Cinco anos de Liberdade e Luta: a campanha público, gratuito e para todos – Parte 1

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Em celebração aos cinco anos de fundação da Liberdade e Luta (31/01/2016-31/01/2021) publicaremos uma série de artigos resgatando nossa história, campanhas e combate para derrubar o sistema capitalista e abrir um futuro socialista para os trabalhadores e sua juventude! O artigo de Mell Pecóis está apresentado em duas partes e ele resgata a campanha “Público, Gratuito e Para Todos: Transporte, Saúde e Educação! Abaixo a repressão!”, campanha esta que criou as bases para a fundação da Liberdade e Luta em 2016 na Fábrica Ocupada Flaskô!  

O que foi a campanha Público, Gratuito e Para Todos: transporte saúde e educação, abaixo a repressão?

O ano de 2013 marcou um novo período na luta de classes para os trabalhadores e a juventude. As assim chamadas “Jornadas de Junho”, manifestações que levaram milhões de pessoas às ruas naquele ano, foram as maiores manifestações no país desde o impeachment de Fernando Collor em 1992.

Inicialmente, seu estopim se deu por causa do aumento no valor das passagens de ônibus, mas elas expressaram muito mais do que insatisfação por causa de R$0,20 centavos. Devido a uma intensa reação do Estado, com a repressão das polícias, deixando mortos, feridos e presos, as manifestações se tornaram massivas, e segundo o Ibope, contaram com 84% da simpatia da população em geral.

Os gritos ouvidos nas ruas eram por transporte público digno, por educação e saúde públicas que naquele momento já se encontravam há anos sendo sucateadas. Cartazes e palavras de ordens pediam pelo fim da repressão do Estado, pelo fim da violência policial e inclusive pedindo o fim da própria Polícia Militar.

Porém, mesmo com as massas nas ruas naquele ano, o movimento não foi capaz de promover mudanças reais no establishment, mesmo que essas mudanças representassem os sonhos dos jovens que ocupavam as ruas naquele momento.

As jornadas de junho e as direções traidoras

E os motivos foram vários, mas principalmente a falta de uma direção política. Os partidos que tradicionalmente representavam a classe trabalhadora, o PT e PCdoB, não tiveram a capacidade de guiar as massas para uma grande virada rumo à uma saída revolucionária. Muito pelo contrário, se opuseram a ela. Na verdade, sua intenção era conter o movimento para continuar seus acordos dentro dos gabinetes.

A juventude estava confusa por anos de despolitização organizados pelo PT, e pelo vácuo político que esse partido, e a direção do PCdoB no movimento estudantil, deixaram. Assistindo o PT por treze anos no governo, fazendo acordos com os patrões e se assemelhando cada vez mais aos partidos burgueses, a juventude não reconhecia o PT como seu, mas como parte da ordem. Inclusive por isso havia uma porcentagem dos manifestantes que repelia o uso de bandeiras de partidos nos atos. O PT não conseguiu controlar a juventude por anos de negligencia às suas necessidades, e por isso se virou contra ela a chamando de reacionária.

Foi daí que iniciou sua tese de “onda conservadora”, que aposta em um crescimento dos ideais liberais entre a população que vem elegendo candidatos conservadores nas eleições. O que não poderia ser mais falso. O histórico de traições de partidos construídos sobre uma base operária à independência do movimento da classe trabalhadora e às suas pautas, suas alianças com a burguesia e seu reformismo listaram os motivos para que muitos governos de direita fossem eleitos, inclusive Bolsonaro.

Durante o governo do PT, Lula criou em 2004 a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), com a função de “controlar distúrbios públicos”, aprofundando o investimento no braço armado do Estado que sempre usa a sua força na classe trabalhadora. No governo Dilma foi sancionada a Lei Antiterrorismo, que criminaliza os movimentos sociais.

Dilma nomeou Joaquim Levy como seu ministro, e o mesmo fazia defesa de grandes cortes nos serviços públicos, e da lei de terceirização. Apenas essa nomeação mostrou o programa político de pacto com a burguesia e com o imperialismo que seu governo pretendia seguir. Não sendo suficiente, a “pátria educadora” de Dilma (slogan usado em sua campanha presidencial) cortou R$ 10,5 bilhões da educação; e não moveu uma palha na questão da legalização do aborto. Esses são poucos exemplos de traições do PT sem contar o governo Lula.

Anos de PT aceitando acordos patronais e cedendo a pressões imperialistas. Era óbvio que as massas trabalhadoras, principalmente a juventude que não viu esse partido ser fundado, iria desconfiar e rejeitar sua política, o denunciando como “mais do mesmo”. Inclusive por isso havia uma porcentagem dos manifestantes repelia o uso de bandeiras de partidos nos atos. Chamar a juventude que ocupava as ruas de fascista, a mesma juventude que pedia saúde, transporte, educação, e o fim da corrupção, apenas seus direitos básicos, é de uma canalhice e oportunismo sem tamanho.

Ainda hoje, há organizações que, em nome da defesa do Estado democrático de direito, formam frentes amplas com partidos burgueses e inimigos da classe trabalhadora inescrupulosamente. Vimos isso com a publicação do Manifesto Estamos Juntos, no qual Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Fernando Haddad (PT), e Marcelo Freixo (PSOL) assinaram embaixo. A luta deles “contra o fascismo” e “pela democracia” funcionam perfeitamente como desculpa para seus conchavos políticos.

Por isso mesmo Dilma respondeu ao movimento com um plano de “cinco pactos nacionais” e a proposta de convocação de um plebiscito para desviar as lutas das ruas direto para as instituições. Além da reforma política (mudanças nas regras sobre financiamento de campanhas eleitorais, coligações entre partidos, etc.), o governo queria acalmar a indignação da classe trabalhadora propondo punições mais severas diante da corrupção.

A melhoria no atendimento da saúde proposta pelo governo seria feita perdoando dívidas de hospitais privados para que eles pudessem atender o SUS; para o transporte seu plano era desoneração fiscal, para apenas abrir a possibilidade de redução de tarifas; para a educação, a proposta era investir com dinheiro dos royalties da exploração do petróleo, ou seja, aprofundando a privatização do petróleo brasileiro. Nada disso resolvia os problemas profundos apresentados nas ruas pela juventude.

É necessário também chamar atenção para os problemas com o Movimento Passe Livre (MPL), a principal liderança na convocação contra o aumento da tarifa. O MPL sempre se mostrou avesso a votações, e não socializavam as decisões que tomavam como direção. Inclusive se recusavam a se assumirem como dirigentes dos atos, quando claramente eram assim considerados pelas multidões que os seguiam, além de falarem que o movimento era apenas “pauta única”.

Isso porque o MPL tem como princípios “a autonomia, o apartidarismo, a independência e a horizontalidade”. Defendem que tudo deve ser decidido com consenso, ou seja, na prática, nada decidido em uma manifestação com vinte mil pessoas. Então para não comprometer seus métodos, preferiam resolver tudo sozinhos, sem uma comunicação clara com o restante dos manifestantes, gerando uma confusão generalizada entre as pessoas que as vezes não sabiam nem para onde as passeatas iriam, muito menos se havia encaminhamentos sérios para garantir suas reivindicações. Na terceira grande manifestação, no dia 11 de junho em São Paulo, Caio Dezorzi (2013) relata que:

(…) cerca de 10 mil pessoas se reuniram e começaram a descer a Rua da Consolação sentido centro, guiados pelo MPL, mas novamente sem saber qual era o objetivo e destino da passeata. (…) Então começa uma forte chuva. (…) Milhares de manifestantes molhados seguiram pelo acesso à Av. Liberdade, passaram pela Praça João Mendes e, quando todos deduziam que a passeata seguiria em direção à prefeitura, o MPL guia a massa para descer a Av. Rangel Pestana em direção ao Terminal Parque D. Pedro. Muitos manifestantes reclamam, pois entendem que o mais consequente a fazer seria ir à prefeitura, que é quem pode ceder à reivindicação central do movimento. Neste ponto, cerca de um terço dos manifestantes abandona a passeata e se dispersa, a maioria se dirigindo já individualmente ao metrô Sé, para voltar para suas casas.[1]

Nesse dia cerca de vinte pessoas foram presas. As bombas de gás não teriam dispersado todo o ato, nem assustado dez mil pessoas se a direção fosse clara. Mas como exigir a resistência da multidão, se ela não sabe para onde está indo e nem o que fará lá? No dia 17 de junho, milhares de pessoas marcharam até o Congresso Nacional em Brasília, e no Rio de Janeiro, 100 mil pessoas foram até a Assembleia Legislativa. Mas chegando no destino (im)previsto, nada acontecia porque o MPL não tinha propostas.

Segundo James Canon, fundador do Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) nos Estados Unidos no final da década de 1930, as “questões de organização e métodos organizativos não são independentes das linhas políticas, mas subordinados a elas”. Esse despreparo e essa recusa em usar métodos de organização tradicionais no movimento operário são frutos de um idealismo do MPL, e do movimento anarquista. O horizontalismo alimenta a ilusão de que é possível, diante de todo o aparato burguês de repressão à organismos representativos da sociedade, alcançar uma organização igualitária e orgânica, mesmo contendo um ecletismo político diante das contradições do capitalismo por parte de seus membros. E por isso que é comum ver surgir no seio desse tipo de organização um tipo de liderança oculta que comanda as coisas por trás das “cortinas democráticas”.

O MPL se opunha ao uso de carros de som e microfones com amplificador, dizendo que essas tecnologias são autoritárias. Mas o autoritarismo está em não decidir as coisas coletivamente. Precisávamos organizar assembleias feitas antes dos atos, levar propostas e experimentar com o voto da maioria, depois avaliar. Essas propostas deveriam ser concretas frente aos governos que negavam nossas demandas, como ocupações de prédios públicos, o da prefeitura, ou da secretaria de transportes, por exemplos. Com a deliberação votada nas assembleias, as massas não se dispersariam tão facilmente porque fariam parte da tomada de decisão de forma consciente.

Por mais bem-intencionados que os ativistas do MPL estavam, e mesmo que a juventude e os trabalhadores tenham conseguido segurar o aumento da passagem de ônibus (o que representou uma vitória para o movimento), suas demandas de classe foram desprezadas pelos governos, e não apenas por eles, como também por essas organizações tradicionais e seus dirigentes adaptados.

Mais uma vez, Trotsky estava mais do que certo quando disse que a crise da humanidade é a crise de direção. Pensando nisso, a campanha Público, Gratuito e Para Todos (PGPT) nasceu com a intenção de responder verdadeiramente as vozes das ruas que, durante o levante massivo da juventude e dos trabalhadores, transmitiam aos brados suas necessidades mais sentidas.

E nos anos seguintes, mais lutas!

Esse intenso movimento das massas brasileiras teve como plano de fundo as revoluções árabes na Tunísia e Egito, o Movimento dos Indignados na Espanha e o Movimento Occupy nos EUA, de apenas alguns anos antes. O povo mostrava seu ânimo para defender a própria vida e seus direitos básicos dos ataques da burguesia, que desejava se recuperar da crise de 2008 às suas custas.

Greves de vários setores da classe trabalhadora e em vários estados brasileiros, como a dos garis em 2014, e a dos professores em 2015, e as ocupações de escolas por secundaristas, chacoalharam as direções das organizações tradicionais. Assim como no caso de 2013, as direções do PT, da CUT, do PCdoB e da UNE, com a sua velha política de reformas e de coalizão com a burguesia, tentaram conter e isolar todo o movimento.

A reeleição de Dilma Rousseff para a presidência em 2014 se deu apenas porque, aos olhos da classe trabalhadora, era o “mal menor” em comparação com seu principal concorrente, o infame Aécio Neves (PSDB). Sua eleição foi a última advertência da classe trabalhadora ao PT, muito porque durante as eleições, Dilma prometeu combater o programa de Aécio. Mas em seu discurso de posse já demonstrava que iria cumprir os mesmos acordos com a burguesia que Lula havia prometido em sua “Carta ao povo brasileiro”.

A priorização do pagamento da fraudulenta dívida pública, comprometendo assim quase metade do orçamento anual, ao invés de usá-lo na manutenção dos serviços públicos, definitivamente não ajudou na popularidade cada vez mais prejudicada do Partido dos Trabalhadores diante da classe que jurava defender.

Mas essa sua submissão aos interesses do capital e a insistência do PT em fazer alianças com a burguesia mais reacionária (vide Michel Temer, do MDB) foi seu tendão de Aquiles. Além do partido ser cada vez mais rechaçado pelo movimento da classe trabalhadora e da juventude, uma das consequências foi o impeachment presidencial em 2016.

Tudo isso é importante para entender como a falta de uma direção revolucionária, com palavras de ordem corretas e um programa revolucionário faz em tempos de convulsão insurrecional.

É também fundamental que façamos uma análise da situação utilizando o método do materialismo histórico elaborado por Marx e Engels. Apenas dessa forma conseguimos nos aproximar de forma científica dos motivos que levaram à criação de uma campanha como a Público, Gratuito e Para Todos, e posteriormente da necessidade do nascimento da Liberdade e Luta e sua proposta de intervenção na juventude.

[PARTE 2]

Fontes: 

[1] Dezorzi, C. É preciso organizar o movimento contra o aumento das tarifas para chegar à vitória. Esquerda Marxista, jun. 2013. Disponível em: https://www.marxismo.org.br/e-preciso-organizar-o-movimento-contra-o-aumento-das-tarifas-para-chegar-a-vitoria/. Acesso em: nov. 2020.

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