Ocupações nas escolas: evidência de uma juventude radicalizada

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rs1Uma série de mudanças na conjuntura política do país vem dando forma ao sentimento de insatisfação generalizado agravado pela crise capitalista mundial. O que vimos depois das jornadas de junho de 2013, principalmente com a juventude trabalhadora, foi um salto de consciência e uma necessidade de radicalização para exigir que suas vozes sejam ouvidas. Desde então, testemunhamos essa juventude lutar pelas pautas mais caras à classe trabalhadora, como educação, saúde e transporte público e gratuito. Em 2015, mais de 220 escolas foram ocupadas em São Paulo para barrar a “reorganização” do governo Alckmin. Essa luta foi seguida pelos estudantes do Rio de Janeiro, Goiás e Ceará.

No Rio Grande do Sul, o desgoverno de José Ivo Sartori (PMDB) e seus ataques diretos à educação pública levaram estudantes e professores a se organizarem. A primeira escola ocupada foi a Emílio Massot, no dia 11 de maio, em que se denunciava a falta de professores, o sucateamento de mobiliário e exigia o repasse do recurso da autonomia financeira. Os professores da escola estavam (e continuam) com o salário parcelado desde o ano passado e isso também estava na pauta de reivindicações. Essa ocupação tornou-se o estopim para o movimento que vinha sendo organizado desde o início do ano em outras escolas.

No dia 13 de maio, os professores estaduais decidiram entrar em greve por tempo indeterminado, além de quase cem escolas terem aderido ao movimento de ocupações na mesma semana em diversas partes do estado. A greve do Cpers foi um ponto de apoio para novas ocupações. Os estudantes incentivavam professores que relutantes à greve e professores paralisados ajudavam seus estudantes a ocuparem novas escolas.

Cerca de 150 escolas foram ocupadas a partir de então. A pauta geral de reivindicações era:

– Repasse de verbas atrasadas;

– Manutenção e reforma das escolas;

– Melhores condições de segurança;

– Suprimento da falta de professores e servidores;

– Pagamento em dia de professores e servidores;

– Retirada do PL 44/16, que propõe a privatização de parte do ensino público;

Diversas entidades participaram da organização dos alunos, ajudando-os a ocuparem seu espaço. A União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), União Gaúcha de Estudantes Secundaristas (Uges) e o coletivo JUNTOS! estiveram entre essas organizações. Os estudantes estabeleceram contato entre as escolas, apesar de terem mantido também suas pautas próprias. Muitas se posicionaram ainda contra a Lei da Mordaça, cujo projeto foi apresentado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (Alergs). A experiência prática fez com que parte dos estudantes se organizasse de forma independente das organizações tradicionais de secundaristas. Formou-se então o Comitê Das Escolas Independentes, que passou a organizar atos de rua que reuniram centenas de jovens e apoiadores da causa. Este acabou se tornando um marco na polarização da luta.

No dia 07 de junho, o governo do Rio Grande do Sul apresentou uma proposta de desocupação das escolas. A proposta reunia apenas dois pontos: repasse de R$40 milhões provenientes de um empréstimo do Banco Mundial (Bird) e autonomia financeira (não foram informados quaisquer valores ou prazos).

A maioria dos estudantes rejeitou a proposta e em 08 de junho foi apresentada uma lista de reivindicações em reunião de conciliação mediada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 

Entre as demandas estavam a criação de uma comissão de fiscalização da aplicação dos recursos, aumento da verba para reformas, disponibilização de um cronograma para preenchimento do quadro de professores, posicionamento público do governo contra a lei da mordaça e compromisso de vetar a lei caso aprovada na assembleia legislativa, retirada do PL 44/2016 (de autoria do governo) que abre as portas para a terceirização da educação pública e compromisso de não retaliação ou criminalização dos estudantes que participaram do movimento. Nesta reunião foi também revogado o prazo de 48 horas dado pelo governo do estado para desocupação das escolas.

No dia 14 de junho, o grupo de estudantes composto por representantes das entidades estudantis decidiu, após assembleia, ocupar a Alergs para pressionar um acordo com o governo do estado.  No mesmo dia o governo gaúcho apresentou uma segunda proposta, dessa vez contemplando (ainda que parcialmente) as reivindicações apresentadas pelos estudantes no dia anterior. O acordo foi feito e estabeleceu que as escolas seriam desocupadas gradativamente após assinatura de um termo de acordo na Justiça no dia seguinte. As escolas representadas pelo CEI não se sentiram contempladas pelo acordo, afirmando que não foram chamados a qualquer assembleia.

Diante do desgaste e do enfraquecimento do movimento com as primeiras desocupações, além da ameaça de mais repressão policial, as escolas dirigidas pelo CEI decidiram negociar com o secretário de educação, dispostos a desocupar suas escolas se acordassem em pautas mínimas, além daquelas já prometidas anteriormente. No dia 23 de junho, a última escola foi desocupada.

Não há acordo justo com a burguesia

Dos pontos estabelecidos pela negociação entre estudantes e governo, poucos foram levados a cabo após um mês do fim das ocupações.

O fórum permanente com a prerrogativa de fiscalizar os gastos do governo com a educação, a qualidade da merenda e o andamento das reformas e demais reivindicações dos estudantes teria sua primeira reunião no dia 27 de julho. O governo, no entanto, esqueceu-se da reunião e deixou os estudantes esperando do lado de fora da Secretaria de Educação enquanto os seus representantes cumpriam outra agenda oficial.

A verba de R$40 milhões para reformas emergenciais foi depositada nas contas das escolas, mas nenhuma obra foi realizada até então. Até o dia 16 de julho, data da última notícia a respeito, as instituições aguardavam orientação da Secretaria de Educação para utilizar os recursos.

As vagas de professores que estavam em aberto deveriam ser preenchidas através de concurso ou nomeação, mas não há notícias de que isso tenha sido acontecido. O governo é duplamente responsável por este déficit, uma vez que publicou o Decreto Estadual 52.862/2016 proibindo a abertura de concurso público e a contratação de pessoal. Mesmo com o decreto em vigor, a administração Sartori fechou acordo com os estudantes dizendo que as vagas seriam preenchidas.

A falência do acordo prejudica unicamente estudantes e professores, enquanto o governo se ocupa de maquiar os problemas da educação no estado e utilizar verba pública para a publicidade de sua gestão.

O estado burguês e seu aparato tendem sempre ao apaziguamento das ebulições sociais, seja por vias jurídicas, seja pela força policial ou militar. Diante de um movimento massivo e auto organizado de estudantes desafiando frontalmente a autoridade estatal burguesa, a estratégia do governo foi a de forçar um acordo que neutralizasse as forças que haviam sido postas em movimento.

A primeira proposta, fracassada, mostrou que os estudantes estavam mais radicalizados que se supunha e não iriam aceitar qualquer negociação. A segunda proposta contemplou quase integralmente as exigências dos grupos presentes na reunião, mas de forma esvaziada e pouco palpável.

Os estudantes assinaram o documento, o movimento se desmobilizou e as energias revolucionárias se dissiparam. O governo cumpriu de maneira incompleta ou insuficiente o que havia sido estabelecido, mas logrou êxito com o fim das ocupações que já desgastavam sua imagem e a de seu partido às vésperas das eleições municipais.

Essa experiência demonstra a impossibilidade de firmar-se um acordo justo com a burguesia. Por mais que os estudantes estivessem certos em lutar por posicionamentos formais do governo em relação às suas reivindicações, contar com a simples judicialização de suas pautas não é suficiente para que elas se tornem vitórias reais.

A garantia dos avanços e das conquistas populares se faz com pressão constante às instâncias de poder nas ruas, nas escolas e nos locais de trabalho. A justiça tem classe e não podemos confiar nela para garantir nem mesmo que nossos direitos mais básicos sejam assegurados.

Aos inimigos, a lei

As ocupações sofreram tentativas de repressões desde seu início, com lamentáveis casos de tentativa de criminalização por diretores e pais, e pelo uso de violência direta até pelos próprios alunos que se posicionavam contra o movimento. Encaramos estas posições contrárias às manifestações, seja protagonizada pela mídia ou pelo governo, como uma forma de desmobilizar toda e qualquer tentativa da população de se levantar contra o sistema educacional (já falido). Insatisfeita com as irresponsabilidades do Estado, ela não se rendeu perante as forças movidas pelo interesse do capital. Vemos que todas as ferramentas repressivas foram utilizadas e motivadas pelos tentáculos do governo Sartori, que para evitar uma revolta ainda maior de estudantes e da população, não pôde, inicialmente, utilizar todos os seus braços armados.

No colégio Cristóvão de Mendoza, estudantes recorreram ao Conselho Tutelar, Ministério Público, à Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores e estiveram na Assembleia Legislativa Estadual em Porto Alegre no dia 14 de julho para denunciar ataques e ameaças que vêm sofrendo antes e depois da ocupação. Estes estudantes relatam que quando ocuparam, pais – manipulados pelas informações midiáticas ou pela própria manipulação de informação do Estado – invadiram a escola e os ameaçaram com armas de fogo e choques elétricos, além de uma tentativa de sequestro. Com o retorno às aulas, os pais chegaram organizados como milícia e continuaram a perseguir os mesmos nos corredores do colégio. Ainda no dia da desocupação, um ato foi organizado por estes pais organizados que gritavam “fora comunistas” e continuavam a intimidar os estudantes, típica forma de ação utilizada pelo Estado e pela sociedade regida pela ideologia dominante capitalista.

Depois de negociadas as primeiras desocupações pela Ubes, Uges e Juntos, parte das escolas organizadas pelo Comitê de Escolas Independentes (CEI) decidiu ocupar a Secretaria da Fazenda, exigindo mais do que foi prometido a essas entidades e mostrando sua insatisfação com o acordo. Uma repressão brutal se abateu sobre os estudantes, com direito a spray de pimenta direto na boca de adolescentes e porretes, além de aberto processo judicial contra esses jovens, que envolve supostos crimes como esbulho possessório, resistência, aliciamento de menores e dano ao patrimônio público. Ao menos dois jornalistas também foram presos na ocupação.

Estas perseguições repressivas demonstram a falência de um sistema educacional ligado a interesses escusos e representa ainda, como sintoma também da crise política, uma força que instrumentaliza o Estado para oprimir e fazer a manutenção do poder político.

Ecos de um sentimento revolucionário

Surgidas no esteio de um longo histórico de levante e radicalização da juventude, as ocupações nas escolas do Rio Grande do Sul são mais um capítulo do acirramento da luta de classes visto no Brasil desde 2013. A geração que agora começa a entrar na idade adulta pouco se lembra do breve período de bonança econômica que durou até a crise de 2008. O mundo que eles conhecem há oito anos é um mundo em profunda crise financeira, com diminuição de postos de trabalho, redução dos padrões de vida da classe trabalhadora e poucas perspectivas para o futuro. Uma geração que será mais pobre que seus pais e que gradativamente perde a fé no sistema atual, dispondo-se à luta radical através de quaisquer meios necessários.

As ocupações das fábricas da Karmann-Ghia, Mabe e Delbras no interior de São Paulo e dos prédios do MinC em todo o país, ainda que remontem uma antiga tradição do movimento de trabalhadores brasileiro, mostram que as ações dos secundaristas não acontecem sem embasamento e que a determinação e disposição à luta dos primeiros que ocuparam escolas em São Paulo não passaram despercebidas. Como nas recentes manifestações francesas contra a reforma trabalhista e em tantos episódios da história brasileira, a juventude abre o caminho para a classe trabalhadora em direção à sua radicalização.

Da mesma maneira que os trabalhadores, que com as ocupações compreendem que não precisam de qualquer burguês para realizar seu trabalho, os estudantes mostraram imensa capacidade de organização gerindo suas escolas desde a realização de atividades e aulas até a garantia de sua própria segurança, alimentação e limpeza dos espaços utilizados. Frequentemente os secundaristas organizavam assembleias para tomar decisões de forma democrática e não permitiam a entrada de álcool ou drogas nos colégios para não desrespeitar a luta de todos que ali estavam. Isso demonstra a consciência política avançada dessa juventude “que não corre da raia a troco de nada”.

Assim como nas grandes ocupações de praças nos países árabes contra regimes autoritários, na Europa contra a austeridade e nos EUA contra a oligarquia financeira, as ocupações brasileiras são um termômetro da insatisfação e, principalmente, da disposição das massas ao enfrentamento do estado burguês e seus tentáculos autoritários. Por outro lado, assim como nos exemplos citados, estas experiências também mostraram aos jovens da classe trabalhadora os limites de suas entidades representativas integradas ao capitalismo, o entreguismo pelego de suas lideranças e a necessidade de organização autônoma em direção a um partido de trabalhadores socialista e verdadeiramente revolucionário.

Os estudantes saíram dessa batalha mais fortes e experientes. A escola mais uma vez foi o lugar onde puderam aprender seu lugar na luta de classes, quem são seus inimigos e que apenas com organização arrancariam deles o mínimo que precisam para uma educação mais digna. O desenvolvimento da crise política em que o país se encontra pode fazer surgir um novo momento pré-revolucionário e essa juventude terá papel-chave no desenrolar dos acontecimentos.

Outros junhos virão! Outros outubros virão!

Todo apoio à luta dos secundaristas!

Por uma educação pública, gratuita e para todos

Por um governo dos trabalhadores!

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