Aonde vai a Poli? Uma crítica ao processo de construção da greve
Na sexta-feira (06/10) foi divulgado o resultado de um plebiscito deliberativo dos alunos da Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP). Por meio deste plebiscito, a greve na Poli, que havia se iniciado no dia 25/09, teve fim. Desde o início, nos espaços em que intervimos, fizemos críticas e ponderações sobre a forma como o processo foi conduzido ao ser deflagrada a greve naquela faculdade. Tendo em vista sistematizar estes apontamentos, e apresentá-los ao conjunto do movimento estudantil da USP, em particular, da Poli, para que reflitam acerca das questões aqui levantadas e assim possamos avançar na luta.
Diante do anúncio da direção da Faculdade de Direito da USP (SanFran) de que as aulas retornarão, indicando uma ofensiva coordenada da direita e do governo, a reunião destes dados aponta para um momento de disputa e teste de força do movimento.
Ao mesmo tempo, na semana que a greve da USP somou forças com os trabalhadores da SABESP, Metrô e CTPM, o reitor fez a primeira proposta de atendimento, mesmo que muito rebaixada. Isso confirma nossa previsão de que apenas uma aliança entre trabalhadores e estudantes poderia dar o golpe necessário ao governo. Por isso, é preciso refletir sobre o estado de nossa greve e corrigir os nossos erros. Convidamos os honestos combatentes à leitura!
O início do fim
No dia 25/09, os estudantes da Poli realizaram a sua Assembleia Geral Extraordinária com o objetivo de formular perguntas que dariam base a um plebiscito para mensurar a opinião dos estudantes sobre o problema da falta de docentes e a adesão da Poli à greve. Em uma publicação intitulada “Como a Poli decide sua mobilização?”, o Grêmio Politênico explicou que a Poli, por contar com um corpo discente de aproximadamente 7.000 alunos — 5.000 alunos de graduação e 2.000 alunos na pós-graduação —, tem o costume de decidir sobre suas mobilizações por meio de uma Assembleia Geral seguida de um plebiscito presencial de 3 dias, deliberado em Assembleia, com o objetivo de consultar a maior quantidade possível de politécnicos. No entanto, a própria Assembleia do dia 25/09, impulsionada pelo público externo, deliberou por votar imediatamente a adesão à greve, com o uso do piquete, sem a necessidade de se realizar o plebiscito. Como o quórum mínimo exigido era de pelo menos 100 alunos, e a Assembleia possuía 5% do número de estudantes de graduação, a greve com piquete foi aprovada.
Já naquela noite, diversas discussões passaram a ocorrer nas redes sociais, com muitos estudantes contra e a favor da decisão tomada na Assembleia. Muitos alunos da Poli se sentiram injustiçados e desrespeitados, alegando que o movimento estudantil (ME) havia atropelado a forma de se deliberar na Poli, pois a Assembleia convocada não tinha por objetivo deliberar sobre a adesão imediata à greve, e que uma decisão tão impactante não deveria ser tomada por 260 alunos, sem a possibilidade de consulta aos demais.
Ao mesmo tempo, a direita, que atua de maneira organizada na Poli, começou a articular um abaixo-assinado contra a greve, que, no dia seguinte, contava com cerca de 600 assinaturas e tentativas de desmontar os piquetes. Mesmo nos dias que se seguiram, não foi incomum os pedidos de ajuda a outros cursos para que ajudassem a manter o piquete na Poli. Sem o constante deslocamento de militantes de outros institutos, os piquetes não se manteriam.
Dado esse cenário de polarização e de baixa adesão dos próprios estudantes da POLI na manutenção da greve com piquete, o Grêmio realizou – logo após a referida assembleia – uma consulta não deliberativa do posicionamento dos estudantes em relação à continuação da greve. Essa consulta contou com 2.284 votos válidos, sendo 55% favoráveis à continuidade da greve, e 41% contrários. Porém, quando perguntados sobre o piquete, a consulta indicou que somente 37% eram favoráveis à greve com piquete, sendo 54,6% contrários ao piquete e 8,2% de abstiveram nesse ponto. Eram, portanto, favoráveis à greve sem piquete! Mas como pode uma greve estudantil seguir sem piquete, nas condições da Poli?
Uma nova Assembleia Geral Extraordinária foi convocada pelo Grêmio para o dia 04/10. Desta vez, destacaram que não havia garantia de um plebiscito após a Assembleia, dado que o formato da consulta seria votado durante a mesma. O quorum credenciado foi de 811, com com 758 votos válidos, dos quais 70% votou pelo plebiscito deliberativo como método de encaminhamento para consultar os alunos quanto à continuação da greve e as reivindicações em pauta.
O novo plebiscito teve um quórum de 2.414 votos, no qual 50,3% votou pela não continuidade da greve, 46,8% foram a favor da continuidade, e 2,9% se abstiveram da votação. Quanto à questão do uso dos piquetes para impedir as aulas, 55% foram contra o seu uso, 40,3% a favor e 4,7% se abstiveram. Já sobre as reivindicações (contratação de professores, defesa dos espaços estudantis, permanência estudantil, infraestrutura dos prédios e contratação de servidores técnico-administrativos), pelo menos metade dos alunos que responderam ao plebiscito eram favoráveis, com exceção da reivindicação da reestruturação do programa pedagógico, que contabilizou 48,2%. Assim, após 10 dias, teve fim a greve na Poli. O que esses números indicam, para além do mero fato de que os politécnicos saíram da greve? E o que o movimento estudantil tem a aprender com este ocorrido?
Os fins não justificam os meios, pois para cada fim, há um meio adequado
É preciso tomar cuidado com o uso indiscriminado do jargão “A palavra convence, mas o exemplo arrasta”. Os estudantes da Poli, tanto aqueles organizados politicamente quanto os independentes, que estavam presentes na primeira Assembleia Geral Extraordinária da Poli, à despeito de sua disposição de luta inegável — e que não colocamos em cheque aqui —, equivocaram-se ao rejeitar o uso do plebiscito e aderir imediatamente à greve, passando por cima do que havia sido divulgado pelo Grêmio daquela instituição e da cultura democrática comum ao seu corpo discente. Não estamos questionando a legitimidade da assembleia, cujo quorum estava respaldado estatutariamente. Também não estamos defendendo que o plebiscito seja o melhor método de mobilização – pois de fato, não é. Porém, uma Assembleia estatutariamente legítima não basta para convencer politicamente uma grande quantidade de pessoas.
O ambiente da Poli, permeado por agentes e ideias burguesas, impõe uma forte pressão ideológica sobre o corpo discente e docente. Aqui, tanto como em outras esferas da vida, é a existência material que determina a consciência — existência materializada, inclusive, em diversas parcerias com instituições privadas do grande capital, inclusive em atividades organizadas pelo Grêmio, ou com representantes políticos da burguesia, o que tende a direcioná-los em um sentido contrário à aderir à greve ou se colocar em movimento de luta. Por conta disso, era necessário uma disputa de consciência e convencimento político muito maior (ou, no mínimo, diferente) do que costumeiramente vemos em outras unidades da USP, como é o caso da FFLCH — que possui outros agentes e outras ideias pressionando o seu corpo discente e docente, mas que tendem à pressioná-lo à esquerda e envolvê-lo em discussões políticas constantes.
Já na Assembleia Geral dos Estudantes da USP de 28/08, dentre as propostas e pautas que fizemos ao plenário, estava a necessidade de um calendário de reuniões regulares para fomentar o debate político na USP sobre o processo de financiamento estudantil e de permanência, pois não deveríamos deixar que burocratas e gestores tentassem ludibriar os estudantes com detalhes de contabilidade burguesa, como os limites orçamentários advindos do atual repasse do ICMS.
Porém, como já afirmamos aqui, o simples fato de algo ter sido encaminhado não significa que ele será posto em prática. Fazer o debate político, amplo e aberto, é uma etapa fundamental para fazer avançar a discussão e a consciência e conseguir, efetivamente, unificar a luta entre os alunos dos diversos cursos, faculdades, institutos e escolas. A palavra é uma mediação fundamental para que o exemplo possa arrastar para uma direção correta, para que possamos mobilizar a maior quantidade possível de pessoas para combater ombro a ombro por reivindicações próprias, claras e objetivas do conjunto do movimento. Por isso, não podemos ignorar que a aprovação naquele momento, sem ter por base essa discussão com a ampla base de alunos da Poli, acabou sendo uma decisão prematura que colocou em xeque a possibilidade da greve ganhar corpo na Poli e fortalecer a luta na USP como um todo. Equivale a uma transmissão mecânica, um implante de uma ideia para a qual o corpo não foi devidamente preparado e, por isso, foi rejeitada pouco depois. O implante mal feito não apenas não cura, como pode fragilizar ainda mais o corpo enfermo.
Não adianta declarar greve se uma parte significativa dos alunos não foi realmente convencida da necessidade da greve ou, ainda que tenham sido convencidos da necessidade da greve, não foram convencidos do piquete enquanto ferramenta de luta para se efetivar a greve e alcançar as reivindicações desejadas. Os estudantes, ao votarem dessa maneira, demonstraram disposição de apoiar a greve, desde que não fossem obrigados a realizá-la. Essa disputa da consciência não é algo menos importante, e se manifestou, em maior ou menor grau, em todo o movimento grevista da USP.
Tomemos como exemplo o que aconteceu na Biologia. O Centro Acadêmico da Biologia (CABio) realizou uma assembleia no dia 30/08, que não possuía quorum mínimo para aprovar uma paralisação, mas aderiu ao calendário de mobilizações do DCE-Livre da USP. Uma nova Assembleia foi convocada para o dia 20/09 — dois dias após o Diretor da FFLCH, Paulo Martins, dar a faísca necessária que faltava ao movimento para se massificar em torno das recentes mobilizações [Leia mais aqui]. Diferentemente da primeira Assembleia, que havia reunido apenas 50 alunos, esta reuniu 226, cerca de ⅓ do curso de Biologia. E com isso a greve foi aprovada com uma forte adesão da base.
Portanto, não se trata de realizar uma assembleia com 50% do curso + 1 aluno de quórum, ou do plebiscito ser mais ou menos democrático. Sabemos que um plebiscito em si não tem poder de mobilização e nem de explicar aos estudantes pelo quê eles deveriam entrar em greve e como deveriam realizar essa greve. Que um plebiscito simples, que apenas pergunta a opinião dos estudantes, acaba sendo uma mera formalidade e não um diálogo com a base estudantil para o convencimento e mobilização. Porém, seria muito mais produtivo que a primeira Assembleia tivesse encaminhado um plebiscito consultivo e presencial, com oportunidade de todas as tendências políticas exporem suas posições, com nova Assembleia a ser convocada após a apuração dos resultados, para se discutir e deliberar sobre a adesão à greve e, caso aprovada, como colocá-la em prática — com ou sem piquete. Buscar convencer, mas sem atropelar a própria experiência dos estudantes politécnicos. Às organizações políticas e estudantes independentes que já se convenceram da necessidade da greve com piquete, seria possível tirar proveito desta, ainda que limitada, tradição plebiscitária da POLI e centrar forças na construção de um plebiscito militante — a título de exemplo do que foi o plebiscito militante contra as privatizações do metrô, da CPTM e SABESP —, que impulsionasse um espaço de discussão e politização do debate tanto sobre a situação em que se encontra a Escola Politécnica e suas reivindicações próprias, quanto sobre as formas de financiamento estudantil e os métodos de luta necessários a serem adotados na luta dos estudantes por suas pautas. Dessa forma, um plebiscito seria colocado à favor da greve, servindo como uma base de apoio para a construção de atividades que ajudariam a avançar a consciência dos estudantes politécnicos. Esta seria apenas uma de várias alternativas, desde que apontassem para a disputa das mentes e corações dos estudantes que buscavam entender e se posicionar.
A despeito da propaganda capitalista, os comunistas precisam confiar na existência de uma massa de jovens honestos – principalmente aqueles que recém ingressam na universidade – e que pretendem construir um mundo melhor do que este em que nasceram.
Trata-se, portanto, do grau de organização, mobilização, discussão, politização e da correlação de forças presente no curso ou unidade particular. De se fazer a análise concreta de cada situação concreta, e a partir disso deliberar qual o melhor caminho a seguir para se atingir o fim visado. Este imediatismo e vanguardismo cego desconsiderou a real situação da unidade, a real correlação de forças ali presente, o real nível de consciência médio da maioria dos estudantes da Poli, e abriu espaço para o fortalecimento do nosso inimigo.
Muitos dos militantes, da Poli e de outros Institutos, argumentam que era urgente aprovar a greve. Essa é uma visão equivocada sobre como se constrói uma greve, à luz da experiência da luta da classe trabalhadora e da juventude. As reivindicações citadas são urgentes há muito tempo. Nem por isso se pode falar em greve a todo instante. A greve depende não apenas da urgência da reivindicação, mas da existência de um estado de espírito combativo o suficiente, à disposição da base ao combate e de uma suficiente vanguarda militante disposta à abnegação necessária para um tipo de movimento que requer energias enormes. Sem isso, aprovar a greve em parca minoria e sem sequer compreender tais elementos é um ato de heroísmo típico do pequeno-burguês individualista, que acredita que tal luta se resolve com coragem e a ação de grandes indivíduos. Aprovam a greve para poder colocar na conta “mais um instituto” mobilizado. Como se uma guerra política se decidisse com listas abstratas!
É por isso que, ainda que de maneira extremamente polarizada, a proporção de pessoas contrárias à greve ganhou maioria, com 50,3% sendo contrários à continuidade da greve na Poli. Este percentual representa um crescimento de 9,3% em relação ao primeiro resultado mensurado no plebiscito consultivo, quando 55% eram favoráveis à greve. A quase totalidade desses votos foram transferidos das pessoas que eram favoráveis à greve — percentual que passou de 55% para 46.8%. Se o primeiro plebiscito evidenciou uma flagrante contradição — greve sem piquete —, o segundo resolveu esta contradição: sem greve nem piquete! De fato, a proporção de pessoas favoráveis ao piquete cresce na ordem de 3,3%, mas tal crescimento, possivelmente tem origem sobretudo nas pessoas que se abstiveram sobre essa questão na primeira consulta. O percentual de politécnicos contrários ao piquete segue firme em 55%.
Porém, não se deve concluir daí, como muitos vanguardistas fazem, que os alunos da Poli são de direita ou reacionários. Essa análise, além de superficial e pequeno-burguesa, não tem fundamento na própria realidade empírica. Os dados do segundo plebiscito mostram que pelo menos 50% dos alunos, em média, eram favoráveis às reivindicações apresentadas. A conclusão, portanto, é que a maioria dos alunos da Poli acreditam que as reivindicações levantadas devem ser conquistas por outro meio que não a greve, e muito menos a greve com piquete.
O pronunciamento feito pelo Reitor da USP, Carlos Carlotti, no dia 4/10, de que a Reitoria já está em movimento para recompor o quadro docente referente a janeiro de 2014 — ano em que a USP atingiu o maior número de docentes contratados — foi enormemente utilizado para convencer os estudantes da Poli de que a greve não era mais necessária, pois sua principal reivindicação já estava em vias de ser atendida. Este fato, evidentemente, pesou sobre a consciência média dos alunos para que se posicionassem contrários à continuidade da greve, bem como pesou a direita organizada direcionando o sentimento de frustração em relação ao método adotado na primeira assembleia para um sentimento anti-greve. Porém, enfatizamos que é um erro não considerar que o maior fator para isto se deve ao vanguardismo e imediatismo tomados na primeira Assembleia, bem como a ausência de espaços de discussão e mobilização capazes de envolver o enorme conjunto da base de alunos da Escola Politécnica.
Este movimento acabou por afastar diversos estudantes do Grêmio — e mesmo do próprio movimento estudantil —, que, nesse momento, é a força política presente no dia a dia e que deveria estar ajudando a construir a consciência dos estudantes para aderir ao movimento de greve. Mesmo que consideremos o plebiscito limitado, não temos acordo em atropelar os processos de cada unidade de estudantes nessa luta! Não existe de maneira alguma uma consciência única dos estudantes ou um modo único de funcionamento. Cada instituto deve ser compreendido de acordo com sua materialidade e os desenvolvimentos políticos devem partir de tal compreensão.
Por fim, os que acham que se faz greve por atropelo se esquecem que a Reitoria não se informa pelas publicações desses “heróis estudantis” em seu instagram. Se informam por seus agentes políticos na administração e na burocracia e sabem muito bem quais são as reais forças em jogo. Esse truque não engana o inimigo, mas infelizmente confunde e desmobiliza os próprios estudantes.
Por que os politécnicos deveriam fazer greve?
Conforme os dados extraídos do Anuário Estatístico da USP, entre 2000 e 2022 (ano dos últimos dados disponíveis), a Poli passou por uma redução de 20,3% (-98) do seu corpo docente, enquanto o número de alunos matriculados cresceu 17,5% (+757). O resultado geral foi um aumento na relação de aluno/docente de 8,9 em 2000 para 13,2 em 2022 — um aumento de 4,2 alunos a mais por docente na Poli. Além disso, nesse tempo, um novo curso foi aberto na Escola — o curso de Engenharia Nuclear.
Fazendo a análise desde o ano 2000, vemos, inclusive, o quão demagógico é o discurso do Reitor da USP de que até o final de 2025 serão preenchidas as vagas de 879 claros docentes, pois o fato da quantidade de docentes ter sido a maior neste ano não implica, necessariamente, que em todas as unidades fosse assim — isso é verdade apenas na média. No caso da Poli, por exemplo, o ano que representou a maior quantidade de docentes não foi o de 2014, mas sim o ano 2000 (ver Tabela Situação da Escola Política). Em 2014, a Poli contava com 95,4% do corpo docente de 2000, isto é, 22 docentes a menos.
Em uma publicação no Instagram do Grêmio da Poli sobre como a falta de docentes afeta a totalidade da Poli, eles apontam que
“Um estudo apresentado feito por um grupo de professores do CTA [Conselho Técnico Administrativo], que estuda a pauta desde outubro de 2022, apresenta a estimativa de aposentadorias de docentes no instituto até 2025. Com base no quadro atual de docentes da Escola, 6% terão aposentadorias compulsórias, 10% terão aposentadorias não compulsórias e 14% serão professores sêniores.”
Tomando como referência o número de docentes de 2022 (= 385), teríamos um total de cerca de 115 docentes nessas estatísticas, sendo 23 destes aposentados compulsoriamente, cerca de 38 em condições de se aposentar, mas sem obrigatoriedade, e 54 na condição de professores sêniores. O atual plano da Reitoria não prevê a reposição dos docentes que irão deixar a Universidade até o fim da atual gestão de Carlotti-Arminda.
Tabela 1 — Situação da Escola Politécnica (Poli) (2000-2022)
Gráfico 1 — Variação de docentes na Poli (2000-2022)
Gráfico 2 — Variação de alunos na Poli (2000-2022)
Gráfico 3 — Variação na relação aluno/docente na Poli (2000-2022)
Concretamente, isso significa não apenas uma maior quantidade de alunos para uma menor quantidade de professores — que implica em sobrecarga do trabalho docente e turmas cada vez mais lotadas —, mas também uma oferta menor e menos regular de disciplinas — por vezes, inclusive, o seu não oferecimento. Mesmo a falta de professores em institutos e faculdades vizinhas prejudica todos os alunos, em maior ou menor grau, pois se o Instituto de Física (IF) e o Instituto de Matemática e Estatística (IME) sofrem com a falta de professores, isso também afetará os alunos da Poli, que precisam cursar disciplinas obrigatórias nestes institutos.
Além disso, os alunos precisam dos docentes agora, e não daqui a um ano e meio. Não há motivos para não prosseguir na contratação de professores em Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) já, e, com a garantia do gatilho automático, para cobrir o déficit atual — tendo por base o número de docentes em 2000 e não em 2014 no caso da Poli! —, como também garantir que este número não irá sofrer redução. Na verdade, começar agora a lutar pela sua ampliação.
Um passo atrás, dois à frente
Com o fim da greve na Poli, resta a questão: que fazer? Os pequeno-burgueses irão falar por dias que os politécnicos são individualistas e só pensam em si mesmos e que são de direita etc. Porém, aqueles seriamente preocupados com o movimento, baseando-se no movimento real, deverão colocar-se à frente nesse processo de disputa de consciência que está aberto. Este passo atrás não necessariamente precisa implicar em uma derrota. Ao contrário, pode significar o recuo necessário para que se possa dar dois passos à frente na próxima etapa. Mas isso só será possível, reiteramos, se a etapa fundamental do convencimento político for plenamente realizada por meio de espaços abertos e livres ao diálogo e à disputa de ideias.
Nestes espaços, aqueles que argumentarem que “a decisão de entrar em greve é pessoal e individual”poderão ser confrontados com o contra-argumento legal, muito bem esboçado pelo Departamento de Direito do Trabalho e Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP, que, em anota, lembrou que
“a greve é um ato político que o direito apreendeu como um instituto que se exerce por meio de deliberação coletiva, atendidos os pressupostos de representação e de participação democrática. Neste contexto estritamente jurídico, uma vez deflagrada a greve, como um direito coletivo, restam em suspenso os interesses pessoais daqueles que se viram vencidos (ou não quiseram participar) na deliberação. Também aqueles que são atingidos pela greve não podem sobrepor os seus interesses à própria greve, até porque a greve é o momento em que as coisas ficam fora de lugar, para que se possa, a partir do necessário debate, reconstruir dialética a realidade precedente. Não há, pois, uma realidade paralela, que se mantenha inabalada diante de uma greve. E a greve, como mecanismo de instauração do debate em torno das reivindicações formuladas e instrumento das pessoas que, de outra forma, não seriam seriamente ouvidas, é a essência da democracia [burguesa]. Considerando que a greve, ao quebrar a rotina e a ‘normalidade’, gera a impressão de causar transtornos, quando, de fato, os transtornos, para aqueles que reivindicam já estavam postos, falar dos ‘incômodos’ gerados pela greve é desconsiderar a existência da própria greve e, neste desvio, obstar o debate sobre o conteúdo das reivindicações. Apenas ter olhos para os ‘transtornos’ da greve, com o objetivo de evitar ouvir o conteúdo do que se pleiteia, é, essencialmente, um ato antidemocrático”.
Ou que, do ponto de vista político, quando uma minoria se opõe à decisão coletiva da maioria, tem-se uma ditadura da minoria e não “mais democracia”, como querem fazer pensar a burguesia e seus representantes. E que é preciso fazer a experiência com a decisão da maioria, para que se possa ver, na prática, qual é a posição mais correta em um dado momento, podendo a própria minoria ser convencida do contrário ou, se a realidade assim impor, convencer de que a sua posição era a correta.
Aos que falarem que “a greve atrasa a formatura de muitos alunos, prejudicando-os futuramente”, poderiam ouvir de volta que o cancelamento de disciplinas, obrigatórias e optativas, atrasa a formação de quem está entrando agora e mesmo a ausência do oferecimento de disciplinas ou a diminuição regular da sua oferta afeta quem está mais avançado no curso.
Àqueles que alegassem que “nenhum outro curso realiza plebiscito”, tão logo entenderiam que não se pode atropelar a cultura de um lugar querendo replicar automaticamente como é em outro, sem que sejam apresentados argumentos políticos fundamentados e convincentes. Outros alegariam que “o plebiscito é uma forma mais democrática porque garante o direito a voto de alunos que não conseguem estar presentes nas Assembleias, seja por motivos de trabalho, de distância ou outros compromissos, e que, por isso, seria mais democrático”. E que poderiam ouvir, do outro lado, que o plebiscito não significa um processo mais democrático, por mais que permita uma quantidade de votos maior, pois o mais importante no processo democrático é a discussão política prévia à tomada de decisão coletiva — que se dá em um espaço comum e efetivamente democrático de discussão e deliberação que é a Assembleia. Poderiam sugerir que, então, passassem a realizar Assembleias em dois ou três turnos, para que assim a maior parte dos alunos pudessem participar, falar, votar e participar efetivamente na construção do que foi encaminhado pela maioria.
Outros alegariam ainda que o próprio plebiscito poderia ser usado como uma ferramenta a favor de fortalecer e construir Assembleias mais fortes e mais democráticas, a depender de cada necessidade real. Cabe ressaltar que o método da Assembleia presencial não se torna tradição do movimento sindical e estudantil à toa. Ela permite além do debate, da decisão coletiva, a medição das verdadeiras forças que se dispõe a deslocar-se e colocar-se fisicamente em combate pelo movimento.
E quando algum estudante argumentasse, de maneira formalista, que “o estatuto prevê o quorum mínimo de 1% e que, portanto, o movimento que se tomou naquela primeira Assembleia sobre a greve foi legítimo”, poderia ouvir sobre a unilateralidade quantitativa do seu ponto de vista, e convidá-lo a refletir de maneira a considerar as distintas determinações que envolvem uma votação de greve em um local como a Poli, atentando-se tanto para os aspectos quantitativos (quorum e diferença de votação entre propostas distintas) quanto qualitativos (grau de discussão e convencimento), e compreender, assim, que nem toda vitória eleitoral representa uma vitória política.
O próprio Grêmio será questionado pelo fato de que o indicativo de greve se deu com praticamente um mês antes da primeira Assembleia Geral convocada pelo Grêmio, e que as discussões que fossem realizadas nesse período de um mês, por meio de passagens em sala, reuniões abertas, tempo de aula para discutir as pautas e reivindicações entre os alunos e com os professores etc. etc. poderiam ter auxiliado em muito que problemas como este de atropelamento tivessem sido evitados.
Por fim, aqueles que acreditassem que era possível manter a greve sem o piquete, seriam convidados a ponderar sobre o que é uma greve, qual é o seu objetivo e quais são as formas de colocá-la em prática. Que uma greve estudantil sem piquete equivale a uma não greve, pois se o curso dos acontecimentos segue normal, então não se tem a devida atenção às reivindicações levantadas pelo conjunto dos estudantes, e o atual estado das coisas continua a ser como sempre foi — falta de professores e políticas de permanência estudantil deficitárias e insuficientes para atender a todos os alunos. Compreenderiam que uma greve com piquete e ocupação não visa depredar nenhum patrimônio público, mas, ao contrário, conservá-lo e ampliar o seu acesso.
Quais lições tiramos desta experiência?
Na atual crise do capitalismo que atravessa o mundo, os serviços públicos são um alvo perfeito para a burguesia. No último período, os ataques contra os estudantes e trabalhadores tem se agudizado na forma do corte dos direitos historicamente conquistados pela luta, sejam eles saúde, transporte, educação etc. Em São Paulo, o governo Tarcísio é um claro retrato desse avanço. Desde que assumiu o governo, deixou clara sua sanha por avançar com a privatização em todo o Estado de São Paulo, com planos para privatizar a CPTM, o metrô e a SABESP, construir um canal santos-guarujá, e entregar em seguida para as mãos da iniciativa privada, dentre outros infindáveis ataques aos direitos da classe trabalhadora e dos estudantes.
A USP não está isolada dessa conjuntura. O projeto de precarização já avança na educação em São Paulo, e a USP foi atravessada por anos pela falta de professores e pela diminuição do quadro de funcionários. Mesmo que se conquiste as atuais reivindicações de contratação, não podemos nos iludir com essa conquista. Precisamos cada vez mais avançar no debate sobre a fraudulenta dívida pública, que todos os anos consome mais de 50% do nosso orçamento, pouco investimento para as áreas como saúde, educação, transporte e moradia. Precisamos avançar na luta por todo o investimento necessário à educação pública, gratuita e para todos! Barrar todas as privatizações e impor o transporte público, gratuito e universal, bem como os serviços públicos essenciais, como a água.
Mas o cenário que se constrói à nossa frente é de refluxo momentâneo do movimento de greve como um todo, tanto na USP quanto fora dela — como é o caso das mobilizações contra as privatizações do metrô e da CPTM, após as últimas assembleias que negaram a continuidade do movimento de paralisação. Neste processo, as direções sindicais e estudantis jogam um peso maior. O diagnóstico de Trotsky, de que no atual estágio do capitalismo, o problema não são as forças produtivas, mas sim a crise de direção, mostra-se plenamente válido. Verdade seja dita, com raras exceções, não se criou o devido ambiente de discussão política e convencimento que uma greve dessa ossada impõe. Mesmo na FFLCH não se vê um movimento grevista tão forte como se poderia pensar. As reivindicações postas na ordem do dia permanecem legítimas e a luta por elas deve continuar, mas com a devida seriedade na análise e na construção.
As organizações que hoje dirigem o movimento estudantil, desde o PSTU/Rebeldia e MRT/Faísca na Letras, UP/Correnteza, PCB/UJC e MES/Juntos! no DCE e os autonomistas em tantos lugares entram em perfeito acordo quando o problema é o método esquerdista no movimento estudantil, o heroísmo pequeno-burguês que vimos ser aplicado na Poli e em outros locais.
O que vimos fazerem não foi mera coincidência ou um caso pontual. Constitui um método recorrente, quase programático, que resulta quase sempre na abertura para o caminho da derrota.
De outro lado, a moderação, o conciliacionismo e o reformismo, uma concepção de que é possível ter acordos com a Reitoria e o governo, também fazem parte do pensamento de parte destas organizações e se expressa na concepção de que o problema não é a falta de investimento na Universidade Pública ou o problema do pagamento da dívida pública, mas apenas uma questão administrativa, uma incompetência dos gestores de algumas unidades. Com isso a solução está nas planilhas e não na luta de classes, na greve.
É preciso que um balanço leve à compreensão de que o movimento estudantil precisa construir uma direção política consciente, com um programa consciente e revolucionário, com enraizamento nas bases dos cursos, com especial atenção aos calouros e que esteja disposta ao difícil trabalho de construção a partir do convencimento e do exemplo. Os esquerdistas tentam pular etapas, o que a história não tem por hábito admitir. Os reformistas não querem ir adiante e, com isso, devem ser deixados para trás.
Você é comunista? Então organize-se!
Por fim, fazemos um chamado àqueles lutadores e lutadoras que compreendem a importância do momento político que estamos vivendo e querem se organizar para lutar contra o capitalismo e se preparar coletivamente para intervir politicamente nos próximos acontecimentos decisivos que se darão não apenas na USP, mas no terreno da luta de classes no geral! Junte-se à Liberdade e Luta, junte-se à Esquerda Marxista, junte-se à Corrente Marxista Internacional!
Preencha o forms e venha militar conosco: https://forms.gle/eBNa7aSgNBt52Knw9