O que será julgado no STF sobre a Profissão Artista?

stfprofart

stfprofart

As redes sociais são grandes produtoras de notícias falsas (Fake News) as pessoas compartilham curtem e comentam, sem nem mesmo ler o link ou checar a fonte. Isso tem provocado grandes confusões, mas também tem sido útil para desviar a atenção do centro de alguns debates. As Fake News ajudaram Trump a chegar à presidência, espalharam para o mundo que filho do Lula era dono da Friboi, agora ajudam os Sindicatos dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão no Estado (Sated) do país inteiro.

De acordo com a campanha do Sated, principalmente o do estado de São Paulo, o STF julgará o fim da profissionalização do artista. Ou seja, após o julgamento da APDF 293 estaríamos condenados a pairar, sem leis trabalhistas e sem direitos. Antes de apontar o dedo, xingar e exigir a guilhotina para os ministros do STF – não que eles não mereçam por outros motivos -, vamos ao texto e tentemos entender o motivo de toda essa celeuma.

É importante destacar o artigo 7° da LEI Nº 6.533, DE 24 DE MAIO DE 1978:

Art 7º – Para registro do Artista ou do Técnico em Espetáculos de Diversões, é necessário a apresentação de:

I – diploma de curso superior de Diretor de Teatro, Coreógrafo, Professor de Arte Dramática, ou outros cursos semelhantes, reconhecidos na forma da Lei; ou

II – diploma ou certificado correspondentes às habilitações profissionais de 2º Grau de Ator, Contra-regra, Cenotécnico, Sonoplasta, ou outras semelhantes, reconhecidas na forma da Lei; ou 

III – atestado de capacitação profissional fornecido pelo Sindicato representativo das categorias  profissionais e, subsidiariamente, pela Federação respectiva.

§ 1º – A entidade sindical deverá conceder ou negar o atestado mencionado no item III, no prazo de 3 (três) dias úteis, podendo ser concedido o registro, ainda que provisório, se faltar manifestação da entidade sindical, nesse prazo.

Com a redação atual da Lei, uma pessoa sem formação, artistas de rua e populares, podem atuar como artistas profissionais, desde que paguem a taxa determinada e prestem uma banca organizada pelo Sated. Portanto, se o candidato não tiver o valor necessário, não terá seu registro profissional.

Antes de voltar a esse ponto, acredito ser necessário abordamos o processo em curso do STF, vejamos o que diz sobre a atual lei:

stf1

Como demonstrado na passagem em destaque, o questionamento é sobre a exigência de diploma ou certificação para o registro profissional, não existe questionamento sobre a profissão artista. Vejamos outro trecho:

stf2

Traduzindo: de acordo com a ação proposta, exigir diplomação ou atestado para exercer a atividade profissional de artista é incompatível com o direito à expressão artística e profissional. Ou seja, não é papel do Estado determinar quem pode ou não trabalhar como artista, não havendo, portanto, justificativa para imposição de requisitos ou taxas! Sendo assim, não há menção ao fim da profissão.

Em nenhum momento a ação está propondo a extinção ou anulação da profissão de artista, qual não tem prerrogativa para fazer. O julgamento pretende discutir a exigência de diploma ou de atestado para a profissionalização do artista. Isso não é o fim da profissão, mas a permissão para artistas populares, de rua ou outros conseguir o registro. Também aqueles que optem para não ter formação acadêmica e sim uma formação autodidata.

Quem define quem é artista?

Esse debate levanta uma questão importante: como podemos avaliar quem pode atuar como artista, sem estar censurando a expressão profissional e artística dessas pessoas? Uma pessoa formada no circo, um ator ou músico autodidata são menos artistas? Apresentam uma arte menor? Afinal, a arte depende de diploma? Outro ponto que merece reflexão: como se estabelece a comissão que irá avaliar os candidatos? Fazem parte dela os iniciados em segredos da estética? Os anciões e mestres cênicos dispostos a preservar e resguardar uma suposta qualidade nos trabalhos artísticos e impedir os leigos de descobrirem nossos segredos? Como os artistas reagiram quando políticos reacionários tiveram a pretensão de julgar o que era arte nos episódios do Queermuseu ou da performance La Bête?

Nesse sentido, a proposta de manutenção da comissão, para fornecer autorização para os não formados atuarem, é uma reivindicação reacionária! No fundo, o grande interesse do sindicato é a manutenção das taxas, pois sem elas ficaria difícil alimentar a atual burocracia, que encontra-se encastelada em muitas entidades e não consegue – ou não tem interesse – filiar trabalhadores e organizar as lutas, então se apega nas reivindicações corporativistas que visam manter seus interesses.

Qual o trabalho do sindicato?

Quando Marx falou “trabalhadores do mundo uní-vos!”, ele não se preocupou com quem tinha ou não diploma, ele defendeu a unidade de todos contra a exploração do capitalismo. Agora, os Sateds parecem mais interessados em saber quem é ou não artista, quem tem ou não diploma, enquanto os trabalhadores da arte vivem à mercê da exploração, como os demais trabalhadores nessa sociedade. Como explica Vinicius Camargo, no texto Uma análise sobre a assembleia do SATED e de seu processo eleitoral.

O SATED não é um sindicato como outro qualquer. Não é um sindicato típico das categorias da classe trabalhadora, não é uma associação de trabalhadores de uma mesma categoria assalariada. Pelo contrário, sua existência carrega uma série de contradições, decorrentes das contradições próprias das formas de negociação comercial dos serviços prestados pelos artistas e técnicos de espetáculos. O problema de uma categoria majoritariamente autônoma e informal, cuja relação de pagamento, para os mais bem sucedidos de forma geral, é via contrato por apresentação e raramente tem contratos estáveis de trabalho, necessita de uma associação sindical que ajude a intervir nas negociações entre tomador e prestador de serviços.

Precisamos trabalhar no sentido contrário e batalhar para a criação de condições para que a profissão de técnico ou artista possibilite estabilidade, direitos trabalhistas, carreira profissional. Precisamos trabalhar para que esses profissionais aproximem-se cada vez mais das lutas do conjunto da classe trabalhadora, entendam-se como parte dela e vejam o mundo de seu ponto de vista.

Lei Federal 6.533/1978:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6533.htm

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4544075&prcID=4466593

Facebook Comments Box