A lógica do ensino superior no Brasil

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No final de agosto, em seu programa no canal HBO, Gregório Duvivier, ao pautar a universidade no Brasil, começa por abordar a falta de verbas nas universidades públicas, os cortes que vêm sendo aplicados no último período e dá destaque para a avalanche de dinheiro público que foi direcionado para as universidades privadas. Embora o vídeo seja bastante informativo, acredito que seja importante aprofundar alguns pontos e, principalmente, apontar um caminho diferente do que foi levantado por Gregório Duvivier.

Sobre a Kroton

A partir da fusão da Kroton e Anhanguera, em julho de 2014, surgiu no Brasil o maior grupo educacional do planeta, com um capital de R$12 bi. Para se ter ideia do tamanho, em 2014, a Kroton era uma das 20 maiores empresas brasileiras na bolsa de valores. E antes de ser rejeitada a fusão da Kroton e Estácio, analistas projetavam um valor de mercado da nova empresa de quase R$40 bi. A educação sob o lógica do capitalismo é isso, uma mercadoria. O único objetivo é o lucro.

O crescimento da Kroton é muito bem explicado por Gregório Duvivier em seu vídeo. Ele escancara a “farra do FIES”, que atingiu o seu auge no governo Dilma, em um ato de desespero para maquiar os números da educação superior. Ao afrouxar os critérios para a obtenção do FIES, o que se viu não foi a ampliação de novas matriculas, mas o financiamento dos alunos já matriculados. Um exemplo disso foi as faculdades do grupo Kroton incentivando seus alunos a fazerem o FIES mesmo que tivessem condições de pagar a mensalidade. Qual o sentido disso? Até julho de 2015 os juros do FIES eram de 3,4% ao ano. Considerando que a poupança poderia render 0,5% ao mês ou 6% ao ano, significa que era possível fazer o empréstimo, aplicar o dinheiro e, ao final do curso, além de ter poupado o suficiente para quitar o financiamento, o aluno teria condições de ter um capital suficiente para, quem sabe, iniciar seu próprio negócio. Essa lógica proporcionou, até o final de 2014, mais de 50% dos alunos da Kroton com contrato via FIES.

O FIES

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Em julho, o Ministério da Fazenda emitiu um relatório com diagnóstico do FIES e levantou importantes dados sobre o programa. O FIES não foi o único, mas foi um importante impulsionador do ensino privado. Em 2014, atingiu aproximadamente 40% das vagas no ensino superior. Isso foi possível através de uma série de mudanças nas regras de financiamento.

A primeira delas foi em 2009, quando o Governo passou a também ser fiador de contratos. Até então o fiador era obtido pelo próprio estudante. Essa garantia era dada através do FGEDUC (Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo). Com isso, além de emprestar, o Governo passou a garantir o pagamento dos empréstimos. Assim, em caso de inadimplência, o Governo cobria a dívida do estudante via FGEDUC.

A segunda mudança significativa foi em 2014, quando a garantia via FGEDUC deixou de ser restrita aos estudantes com renda de até 1,5 salários mínimos. Todos os participantes do programa poderiam acessar o benefício. Mas, mesmo com essas mudanças, isso não significou exatamente a ampliação de vagas no ensino superior, diz o relatório:

“Observa-se que enquanto mais e 1 milhão de novas matrículas foram realizadas na rede privada entre 2009 e 2015, o Fies concedeu, no mesmo período, mais que o dobro de novos financiamentos: 2,2 milhões de estudantes Fies. Assim, boa parte dos contratos do Fies foram celebrados com estudantes que já cursavam, ou já cursariam, o ensino superior, com condições financeiras para arcar com as mensalidades do curso. Desse modo, a forte elevação de financiamentos do Fies contribuiu aquém do esperado na expansão das novas matrículas do ensino superior, quando se observa os novos financiamentos concedidos nesse período”. (https://goo.gl/MTtYor).

O Ensino Superior no Brasil é restrito a uma parcela reduzida da população e está concentrado na educação privada. O FIES é um retrato disso.

A lógica do ensino superior no Brasil

No vídeo, Gregório Duvivier fala apenas do FIES, mas ainda há mais sobre o ensino superior que precisamos abordar. Em 2014, se matricularam na graduação presencial e a distância no Brasil 7.828.013 estudantes, sendo que 5.867.011 em Instituições de Ensino Superior Privada, isso significa 75% das matrículas.

Além do FIES, o Governo Federal ainda oferece outro programa chamado PROUNI –  Programa Universidade para Todos. O PROUNI pode parecer até interessante pois, se considerarmos que, em 2014, das 593.886 vagas em Universidades Públicas, 343.281 foram em Universidades Federais, o Programa quase dobrou o número de vagas federais, pois ofereceu 306.726 vagas gratuitas em universidades privadas. Mas a dura realidade é que isso pouco significa diante do imenso buraco que existe na educação superior no Brasil. Se somadas as vagas oferecidas pelo PROUNI e as novas matrículas nas federais em 2014, isso corresponde a pouco mais de 6% dos quase 10 milhões de inscritos no ENEM daquele ano. Se somar todas as vagas públicas, o índice mal chegar a 10%.

O ensino superior no Brasil é uma farsa. As dezenas de milhares de faculdades de galpão que se proliferaram a partir do financiamento público são meras fábricas de diplomas, ignoram quase que completamente a pesquisa e a extensão. Com o crescimento de cursos e disciplinas a distância, que tipo de educação é essa? É a lógica do lucro, de reduzir custo ao máximo, tudo isso com carimbo do Ministério da Educação.

A UNE e a luta por vagas para todos

Embora Gregório Duvivier não tenha abordado o papel da UNE nisso tudo, considero importante debater a postura do que deveria ser o sindicato dos estudantes. Mas o que fez a União Nacional dos Estudantes nesses anos? Desde o início do Governo de Lula, em 2003, apoiou o Governo Federal incondicionalmente. Aliás, se comportou como um braço do Governo, defendendo até a morte suas políticas.

A UNE que, em sua carta de princípios, se comprometia a defender a educação pública e gratuita, abandonou completamente essa linha e hoje defende a regulamentação do ensino privado. Não aceitamos isso, nós queremos o fim do ensino privado.

Qual a saída?

Nesse quadro, não podemos concordar com o rumo apontado por Gregorio Duvivier ao defender modelos como Havard ou Yale. Porque, mesmo sem ter fins lucrativos, o custo anual para estudar em uma dessas duas Universidades é de aproximadamente US$70 mil (cerca de R$220 mil).

Apesar da divergência em relação a saída, acredito que Gregório Duvivier foi muito feliz em demonstrar, de maneira muito didática, a lógica da educação superior no Brasil. Por isso publicamos o seu vídeo, mas não podíamos deixar de colocar nossas considerações e divergências.

A educação é um direito e não deve apenas ser mais acessível, deve ser universal. E se hoje mais da metade das vagas oferecidas no Brasil é custeada com dinheiro público, que se estatize essas instituições. No ano de 2014, além de todo dinheiro direcionado para as Universidades privadas, 45% do orçamento da União foi para o pagamento de juros de amortizações da dívida pública. Ou seja, dinheiro tem, mas está nas mãos do capital internacional, da especulação financeira.

Seguimos nosso combate por educação pública, gratuita e para todos, em todos os níveis. Mas sabemos que não basta educação, a situação está assim porque o sistema capitalista está podre e precisa ser colocado abaixo. Essa é a nossa principal tarefa.

Assista ao vídeo

 

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