 de fevereiro, a data do Dia Internacional da Mulher Trabalhadora no velho calendário russo, foi a data de inflexão revolucionária. As trabalhadoras tomaram para as ruas das cidades industrializadas, surpreendendo até as direções. Em 24 de fevereiro, 200 mil pararam só em Petrogrado exigindo “Pão, Paz e Abaixo a Autocracia!”.
Com os trabalhadores em fúria, as tropas czaristas passaram a desobedecer ao Czar, que mandava abrir fogo contra os manifestantes. Foi uma revolução com cerca de 1.500 mortes, onde o antigo regime foi derrubado com a confraternização dos soldados e dos trabalhadores. Em março, o Czar e os Romanov estavam impotentes e abdicaram do poder. Séculos de absolutismo foram superados, mas os sovietes eram controlados pelos reformistas, que entregaram o Governo Provisório, em 2 de março, para burgueses e latifundiários, tendo como chefe o Príncipe Lvov.
Os Mencheviques e Socialistas Revolucionários defendiam o caráter burguês da revolução russa, portanto, deveriam manter essa classe no comando. Em “Como fizemos a revolução”, Trotsky destaca que essa política possuiu certa ressonância nos trabalhadores devido a carga histórica da derrota de 1905, que ocorreu pela ausência de unidade entre operários e camponeses e por confiança na direção dos Sovietes.
Porém, após os primeiros meses de governo provisório, passou a ser cada vez mais evidente que o pacto de classes estava somente arrastando a participação dos trabalhadores na guerra mundial, a miséria no país e a irritação da população. A ação armada e decidida dos Sovietes, principalmente de operários e soldados, foi crucial para o desenrolar da revolução contra os conciliadores.
Como funcionavam os Sovietes?
Segundo Reed, os delegados de cada Sovietes eram eleitos com regras variadas segundo suas necessidades e tamanho populacional. Por exemplo, em algumas aldeias, os lavradores elegiam 1 delegado a cada 50 trabalhadores. Já nas grandes cidades industriais, era 1 delegado para cada 500 votantes.
Até fevereiro de 1918, até mesmo burgueses que desejassem ter representações em Sovietes eram permitidos, como em Petrogrado, onde havia juristas e professores membros. Após isso, a Constituição dos Sovietes restringiu o direito a voto para todos os cidadãos de ambos os sexos acima de 18 anos que fossem trabalhadores e sindicalizados.
Foram proibidos: pessoas que viviam de renda, comerciantes privados, empresários religiosos, ex-membros da polícia, agentes da antiga dinastia real e condenados por delitos e roubos. Era um funcionamento complexo para atender um país continental, com milhões de trabalhadores. Portanto, havia eleições das mais inúmeras instâncias, que organizavam o Estado e a produção em todas as áreas existentes.
Mais um relato muito interessante da democracia e das disputas revolucionárias é feito por John Reed:
“Nunca antes fora criado um corpo político mais sensível e perceptivo à vontade popular. Isto era necessário, pois nos períodos revolucionários a vontade popular muda com grande rapidez. Por exemplo, durante a primeira semana de dezembro de 1917, houve desfiles e manifestações em favor da Assembleia Constituinte — quer dizer, contra o poder soviético —. Um desses desfiles foi alvejado por algum Guarda Vermelho irresponsável e várias pessoas morreram. A reação a essa estúpida violência foi imediata. Mais de uma dúzia de deputados bolcheviques foram suspensos e substituídos por mencheviques. Passaram três semanas antes de que o sentimento popular se tranquilizasse e os mencheviques fossem substituídos um por um, novamente, pelos bolcheviques”.
O Congresso de Sovietes Pan-Russo, em que Lênin, enquanto seu presidente, proclamou a instauração da república socialista em outubro de 1917, era formado por 2 mil delegados eleitos desde a base. Eles se reuniam na capital como um grande Soviete, elegiam o Comitê Central Executivo, o parlamento da república soviética, formado por cerca de 350 pessoas. Nesta série de instâncias democráticas decidiam os assuntos essenciais da política nacional nos anos iniciais do novo Estado Socialista até a contrarrevolução stalinista. Essa enorme estrutura democrática inspirou milhões de trabalhadores ao redor do mundo e teve um grande impacto também nos anarquistas.
Pão, Paz e Terra
Mas para que essa estrutura proletária e revolucionária chegasse ao poder, um longo e conflituoso processo se estabeleceu. Como Trotsky explicou, a essência de uma revolução é a intervenção direta das massas na vida da sociedade e da política. E isso não parou de acontecer em todos esses momentos.
Após a queda do absolutismo czarista, os bolcheviques começaram a retornar para a Rússia, simbolizados pela chegada de Lênin, até então exilado na Finlândia, em 3 de abril de 1917. Em fevereiro de 1917, na primeira revolução, os Bolcheviques eram muito pequenos para o tamanho da Rússia. Eram cerca de 8 mil militantes em uma realidade de 150 milhões de pessoas. Mesmo assim, em outubro se tornaram capazes de liderar esses milhões a tomar o poder, tendo aumentado suas forças durante o processo passando para cerca de 170 mil membros.
O revolucionário trouxe consigo orientações históricas, que são sintetizadas nas palavras de ordem que buscamos até nossos dias: Pão, Paz e Terra! As Teses de Abril resumiam os anseios do proletariado russo e mundial com um programa de tarefas imediatas e históricas que expressaram a necessidade da tomada do poder e da revolução permanente.
É importante lembrar que entre os próprios bolcheviques havia aqueles que defendiam o poder burguês naquele momento para superar o feudalismo de séculos. Portanto, mesmo nas fileiras de seu Partido, as ideias de Lênin para a tomada do poder proletário não eram uníssonas. Stalin e Kamenev, por exemplo, retornaram à Rússia em março de 1917. Ambos, com a partir de suas posições no partido, afastaram a redação do jornal bolchevique Pravda, que, segundo estes contrarrevolucionários, estava publicando uma política muito à esquerda.
Em 6 de março de 1917, Lênin encaminhou uma orientação via telégrafo para Petrogrado, dizendo: “Nossa táctica é de nenhum apoio ao novo governo: desconfiemos de Kerensky! Defendemos o armamento do proletariado – única garantia: eleições imediatas à Duma de Petrogrado; nenhuma aproximação com outros partidos”. Será que chamariam Lênin de esquerdista?
Já para Stalin, o partido deveria estar mais à direita e fez o Pravda declarar apoio ao governo provisório em 15 de março de 1917. Stalin chegou a defender, em atas do Partido, que as diferenças entre os bolcheviques e os mencheviques eram, para ele, “tempestade em copo d’água”. Outros dirigentes bolcheviques também não se opunham à posição reacionária do governo provisório de manter o país na guerra, que invocava como justificativa uma suposta “defesa nacional”.
Tal situação de urgência impulsionou Lênin a produzir as Cartas de Longe, enviando para a Rússia do exílio e sendo censurado por Kamenev e Stalin, e as Teses de Abril, que apresentou em seu retorno à Rússia. Foi a defesa e o ânimo necessário para o fim das alianças com os liberais e os “progressistas” para uma real aliança entre operários e camponeses.
Já Trotsky, que estava exilado em Nova Iorque nos momentos da revolução de fevereiro, ao saber do fim do absolutismo escrevia para o jornal Novy Mir. Em suas publicações, Trotsky defendia que não era possível nenhuma confiança no governo provisório e que a revolução deveria ser permanente: transformar-se, no processo de luta, em socialista e não a manutenção da revolução democrático-burguesa. Ele retornou à Rússia em 4 de maio.
Lênin e Trotsky, ainda que oficialmente separados e com pequenas diferenças, adotaram as mesmas posições sobre o processo da revolução e estavam 100% certos: ou a revolução era assumida pelo proletariado para a conquista efetiva do poder ou seria destruída pela burguesia.
As jornadas de junho e julho de 1917, organizadas pelos bolcheviques, anarcomunistas e outros grupos revolucionários, foram uma primeira grande demonstração da insatisfação popular com o governo liberal, que reprimiu fortemente a mobilização. Lênin teve que novamente se exilar na Finlândia por ser acusado de “agente alemão” pelos reformistas dos sovietes e pelo governo burguês.
A demonstração definitiva que era crucial a tomada de poder pelos trabalhadores foi a tentativa de golpe fascista em agosto-setembro, dirigida pelo comandante do Exército Russo Kornilov. Esse golpe fracassou porque os trabalhadores sabotaram os trens usados pelas tropas golpistas. O fracasso fascista acelerou a queda do governo de Kerensky, que havia assumido o governo provisório em julho após a saída de Lvov. Acelerou também a reorganização dos bolcheviques para a Revolução de Outubro.
Vale lembrar que os bolcheviques ainda eram minoria nos Conselhos Operários, por isso a importância da palavra de ordem de Lênin: “Todo Poder Aos Sovietes!”. Ou seja, os bolcheviques buscando conquistar as massas organizadas nos conselhos para sua política revolucionária, contra os coligacionistas do governo.
É bem importante reforçar que desde fevereiro, Lênin exigia que os mencheviques e os socialistas revolucionários, que dirigiam os Sovietes, tomassem o poder nas mãos e acabassem a Frente Popular, o governo provisório. Para ele, isso transformaria a sociedade de forma pacífica, com os bolcheviques limitando à luta dentro dos sovietes para ganhar os votos dos trabalhadores.
Porém, os reformistas seguiam recusando o poder, defendendo que a burguesia deveria governar, pois o país não estaria preparado para o socialismo. Uma política recorrente de toda a “esquerda” nos nossos dias: a defesa do “poder popular” e da impossibilidade histórica do socialismo…
Após a tentativa de golpe fascista – 5 anos antes que na Itália -, Lênin convenceu os bolcheviques e a maioria dos trabalhadores e soldados dos sovietes. Gostaria de mencionar aqui os eletrizantes acontecimentos dos dias que precederam a tomada do poder. Encontramos esses detalhes na maior obra da historiografia marxista, escrita em 1930 por Trotsky, chamada “História da Revolução Russa”.
Ela nos mostra, por exemplo, no dia 10 de outubro o Comitê Central Bolchevique adotou as resoluções de Lênin sobre a necessidade de uma insurreição armada. Isso foi um pouco mais de 1 mês depois de Trotsky ser solto da prisão depois de ficar 2 meses preso junto de Lunacharsky.
A partir do dia 13 de outubro, os maiores Sovietes da Rússia e até da Ucrânia votam a favor do poder soviético. Enquanto isso, em 16 e 17 de outubro, Zinoviev e Kamenev, braços direito de Stalin, declaram publicamente serem contra a tomada do poder e vão à imprensa avisar que o Comitê Executivo dos Bolcheviques estava preparando a insurreição armada.
Em 20 de outubro, o Comitê Militar Revolucionário, presidido por Trotsky, inicia as movimentações da insurreição. Em 24 de outubro, o Governo burguês ordena medidas legais contra o Comitê de Trotsky, exigindo acabar com os jornais bolcheviques e eliminar os soldados de Trotsky. Nenhuma dessas ordens foram executadas pelos soldados e, nesse dia Kerensky fez seu último pronunciamento como presidente.
Em 25 de outubro, às 2h da madrugada, as tropas de Trotsky começam a tomar o poder e Lênin participa da sessão do Soviete de Petrogrado às 3h da tarde. Em 26 de outubro, as tropas de Trotsky tomam o Palácio de Inverno, em Petrogrado, e os membros do Governo burguês são presos às 2h da madrugada. Apesar de histórica, não foi nada dramática, sem 0grandes conflitos e pouquíssimas mortes.
Em 27 de outubro, no Segundo Congresso Nacional dos Sovietes, é aprovado o decreto sobre a paz e é eleito o novo Governo do Conselhos dos Comissários do Povo, com Lênin escolhido como presidente. A política de Lênin e Trotsky evitaram a destruição da revolução, que teria tudo para terminar como a Comuna de Paris em 1871, isto é, massacrada pela contrarrevolução. O proletariado assaltou os céus e demonstrou ser possível abrir uma nova ordem na história em outubro, ou 7 de novembro de 1917, no calendário moderno.
O principal legado de Outubro de 1917 é a ação dos marxistas, organizados e centralizados, capazes de intervir na realidade ao ponto de tomar o poder dirigindo a classe trabalhadora.
Em Stalinismo e Bolchevismo, publicado por Trotsky em 1937, ele define: “O Partido Bolchevique mostrou na ação a combinação da maior audácia revolucionária com o realismo político. Mostrou, pela primeira vez, qual é a única relação entre vanguarda e classe capaz de garantir a vitória. O Partido Bolchevique mostrou ao mundo inteiro como se deve realizar a insurreição armada e a conquista do poder. Quem contrapõe a abstração dos sovietes à ditadura do partido deve compreender que somente graças à direção bolchevique os sovietes puderam elevar-se do lodo reformista e ascender à forma estatal proletária”.
O significado de Outubro é que as revoluções acontecem. As massas entram em cena e derrubam governos de todos os tipos. A “esquerda” pode chegar ao poder, fazendo todo o tipo de promessa. Mas sem um partido revolucionário com um programa e uma determinação igual dos bolcheviques, as revoluções ficam pela metade e se tornam contrarrevoluções para nossa classe. Em “História da Revolução Russa”, metaforicamente Trotsky explica isso: “Assim como um ferreiro não pode pegar com a mão nua um ferro aquecido a alta temperatura, o proletariado não pode, com as mãos nuas, apoderar-se do poder: é necessário, para isso, que possua uma organização apropriada”.
Para nós, jovens quadros comunistas, ainda cabe uma outra afirmação de Lênin, encontrada em seus estudos sobre Hegel, onde diz que: “A vitória proletária não começa com bombas e tiros, mas com o partido verdadeiramente armado com o materialismo-histórico.”
O caráter internacionalista da Revolução e a defesa da revolução em nosso tempo
Todo o processo revolucionário na Rússia e os demais exemplos históricos demonstram o caráter internacionalista da revolução proletária. Lênin, Trotsky e os verdadeiros bolcheviques empenharam todas suas forças para materializar o lema marxista: “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos”.
Isso porque está não é só uma frase bonita, mas uma política consciente e científica do funcionamento e de combate ao capitalismo. O regime da propriedade privada é mundial. Para derrotá-lo efetivamente a tarefa é igualmente internacional, ou não será.
O Estado soviético não foi um raio em céu azul. Ele é produto das contradições do sistema capitalista mundial, acelerada pela guerra e toda sorte de horrores que ela produz, que rebentou em seu elo mais frágil, o capitalismo russo. Meses depois, os trabalhadores tomaram o poder na Hungria e tentaram também na Alemanha, centro capitalista, onde a revolução foi esmagada.
Mas a derrota desses trabalhadores, assim como na Itália, somado às tentativas imperialistas de sufocar o poder soviético russo, trouxeram refluxos. Os fracassos das revoluções ao redor da União Soviética fortaleceram a burocracia que encontrou em Stálin um líder que a homogeneizou, tutelou e que organizou outras derrotas internacionais e a expropriação do poder políticos das massas em seus sovietes a partir daí.
Portanto, nós defendemos a Revolução de Outubro e todas as suas conquistas para o proletariado mundial, organizando um partido revolucionário e a luta pela Revolução Permanente, como explicou Trotsky em 1930:
“A revolução socialista começa no âmbito nacional, mas nele não pode permanecer. A revolução proletária não pode ser mantida em limites nacionais, senão sob a forma de um regime transitório. […] No caso de existir uma ditadura proletária isolada, as contradições internas e externas aumentam inevitavelmente. Se o Estado proletário continuar isolado, ele sucumbirá vítima dessas contradições. Sua salvação reside unicamente na vitória do proletariado dos países avançados. Desse ponto de vista, a revolução nacional não constitui um fim em si, apenas representa um elo na cadeia internacional. A revolução internacional, a despeito de seus recuso e refluxos provisórios, representa um processo permanente” – Teses da Revolução Permanente, Trotsky
Viva a Revolução Russa!
Viva o Partido Bolchevique!
Pela Revolução Permanente!
Bibliografia:
- História da Revolução Russa, Leon Trotsky
- O que é uma situação revolucionária, Leon Trotsky
- Balanços e Perspectivas, Leon Trotsky
- Como fizemos a revolução, Leon Trotsky
- Aonde vai a França, Leon Trotsky
- 10 dias que abalaram o mundo, John Reed
- https://marxismo.org.br/trotsky-e-a-revolucao-permanente/
- https://www.bolshevik.info/the-russian-revolution-the-meaning-of-october.htm
- https://www.bolshevik.info/trotsky-copenhagen-speech1932.htm
- https://marxismo.org.br/a-revolucao-de-fevereiro-de-1917-assaltando-o-ceu/
- https://marxismo.org.br/a-revolucao-russa/