10 anos das jornadas de junho de 2013: construir a Liberdade e Luta, outros junhos virão!
Há dez anos, assim como hoje, não era incomum encontrar direções da “esquerda” que culpassem a juventude por sua “apatia”. Mas então em junho de 2013, essas mesmas direções foram pegas no susto por milhões de jovens e trabalhadores, que saíram as ruas em todo o país para participar das manifestações que ficaram conhecidas como as Jornadas de Junho. As direções burocráticas não puderam conter nem controlar aquele movimento, e é por isso que o verdadeiro significado de Junho assombra suas perspectivas sobre as jornadas que estão por vir.
Nos anos que antecedem a explosão de junho de 2013, os governos Lula/Dilma contavam com uma alta popularidade, em suma a alta do preço das commodities no mercado internacional, a concessão de crédito e incentivo ao consumo interno, programas sociais de renda e de acesso a universidade, transmitiam a sensação de progresso e bem-estar econômico social.
Porém a crise no mercado imobiliário e automotivo nos Estados Unidos, a quebra de grandes bancos, abriu um novo período de crise global do capitalismo, demonstrando que este sistema é “incapaz de solucionar os problemas que ele mesmo engendra”. Em todo o mundo os capitalistas pressionaram fazer com que os trabalhadores pagassem pela crise.
No Oriente Médio, o Imperialismo de Barack Obama realizou mais bombardeios que qualquer outro presidente americano, e apoiou direta e indiretamente facções reacionárias cuja função foi enterrar as revoluções que estouraram naquela região a partir de 2011. Na Europa a TROIKA (apelido dado pelos trabalhadores portugueses para o Banco Central Europeu, a Comunidade Europeia e o Fundo Monetário Internacional) forçou os governos a aplicarem um brutal programa de austeridade, de retirada de direitos e destruição do “estado de bem-estar social”, contando com a colaboração dos sindicatos e dos partidos tradicionais da esquerda.
Por isto imensas manifestações e greves ocorreram “por fora” do controle das direções dos partidos e sindicatos da esquerda na Europa, surgiram novos movimentos como o dos “Indignados” da Praça Puerto del Sol em Madrid, e o Occupy Wall Street nos Estados Unidos. A adaptação e colaboração das direções combinou com a profunda crise e ofensiva dos capitalistas contra as condições de vida e expectativa de futuro da juventude. Essa fórmula foi explosiva para a relação dessas direções com as massas. Assim como a crise do capitalismo, a luta de classes se manifesta de forma internacional, e assim um tsunami atingiu o Brasil.
Geralmente, um tsunami é precedido por tremores de terra, foi assim que nossos camaradas em Joinville, em maio de 2013, puderam perceber que o estado de ânimo ultrapassava o normal. A frente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (SINSEJ) os marxistas dirigiam uma greve com manifestações de milhares de servidores e ampla adesão. A União Joinvilense dos Estudantes Secundaristas (Ujes), contava com a organização de uma dezena de grêmios estudantis, e em diversas escolas os alunos se mobilizavam contra o processo de fechamento e superlotação de salas (reenturmação), que culminou numa grande manifestação com milhares de estudantes na praça central da cidade.
Em São Paulo, foi na altura de 13 de junho, uma grande manifestação contra o aumento de R$0,20 na tarifa de ônibus foi brutalmente reprimida, as imagens se espalharam pelas redes sociais. Nem mesmo a imprensa escapou dos tiros de borracha na altura dos olhos. Em 17 de junho, as manifestações tornaram-se um movimento de massas. Ultrapassando a reinvindicação inicial em São Paulo, o telhado do Congresso Nacional foi ocupado, o principal slogan tornara-se “não é só por R$0,20”. Finalmente, em 20 de junho, as ruas são tomadas por milhões de pessoas em mais de 388 cidades.
Os métodos anarquistas do Movimento Passe Livre (MPL) demonstraram seus limites quando as manifestações cresceram em 17 de junho. A recusa em se posicionar como direção do movimento, e ainda, a hostilidade para com os partidos, sindicatos e organizações no geral, colaborou para que não houvesse nenhuma liderança mantendo a coesão do movimento em torno das reivindicações da classe trabalhadora e da juventude. O horizontalismo (método onde todas as pessoas no movimento têm teoricamente “o mesmo direito” de intervir e votar as decisões) demonstrou-se impraticável num movimento com centenas de milhares de pessoas. Até mesmo a presença de carros de som, para dar orientações aos manifestantes, fora combatida pelos anarquistas.
Porém a maior ausência se fez por parte das grandes organizações de classe. O Partido dos Trabalhadores (PT), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a União Nacional dos Estudantes (UNE), nenhuma dessas organizações colocou sua militância e recursos em peso nas manifestações para tentar orientar o movimento, o motivo é bastante claro: a dependência e adaptação dessas direções ao governo e aparelho de estado, que levou a traição e o abandono de qualquer perspectiva de construir uma outra sociedade para além do castelo de areia, do governo de conciliação de classes.
Como Trotsky definiu precisamente no Programa de Transição, a crise da humanidade se reduz a crise de direção do proletariado. Se houvesse na Jornadas de Junho uma direção revolucionária, poderia ter se aberto uma outra situação, mas as forças do marxismo e da revolução eram e são ainda forças em construção, e não possuem o tamanho para influenciar de forma decisiva os acontecimentos.
Com a ausência de qualquer direção, a imprensa burguesa, uma série de pequenos movimentos com relações e financiamento duvidosos, que viriam mais tarde a se organizar como Movimento Brasil Livre (MBL), Vem pra Rua etc. passaram a impor e agitar dentro das manifestações pautas alheias a classe trabalhadora. Os serviços públicos foram substituídos pela PEC36 (que dava ao Ministério Público competência de investigação), a esquerda e as bandeiras vermelhas passaram a ser hostilizadas por pequenos grupos nos atos.
Cabe relembrar que então a Esquerda Marxista, mesmo sendo uma pequena organização, manteve suas bandeiras erguidas, nossos camaradas mantiveram-se firmes mesmo diante das ameaças de agressão, vaias e agitação de pequenos grupos que tentavam virar a multidão contra os revolucionários. Em nenhuma cidade nossas bandeiras foram retiradas de nossas mãos, e nós não as recolhemos nem nos intimidamos.
No dia 21 de junho, a então Presidente Dilma (PT), realizou um pronunciamento em rede aberta de televisão prometendo um pacto com governadores e prefeitos, pela melhora dos serviços públicos, um plano nacional de mobilidade urbana para o transporte coletivo, 100% dos recursos do petróleo para educação e a contratação de médicos do exterior para atender o SUS. Destacou ainda o combate à corrupção e afirmou que o “preço das tarifas já diminuiu”(Então Haddad havia revogado o aumento em São Paulo), pediu pela manutenção da “ordem”, e criticou a “destruição de patrimônio público”.
O movimento sem uma direção clara, sem reivindicações claras que mantivessem sua coesão de classe, acabou por retroceder e perder tamanho a partir do dia 20. Até hoje o significado do que foi junho é questionado pelos reformistas e burocratas, que atribuem a esse movimento a ascensão da direita, o impeachment de Dilma, o bolsonarismo etc. Mas a verdade é que de Junho de 2013, vieram as manifestações no Rio de Janeiro em 2014, o maior movimento de ocupação de escolas da história no Paraná em 2015/16, o aumento do número de greves, e um acirramento da luta de classes que é crescente até então, portanto não um fenômeno reacionário, mas sim revolucionário.
Os reformistas e stalinistas se sentem mais seguros quando tudo parece se manter como está, sua política de pequenas concessões à classe trabalhadora em troca de conciliação de classes e manutenção da ordem burguesa, depende dessa aparente estabilidade. Esta é a base sobre a qual se desenvolvem as teorias da “hegemonia proletária”, do “poder popular”, “revolução por etapas”, “governabilidade”, aprofundando uma atrás da outra o engodo de um longo período de “acúmulo de forças”.
Os marxistas partem de outra concepção, o materialismo dialético, que demonstra que em um ponto de inflexão, a quantidade se transforma em qualidade, ou seja, o desenvolvimento de contradições leva a que em determinado momento haja uma mudança radical da situação. Muito se utiliza a analogia com os fenômenos naturais, como a água permanece em estado líquido não importando que a temperatura aumente, até que a 100 graus ela vaporiza. Isto porque o marxismo tem servido como ferramenta precisa para interpretar os fenômenos da luta de classes, como a ciência da física para os estados da matéria. Não à toa, os marxistas não foram pegos de surpresa, e como o socialismo científico é agente da mudança, não ficaram apavorados.
Diferentemente dos reformistas, dos stalinistas, dos anarquistas, os marxistas não temem as massas nas ruas e possuem os métodos necessários para levar a luta até a vitória. O marxismo ainda é uma força pequena, mas das Jornadas de Junho construíram o movimento “Público, Gratuito e Para Todos: Transporte, Saúde e Educação! Abaixo a Repressão” que resultou na fundação da Liberdade e Luta. Essa experiência nos possibilitou lançar o Fora Bolsonaro e preservar a confiança na classe trabalhadora e na juventude, lançar a campanha contra a Lei da Mordaça e contra a Reforma do Ensino Médio e agora pela revogação do NEM. Construir a Liberdade e Luta, outros junhos virão!
Venha participar do Encontro Nacional da Liberdade e Luta 2023, em São Paulo. Vamos discutir como as jornadas de junho foram fundamentais para desenvolver a conjuntura que vivemos hoje. Inscreva-se aqui.