Privatização, terceirização, cortes e a luta por uma saúde pública, gratuita e para todos
Entrevista entre trabalhadores da saúde e da assistência social
Anderson Dias é psicólogo da rede socioassistencial do município de São Paulo, militante da Esquerda Marxista e integrante do Coletivo dos Trabalhadores Terceirizados das Políticas Públicas (CTP).
Luiz Claudio é servidor público federal do Ministério da Saúde, atuando no Hospital Federal de Ipanema desde 2009 como agente administrativo, é militante da Esquerda Marxista RJ.
Anderson Dias: No município de São Paulo muitos postos de saúde estão privatizados. Em julho deste ano, a Prefeitura de São Paulo avançou com a agenda de privatização dos serviços públicos de saúde. As unidades que foram privatizadas são: Centro de Convivência e Cooperativa (Cecco) Heliópolis, Unidade Básica de Saúde (UBS) Cidade Vargas, UBS e Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) Vila Bertioga, Rede Hora Certa Flávio Giannotti (Ipiranga) e o Centro Especializado de Reabilitação (CER) Tatuapé. Neste sentido, você poderia comentar como estão os serviços públicos de saúde no Rio e qual a política adotada pela prefeitura?
Luiz Claudio: Com as gestões do (P)MDB na prefeitura a partir de 2009 até 2017, em conciliação com o PT e PCdoB, foi aprovado em 2009, na Câmara de Vereadores, a Lei das Organizações Sociais (OS) com o objetivo de privatizar a administração das unidades básicas de saúde. A partir deste momento, a prefeitura começa um processo de construção de UBSs (Postos de Saúde e Clínicas da Família) e o Estado do RJ inicia uma política de municipalização das unidades estaduais de saúde que, assim que se tornam municipais, associada a essa política, imediatamente uma OS (empresa privada) é contratada para gerir estas unidades novas e as municipalizadas.
Como são empresas privadas gerindo a saúde “pública”, seu objetivo é o lucro, contratando trabalhadores com salários baixos, terceirizados, muitas vezes com salários atrasados e sonegando o pagamento do FGTS e outros direitos. A atual prefeitura do bispo licenciado Marcelo Crivella continua a aplicar a mesma política do anterior, ou seja, reforça a destruição e o sucateamento da saúde pública em conluio com as OS.
Anderson Dias: No mês de agosto, o Hospital Municipal do Campo Limpo (região sul da cidade) teve a terceirização dos servidores suspensa. Caso avançasse a terceirização, o hospital estaria sob administração da OS Hospital Israelita Albert Einstein, cujo grupo econômico este ano, em plena pandemia, teve um lucro líquido em 103%, quase dobrou a taxa de 2018 e foi a maior desde 2014. Os servidores, no entanto, já retomaram seus postos de trabalho e isso representa uma importante vitória parcial para classe trabalhadora. Essa vitória é expressão da pressão popular e de luta por parte da classe trabalhadora. No Rio como está sendo organizado o enfrentamento contra as políticas de privatização?
Luiz Claudio: Não está! Os dirigentes sindicais que deveriam organizar a luta em defesa de uma saúde pública, gratuita e para todos estão adaptados ao calendário eleitoral e as instituições de poder municipais. Na eleição de 2016, o então candidato Marcelo Crivella fez uma visita na sede do Sindsprev/RJ, cuja diretoria foi muito receptiva ao candidato, o que nos mostra a total subserviência ao atual prefeito. Quando acontece alguma luta é individual, os trabalhadores da unidade de saúde se manifestam, mas não há uma luta coletiva e solidária organizada pelas direções dos sindicatos.
Anderson Dias: O governo Bolsonaro quer cortar R$ 35 bilhões do orçamento da Saúde no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2021. Este corte no orçamento em conjunto com a Emenda Constitucional 95/2016 que congela os investimentos em saúde e demais campos das políticas sociais vai intensificar o sucateamento dos equipamentos públicos e alargar o caminho para iniciativa privada. Quais os reais impactos que a classe trabalhadora pode sofrer tanto nos postos de trabalho no campo da saúde, assim como toda população com essa medida do governo federal?
Luiz Claudio: Com a redução e congelamento do orçamento público podemos esperar a velha política de colocar a culpa no servidor público, a pressão pelo aumento da produção/produtividade e o cumprimento das metas acarretará mais doenças físicas e psicológicas nos servidores. Some isso à possibilidade de demissões sem justa causa. A população sofrerá com a redução da oferta de saúde pública, o fechamento de unidades de saúde e de programas de atendimento com a redução dos atendimentos ambulatoriais e cirurgias. Num contexto como o que estamos vivendo, de pandemia do coronavírus e de outras doenças, como recentemente, o surto de sarampo, esses impactos são realmente desastrosos para a saúde dos trabalhadores, uma vez que os ricos podem pagar pelos melhores atendimentos em clínicas e hospitais privados!
Anderson Dias: O governo ultraliberal de Bolsonaro e sua trupe traz como justificativa realizar a reforma administrativa para enxugar os gastos do Estado. Enquanto, na realidade, trata-se de um amplo ataque aos servidores, ao conjunto da classe trabalhadora e também à juventude. Porque além da retirada de uma série de conquistas dos servidores, essa reforma amplia o caminho para a terceirização irrestrita e a precarização dos serviços públicos. Quais caminhos a classe trabalhadora deve tomar para barrar esses tantos ataques e as reivindicações pelas quais devemos lutar em relação ao SUS e demais serviços públicos?
Luiz Claudio: A classe trabalhadora deve se organizar coletivamente, em cada local de trabalho, estudo ou moradia, e debater uma pauta de defesa dos serviços públicos gratuitos e para todos. Se organizar em Comitês de Ação por Fora Bolsonaro e por um governo dos trabalhadores, sem Patrões nem Generais. Retomar os métodos tradicionais de luta com passeatas, claro que adaptadas à realidade da pandemia, diálogos explicando pacientemente que o sistema está podre e não tem como reformá-lo. Nesse sentido, promover a auto-organização da categoria e unificar as lutas em uma Greve Geral para derrubar o governo e o capital. Nosso objetivo é avançar com uma pauta de um SUS 100% público, universal e estatal e, principalmente, sob controle dos seus usuários e trabalhadores. Para defender o pouco de serviços públicos que ainda restam é necessário reestatizar as empresas públicas que foram privatizadas, convocar imediatamente os aprovados que estão nas listas de espera dos concursos públicos e descongelar os salários com reajustes acima da inflação e efetivação dos trabalhadores terceirizados.
Anderson Dias: Você poderia comentar qual a relação entre os cortes de verbas nas políticas públicas com a dívida pública? E quem se beneficia nessa interação?
Luiz Claudio: O orçamento público gira em torno dos interesses dos banqueiros e o mecanismo da dívida pública é uma bola de ferro que prende este orçamento. Quando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é aprovada no Congresso Nacional fica claro que a maior parte do orçamento é direcionado para pagar a dívida pública aos banqueiros, que não usam os serviços públicos e tem acesso ao que de melhor a saúde privada pode oferecer. Temos que retomar a luta histórica dos trabalhadores de romper com o pagamento da dívida, o FMI, sendo necessário a revogação de todas as leis que beneficiam os banqueiros tais como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), Superávit Fiscal Primário, dentre outros.
O Estado Democrático de Direito e suas leis beneficiam apenas 1% da sociedade; nós somos os 99%, somos a maioria! Não temos nada a perder, temos tudo a ganhar! Por isso, chamamos todos os trabalhadores da saúde, os trabalhadores e a juventude a dar um passo no sentido da mobilização e organização contra esse orçamento de guerra contra o povo e para pôr abaixo esse governo dos patrões assinando o abaixo-assinado “Devolvam as verbas da saúde, educação e ciência! Aula presencial só com vacina!”