Peterloo: a luta de classes na Inglaterra do século 19

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No dia 16 de agosto de 1819, teve lugar uma grande manifestação que contou com cerca de 80 mil operários na praça de St. Peter’s Field, na cidade industrial de Manchester. A repressão a essa demonstração de força dos trabalhadores, ordenada pelos magistrados locais, deixou um saldo de 15 mortos e 600 feridos. O evento foi batizado de “Peterloo” pelos jornais da época, em uma irônica referência à Batalha de Waterloo que, quatro anos antes, selou a derrota de Napoleão Bonaparte pelos ingleses.

O fato se deu em plena marcha da Revolução Industrial em que os operários, cada vez mais, compreendiam que só poderiam salvar a sua condição humana se opondo à burguesia. Nesse processo a classe trabalhadora inglesa – entre outras, em todos os países do mundo – passou a experimentar suas primeiras formas de organização, o que poucos anos mais tarde permitiu a constituição e fortalecimento das trade unions (sindicatos). Muitas dessas associações rudimentares, e operários que participaram do sangrento episódio em St. Peter’s Field, se agruparam, posteriormente, em torno do Movimento Cartista.

Hoje, pouco mais de dois séculos depois, a lembrança desse violento massacre, associada à história do capitalismo britânico – trazida à tona pelo bom filme “Peterloo”, do diretor Mike Leigh, lançado em 2019 – gera um significativo desconforto para o sistema capitalista. A historiografia tradicional sempre procurou menosprezar esse acontecimento. Eles descrevem Peterloo como  um fato menor: um mero acidente de percurso. Para a classe trabalhadora inglesa, entretanto, essa triste lembrança, que evidencia a face mais brutal do capitalismo em seus primeiros anos, faz parte de sua história viva e jamais será esquecida.

“Governe BritanniaBritannia governe os mares!”1

Quatro anos antes, as tropas britânicas, comandadas por sir Arthur Wellesley, o Duque de Wellington, derrotaram Napoleão Bonaparte e o seu Grand Armée (O Grande Exército da França Imperial), na Batalha de Waterloo, em 18 de junho de 1815. Sob a guarda de numerosa guarnição inglesa, o imperador francês foi enviado ao exílio na Ilha de Santa Helena, onde morreu seis anos mais tarde. Assim teve início a era que alguns historiadores chamam de “século imperial britânico”.

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Sem inimigos que pudessem medir forças com seu poderio militar, e incontestada nos mares, a Inglaterra despontou como principal potência mundial. O Império Britânico foi o maior em extensão da história: possuía cerca de 26.000.000 km² de território e de 400 milhões de pessoas eram governadas por ele. Um ditado popular comum entre os ingleses na época, fazendo referência ao colossal tamanho do império, dizia: “O sol jamais se põe no Império Britânico“.

Fazendo jus a função que lhe cabia na política internacional, a Grã-Bretanha adotou o papel de polícia global e uma política externa que ficou conhecida como “isolamento esplêndido”, que consistia em evitar a aliança permanente com países que pudessem vir a disputar consigo a hegemonia mundial. Juntamente com o controle formal que exercia sobre suas próprias colônias, domínios, protetorados, mandatos e territórios, a posição dominante dos britânicos no comércio mundial permitia-lhes informalmente ter o controle sobre as economias de muitos países do mundo, como China, Argentina, Brasil, Sião (hoje, Tailândia), entre outros.

Montada no dorso da máquina a vapor, a Revolução Industrial – iniciada no século anterior – seguia inexoravelmente sua marcha, implantando e consolidando de vez a indústria pesada no coração do império, permitindo, assim, uma violenta divisão do trabalho e reorganização da sociedade em novos grupos sociais com interesses distintos: a burguesia e o proletariado.

Engels, em sua obra “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra” (2013), analisou minuciosamente o nascimento do proletariado urbano inglês, que se deu no seio desse império, terreno clássico do processo da Revolução Industrial. Em sua maioria, esse proletariado tinha extração no agrupamento de trabalhadores que se dedicava a fiação e tecelagem e vivia nas cercanias das grandes cidades inglesas. Esses trabalhadores gozavam de uma situação de trabalho, vida e renda muito melhores que seus sucessores, garantida pelo fácil escoamento da sua pequena produção na demanda do mercado interno.

A introdução do tear mecânico e de outras tecnologias tornou o avanço da industrialização inevitável. Esses indivíduos se viram obrigados a abandonar suas pequenas propriedades, tendo que ganhar seu sustento na dureza do chão de fábrica. Assim, passaram a ter como realidade as insalubres condições de vida e trabalho dos grandes centros urbanos.

A situação da classe trabalhadora na Inglaterra no início do século 19  

Em 1815, os nobres da Câmara do Lordes – a câmara alta inglesa, que marca até os dias de hoje o sistema político britânico com o selo da excrescência medieval – garantiram, em votação unânime, ao Duque de Wellington, uma pensão de 750 mil libras, um prêmio pelos seus feitos militares. Da mesma maneira, a renda mensal do rei George III, “O Rei Louco”, foi ajustada para 1 milhão de libras. Ao mesmo tempo, esses aristocratas defendiam, com unhas e dentes, com o consentimento da Câmara dos Comuns (a câmara baixa) a implantação das Corn Laws (As Leis dos Cereais). Essas leis protecionistas baixavam as tarifas sobre a exportação dos grãos, aumentando o poder de concorrência inglês no mercado externo.

As Leis dos Grãos faziam parte de um pacote de medidas governamentais para conter a queda no fluxo das exportações. Apesar de inaugurar o século de hegemonia mundial do Império Britânico, o fim das Guerras Napoleônicas, em um primeiro momento, gerou uma grave crise econômica advinda do fim dos vantajosos acordos comerciais dos tempos de guerra. Em 1816, por exemplo, os níveis de exportação da Grã-Bretanha caíram 66% em relação aos de 1814. Ao passo que ajudavam os grandes latifundiários a recuperar suas perdas, essas leis proporcionavam um aumento excessivo nos preços dos grãos no varejo, impactando consequentemente na diminuição do poder de compra e na qualidade da alimentação da classe operária.

Se garantir uma alimentação digna era muito difícil, aos operários era quase impossível ter direito a um teto sobre suas cabeças, onde pudessem descansar ao final de uma brutal jornada de trabalho que frequentemente excedia 12 horas. Mais da metade do salário dos trabalhadores – constantemente submetido a cortes pelo patronato – era devorado pela especulação imobiliária nos grandes centros urbanos. Os operários eram segregados na divisão urbana, restando-lhes viver nos chamados “bairros de má fama”. Engels, alguns anos mais tarde, descreveu as condições sub-humanas das moradias operárias, o que já era uma triste e presente realidade em 1815:

“(…) as piores casas na parte mais feia da cidade; quase sempre, uma longa fila de construções de tijolos, de um ou dois andares, eventualmente com porões habitados e em geral dispostas de maneira irregular (…) as ruas não são planas nem calçadas, são sujas, tomadas por detritos vegetais e animais, sem esgoto ou canais de escoamento, cheias de charcos estagnados e fétidos” (ENGELS, 2013, p.70).

Os valorosos soldados que acompanharam Sir Arthur Wellesley nos sacrifícios da longa campanha contra Napoleão voltavam, nesse momento, à Inglaterra. Eram cerca de 300 mil homens que passaram a disputar vagas no mercado de trabalho em um momento de crise. O desemprego e o subemprego aumentaram dramaticamente, resultando também no crescimento nas fileiras do exército de reserva da classe: o lúmpen proletariado. Na falta de ter como prover moradia e sustento para si e para os seus, muitos desses homens e mulheres viviam nas ruas, se entregavam, quando podiam, à embriaguez, praticavam pequenos furtos ou se tornavam vítimas da prostituição.

A esses, bem como aos operários em geral, era negado o direito de escolher seus representantes. O voto era censitário: além da aristocracia, só a burguesia – os comerciantes ricos e os capitalistas recém-enriquecidos – tinha direito ao voto e controlava como queria a Câmara dos Comuns e as leis que permitiam essa cruel exploração. Nesse sentido, não havia legislação reguladora do trabalho, muito menos qualquer espécie de seguridade social. O mais próximo que se tinha disso eram ações isoladas de filantropia, promovidas pela igreja e por pessoas ricas movidas pelo sentimento de caridade cristã. Com cada vez menos idade e por um salário cada vez menor, jovens proletários (até mesmo crianças) ingressavam nas exaustivas jornadas do chão de fábrica, quando tinham a “sorte” de consegui-las.

Passadas as convulsões de seu doloroso parto, o operariado inglês, diante de tantas contradições e no seu direito legítimo de defesa contra tirania dos seus opressores, passa a nutrir o ódio contra a burguesia:

“Ademais, o operário compreende, a cada instante, que o burguês o trata como uma coisa, como uma propriedade sua, e já essa razão basta para que ele assuma uma posição hostil a burguesia (…) o operário só pode salvar a sua condição humana pelo ódio e pela rebelião contra a burguesia” (ENGELS, 2013, p.247).

Esse ódio, ainda no século 18, começou a se expressar no campo e foi trazido para as grandes cidades na esteira dos fluxos migratórios gerados pela Revolução Industrial. Por meio do roubo, da violência individual e até na depredação e destruição das máquinas e fábricas – como se essas fossem as responsáveis diretas pela sua miséria – o proletariado ensaiava sua contraofensiva desesperada, em meio a uma guerra social aberta, imposta pela burguesia. Ao passo que o sentimento de revolta se espalhava, crescia o medo do establishment. O espectro da Grande Revolução Francesa e os seus ideais ainda vivos na memória dos povos assombravam constantemente as classes dominantes. No calor desses primeiros motins violentos, um magistrado da cidade de Bury, na região de Manchester, escreveu em 1801, logo após testemunhar uma dessas manifestações: “Lamento dizer que o que vi e ouvi hoje me convence de que o país está maduro para a rebelião. Uma revolução será a consequência”. Esses temores se refletiam frequentemente nos mais altos escalões do governo.

A partir das lições colhidas nessas primeiras insurreições, a classe trabalhadora inglesa passou a tentar novas formas de organização. Passando por experiências com direções confusas, heterogêneas e de classe social diferentes da sua, os ensinamentos acumulados no curso desse intenso caminho contribuíram imensamente com o nascimento e consolidação do movimento operário organizado. No escopo desse difícil processo se desenvolveram os acontecimentos que levaram à gigantesca manifestação da St. Peter’s Field e seu terrível desfecho, no dia 16 de agosto de 1819.

A luta pela reforma parlamentar e pelo sufrágio universal

Esses acontecimentos tiveram lugar na região fabril do noroeste da Inglaterra, onde fica a cidade de Manchester – que Engels afirmava conhecer “como a palma de sua mão“, o que se confirma na detalhada descrição que faz dela, na já citada obra. Por ser uma região de intensa atividade industrial, foi justamente onde se observou o mais brutal impacto da crise. A alta no preço dos grãos e os frequentes cortes salariais tornavam quase impossível ao operário a simples satisfação de suas necessidades mais básicas. Muitos trabalhadores, diante dessa situação incapacitante, em um ato de desespero, se lançavam a pequenos furtos e violências individuais. Por esses delitos recebiam penas desproporcionais aplicadas pelos magistrados locais, que iam das condenações ao desterro à pena capital. Esses magistrados eram os primeiros agentes da classe dominante. Especialmente a eles, os operários passaram a devotar um profundo rancor.

Da crescente necessidade de organizar coletivamente o ódio contra os opressores, a região fabril do noroeste da Inglaterra naturalmente se converteu em um importante reduto dos embriões das primeiras associações operárias. Aqui, elas funcionavam de forma clandestina, já que a legislação do império ainda não garantia aos trabalhadores o direito à livre associação. Nesse momento histórico a classe operária ainda não tinha condições de vislumbrar perspectivas de classe e revolucionárias para a solução de seus problemas mais pungentes, embora a disposição de luta não lhe faltasse. Suas reivindicações eram basicamente econômicas, ou seja, giravam em torno da melhoria de seus salários, condições de vida, trabalho e moradia.

Entre 1817 e 1819, essas primeiras organizações passaram a realizar reuniões. Representantes de Manchester e de várias cidades vizinhas, como Lancashire, Yorkshire, Leeds, Bolton, Bury e Salford, participaram de uma série de assembleias onde a via de uma profunda reforma parlamentar encontrou grande eco entre os trabalhadores. Essa via era apresentada pelos organizadores, oradores e primeiros dirigentes desse movimento: pequenos comerciantes, pequenos proprietários, profissionais liberais, donos de jornais, artistas, artesãos, ou seja, elementos de extração pequeno-burguesa.

Eles exigiam, por meio dessas reformas, o direito ao sufrágio completo, bem como a elegibilidade de qualquer cidadão à Câmara dos Comuns, com mandato de um ano. Com o tempo essas associações – que ficaram conhecidas como reformistas – passaram a se agrupar em torno da União Patriótica de Manchester (ou Sindicato Patriótico de Manchester), que tinha como seu principal órgão de imprensa o jornal Manchester Observer, existente até os dias de hoje com o nome The Observer, um dos mais destacados veículos da atual imprensa burguesa britânica.

Em Londres, como principal dirigente desse movimento, despontava a figura de Henry Hunt, um rico proprietário de terras que apresentava um discurso em defesa dos trabalhadores e das reformas democráticas. Orador e agitador hábil, Hunt foi um pioneiro no sentido de despertar, com seus discursos inflamados, o radicalismo nas massas operárias. Suas ideias influenciaram profundamente o Cartismo. Visto como um radical naqueles primórdios, Hunt mantinha seu discurso dentro dos limites da reforma parlamentar. Ele sustentava uma posição idealista de que todo poder emanava do Parlamento e que as mudanças deveriam vir da decisão do próprio Parlamento. Para ele as reformas eram o fim, não o meio. O fato de Hunt ser um proprietário de terras obrigava a repressão estatal a ser mais cuidadosa com ele e, consequentemente, com todo o conjunto do movimento.

Durante essas assembleias, elementos mais radicalizados, geralmente operários, pregavam a pronta insurreição, caso as demandas não fossem atendidas. Essas vivas demonstrações de ódio dos trabalhadores colocaram os magistrados de Manchester – os cães de guarda da burguesia, do Parlamento e da Casa Real – de orelhas em pé. Eles passaram a monitorar os encontros pela incursão de policiais disfarçados. Esses agentes forneciam aos magistrados informes detalhados das discussões. Esses, por sua vez, entupiam os escaninhos sobre as mesas do primeiro-ministro tory2, o Conde de Liverpool, e do ministro do Interior, o Visconde de Sidmouth, com cartas exigindo rápidas providências, frente ao que eles classificavam como “anúncio declarado de motim”.

Como era de se esperar, tanto o Parlamento, quanto o Príncipe de Gales – que assumiu a regência do império, dada a piora no quadro psiquiátrico do rei George III – iniciaram uma violenta reação. Em resposta às crescentes agitações por reformas e demonstrações do ódio popular contra a nobreza e o sistema em geral, a Câmara dos Lordes suspendeu a Lei do Habeas Corpus3, uma das poucas liberdades civis que vigoravam na época. A figura chave dessa manobra parlamentar foi Lorde Sidmouth. Desde o início, Sidmouth foi o mais convicto dos reacionários, usando todos os meios disponíveis, dentro e fora do Parlamento, para suprimir o espírito de luta das massas impulsionado pelos reformistas. Ele, inclusive, passou a interceptar as correspondências dos principais dirigentes do movimento e nomeou o marechal de campo e herói de Waterloo, Sir John Byng, como comandante militar da região de Manchester, com o mandato de incrementar as suas forças militares o máximo possível.

Como resultado, os protestos assumiram um caráter cada vez mais político. No centro disso estava a crescente demanda por sufrágio universal. O sistema eleitoral vigente permitia que as antigas áreas rurais elegessem a maior parte dos representantes na Câmara dos Comuns. Esses costumavam ser eleitos por apenas um punhado de ricaços de sua confiança. As novas regiões industriais (incluindo Manchester), em contraste, não elegiam ninguém. Como consequência disso, as demandas por representação igual e pela emancipação de todos os homens – embora não das mulheres, naquela época – começaram a criar raízes entre os trabalhadores.

O massacre de Peterloo e seu legado

Os estratagemas de Lorde Sidmouth não conseguiram intimidar os dirigentes reformistas e muito menos as massas operárias do noroeste inglês. Sidmouth era um homem cauteloso e ávido defensor dos mais rigorosos procedimentos legais. Já os seus subordinados – seus agentes, magistrados, militares e senhores locais – eram partidários de medidas mais duras, mesmo que estas suplantassem o terreno da legalidade. Quando Sidmouth adoeceu, no verão de 1819, coube a estes homens lidar diretamente com a convulsão social.

Os dirigentes da União Patriótica de Manchester decidiram convocar, para o dia 16 de agosto de 1819, uma grande assembleia pública, na qual se discutiria a questão eleitoral e a reforma parlamentar, ao mesmo tempo que seria uma viva demonstração de repúdio a revogação da Lei do Habeas Corpus. Esse ato deveria acontecer na praça St. Peter’s Field, no centro de Manchester, e contaria com a presença massiva dos trabalhadores de toda a região. Imediatamente todas as reuniões das associações reformistas do noroeste inglês passaram a se dedicar exclusivamente à preparação desse grande encontro. Para dirigir as discussões e discursar para as massas, a União Patriótica de Manchester convidou ninguém menos que o londrino Henry “O Orador” Hunt.

Ao serem informados que uma grande reunião pública se organizava, os magistrados locais decretaram prontamente a proibição do evento. Àquelas alturas milhares de operários, entre eles mulheres, velhos e até crianças, já estavam mobilizados para participar do ato. Na manhã do dia 16 de agosto de 1819, milhares de trabalhadores se puseram a caminho do centro de Manchester. Espontaneamente, um clima de greve tomou conta de toda a região. Ao chegar em suas fábricas, os patrões, desesperados, as encontraram vazias.

Em um franco desafio ao autoritarismo dos juízes, um número estimado entre 60 e 80 mil operários de Manchester e de delegações provenientes de todo o noroeste inglês ocuparam a praça para protestar, portando bandeiras com as palavras de ordem “Liberdade e Fraternidade”, “Eleições Parlamentares Anuais”, “Sufrágio Universal” e “Unam-se e sejam Livres”. Embora Hunt fizesse questão de publicizar o caráter pacífico do encontro, no sentido de demonstrar isso às autoridades locais, os trabalhadores – profundos conhecedores da violência desses senhores – organizaram medidas de autodefesa. Hunt fazia apelos para que não fossem armados à praça.

Naquele tempo a polícia, com seus poucos agentes, não tinha o aparato necessário para dispersar uma multidão daquele porte. Furiosos com essa postura desafiadora dos trabalhadores, os magistrados convocaram reforços às pressas em Manchester, Salford e Lancashire: o 15º Regimento de Hussardos da Real Cavalaria, sob o comando do marechal Byng e os Yeomanrys, que eram milícias a cavalo, mantidas e comandadas por nobres locais.

Os cavalarianos – alguns deles alcoolizados – tinham ordens expressas de efetuar apenas a prisão de Hunt e dos outros dirigentes, porém a multidão não aceitou inerte essa provocação. Foi quando, assustados diante dos protestos da enorme massa popular, os militares se dividiram em pequenos grupos de ataque e carregaram, de sabres em punho, contra a multidão, matando 15 pessoas e ferindo outras 600. A imprensa de Londres, Manchester e de todo o país repercutiu o horror do massacre, mas a reação mais imediata por parte do governo foi de aprovar uma legislação ainda mais draconiana, que visava barrar qualquer reforma e coibir a ascensão de novos movimentos radicais. Na década de 1840, diante das pressões constantes do proletariado – a essas alturas muito mais educado politicamente -, uma reforma legislativa, garantiu-lhes o direito à livre associação. A partir disso, as trade unions proliferaram por toda a Inglaterra.

Para relembrar as vítimas do massacre, anos mais tarde, foi inaugurada uma placa na St. Peter’s Field. No decorrer do século 19 e início do século 20, à medida em que os operários foram aperfeiçoando seus métodos de organização, recrudescendo e amadurecendo sua oposição à burguesia, outros espetáculos brutais foram promovidos sucessivamente pelas classes dominantes. Assim como o Massacre de Peterloo, episódios como a Semana Sangrenta, após a derrota da Comuna de Paris em 1871, e o Domingo Sangrento de 1905, em Petrogrado, na Rússia, são exemplos de grandes tragédias da história da nossa classe, mas que fizeram parte de seu tortuoso caminho de aprendizado. É tarefa dos revolucionários de hoje – em memória de tantos irmãos que tombaram – se apropriar dessas valiosas lições no sentido de construir o caminho para as futuras revoluções e emancipação total dos trabalhadores.

Referência Bibliográfica:

ENGELS, F. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2013.

Notas:

1 Referência à canção imperial britânica Rule Britannia, ou “Governe Britannia“, composta por Thomas Arne (1710 – 1778). A música é uma ode ao poder naval e colonial da Grã-Bretanha que começou a se estabelecer no século 18.

Tory ou tóri é um antigo partido de tendência conservadora do Reino Unido, que reúne a aristocracia britânica. De saída, a expressão “tóri” tem conotações depreciativas, já que procede da palavra irlandesa thairide ou tóraighe, que significa bandoleiro, ou homem armado que se dedica ao roubo e à pilhagem, mas que pode ser traduzida apenas por “pertence a um bando”.

3 O Habeas Corpus (do latim “que tenhas o corpo”) no Direito, é o dispositivo que garante a proteção da liberdade de locomoção do indivíduo, quando esta se encontra ameaçada ou restringida de forma direta ou indireta. Normalmente este amparo pode ser requisitado por qualquer pessoa física que sofrer (ou se achar na iminência de sofrer) violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, em decorrência de ilegalidade ou abuso de poder. Na Inglaterra a Lei do Habeas Corpus, remonta a Declaração dos Direitos de 1689, (Bill of Rights of 1689) aprovada depois da Revolução Gloriosa de 1688. Ela postula que todos são iguais perante a lei. Embora este ideal seja antigo, desde a Magna Carta de 1215, sua aplicação prática a todos os indivíduos no Estado desenvolveu-se somente no século 19.

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