Como combater a corrupção no Movimento Estudantil?

Nas últimas semanas, estabeleceu-se uma troca de acusações de corrupção e fraude nos movimentos estudantis das universidades USP, UFMG e PUC-SP, entre PCBR/UJC e UP/Correnteza, MES/Juntos! (PSOL) e Resistência/Afronte (PSOL). A crise é tamanha que já resultou na implosão do DCE da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dirigido em conjunto pelo Movimento Esquerda Socialista (MES), UP e Resistência. Esses episódios guardam lições importantes para os comunistas internacionalistas em sua atuação nas entidades estudantis e sindicais, que abordaremos neste artigo.

Estamos vivendo uma nova situação política, cuja característica fundamental é uma enorme pressão burguesa e imperialista contra as condições de vida da classe trabalhadora e da juventude. Trump está atacando as universidades, a educação, a cultura e a ciência. Na China, os cientistas e a própria ciência estão controlados e submetidos a uma verdadeira ditadura. No Brasil, há previsão de corte de R$ 42,3 bilhões até 2030. As universidades brasileiras estão caindo aos pedaços e muitas delas podem ficar sem recursos para manter as atividades cotidianas ainda este ano.

Há uma enorme pressão para a garantia das condições de sobrevivência individual, que impede uma enorme quantidade de estudantes e trabalhadores de participar da luta coletiva e revolucionária. Essa situação pressiona as organizações políticas e sindicais a adaptarem-se ao oportunismo, entendido aqui como Lênin compreendia: uma agência ideológica da burguesia entre o movimento dos trabalhadores (e podemos adicionar também o movimento dos estudantes). Isso empurra militantes e organizações a encontrarem soluções “fáceis” e “rápidas” de financiamento, descolando-se do estreito vínculo com as bases, dos princípios da independência política e da ruptura com o capitalismo e seu Estado. Como resultado, criam-se programas políticos adaptados e até mesmo contrarrevolucionários, assim como métodos fraudulentos, burocráticos e corruptos.

Do ponto de vista histórico, desde que os trabalhadores passaram a se organizar de maneira independente da burguesia, há um combate permanente pela destruição das organizações operárias e estudantis independentes. Em momentos agudos da luta de classes, essa destruição efetivou-se de maneira mais aberta e direta, como na Ditadura Militar, em que a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), em 1964, foram postas na clandestinidade, tiveram suas sedes demolidas e suas atividades proibidas.

Contudo, desde o fim da ditadura, o combate da burguesia para destruir as organizações do movimento operário e estudantil dá-se pela integração das entidades sindicais, estudantis ou operárias, desde a base até o topo, no Estado burguês. Os meios para isso são: desvios de enormes quantidades de dinheiro público para o financiamento de campanhas e partidos, por meio do fundo eleitoral e partidário; descontos compulsórios das folhas de pagamento dos trabalhadores para financiar os sindicatos, negociados diretamente com os patrões; monopólio da carteirinha estudantil, que vincula o direito de meia-estudantil à entidade reconhecida pelo Estado; repasse de porcentagens das mensalidades dos estudantes nas universidades privadas diretamente às entidades estudantis; alocação de espaços públicos das universidades estaduais e federais para xerox, cantinas e outras lojas, como meio de arrecadação das entidades estudantis.

Todos esses meios têm como objetivo destruir a independência política das entidades estudantis e a independência de classe dos sindicatos, subordinando essas entidades ao Estado burguês. Além disso, afastam as direções das entidades estudantis e sindicais da necessidade de um vínculo político, estreito e permanente, conectado com as lutas dos estudantes e trabalhadores, por um lado, e com o controle operário e estudantil, por outro.

Qual é o sentido de o movimento operário e estudantil ter como uma pedra angular de seus princípios a independência política e financeira da burguesia e do Estado? Permitir a plena autonomia dos estudantes e dos trabalhadores para se mobilizarem por seus interesses, mesmo quando eles vão em choque direto com os interesses dos patrões e de suas instituições, como o próprio Estado. É essa independência política e financeira que pode permitir que os trabalhadores destruam o Estado capitalista e expropriem a burguesia, estabelecendo o controle operário, democrático e planificado da economia. Se somos sérios com esse objetivo estratégico, nossas táticas políticas e de financiamento estão subordinadas a isso. Não serve qualquer meio, nesse caso, porque meios que comprometem ou integram as entidades estudantis e sindicais — e partidos políticos — ao Estado capitalista só podem resultar numa política oportunista e, em última instância, fundir-se com a política burguesa, como explicou Lênin em “O imperialismo, fase superior do capitalismo” (ver capítulo VIII – Parasitismo e a decomposição do capitalismo).

Isso é totalmente verdadeiro no cenário do movimento estudantil brasileiro. Como meio de ampliar a privatização da educação superior, o então presidente Fernando Henrique Cardoso aprovou a lei do EAD, em 1996, por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), e instituiu o FIES (Lei nº 10.260/2001). Lula deu continuidade às políticas de transferência de dinheiro público para a iniciativa privada com a Lei de Inovação Tecnológica nº 10.973/2004, a Lei do Prouni nº 11.096/2005 e o Decreto nº 7.423/2010, das parcerias entre universidades federais e empresas privadas.

O que aconteceu no movimento estudantil? As direções estudantis ligadas ao PT e ao PCdoB (JPT, UJS, Kizomba, LPJ, PDT, JPL etc.), que compõem a direção majoritária da UNE, se adaptaram a essa política. Substituíram o programa pelo qual a UNE foi reconstruída em 1979, no congresso realizado em Salvador (BA), que determinava que o movimento estudantil deveria lutar por vagas para todos em universidades públicas e pelo fim do ensino pago. No lugar dessas bandeiras, desde a década de 1990, a direção majoritária da UNE passou a defender o seu contrário, sob a consigna “Regulamentação do Ensino Superior Privado”, “Regulamentação do EAD”, “Cotas”, “10% do PIB para a educação” etc. Abandonaram assim a luta histórica da UNE pela educação pública, gratuita e para todos, que implica na luta pelo fim do vestibular, federalização de todas as privadas que recebem dinheiro público e fim do pagamento da dívida interna e externa.

Com a política da direção majoritária, citada acima, que não mobiliza e unifica o conjunto dos estudantes e se subordina ao capitalismo, logo decorreram os métodos burocráticos e fraudulentos para as eleições de delegados: urnas fantasmas, roubo de urnas, listas falsas de estudantes votantes, distribuição de delegados entre as forças políticas sem eleições, prazos extremamente pequenos para inscrições de chapas, impedindo a ampla participação estudantil e inviabilizando as forças menores de cumprirem com os requisitos burocráticos de inscrição, orientação de estudantes a irem votar em urnas inexistentes etc. Sem falar nos métodos de violência física e coação durante as eleições.

No que tange ao financiamento das campanhas e deslocamento das delegações, vale tudo: desvio de dinheiro das entidades estudantis, notas fiscais superfaturadas, rifas falsas etc.

Contudo, esses métodos não ficaram restritos à direção majoritária da UNE, e já faz algum tempo. Ao passo que o programa da majoritária e da oposição de esquerda da UNE apenas se diferenciam em relação à independência da entidade em relação aos governos, mas compartilham vários aspectos em comum, diferentes organizações da oposição de esquerda (composta por UP/Correnteza, PSOL, PCBR, PCB, MRT e PSTU) e do chamado “Terceiro Campo”, a Juventude Sem Medo (Revolução Solidária, organização dirigida por Guilherme Boulos), aderem a tais métodos burocráticos, fraudulentos e corruptos em sua prática política nas entidades estudantis e em seus partidos políticos.

Isso explica o posicionamento de todos eles na assembleia conjunta dos cursos de Ciências Sociais e Filosofia da USP, realizada no dia 7 de abril deste ano. Na oportunidade, nomeadamente UP/Correnteza, PCBR/UJCe Juntos/MES se posicionaram contra a proposta da JCI de independência financeira das entidades estudantis, vinculando a arrecadação de recursos com a filiação dos estudantes na entidade e a extinção de locações de xerox e cantinas. Essas organizações votaram a favor da locação para a iniciativa privada de espaços na universidade pública, isto é, a privatização do espaço público para gerar lucro a uma empresa com a qual o centro acadêmico colabora, recebendo um aluguel.

Explica também por que, um ano antes, foi jogado tanto peso, sobretudo pela Unidade Popular (UP), para impedir a independência financeira da Amorcrusp, a associação dos moradores do Conjunto Residencial da USP (Crusp). Explica também por que o DCE Livre da USP, dirigido atualmente pela UP, PCBR e Juntos/MES, ampliou a quantidade de aluguéis vinculados ao DCE, que antes já recebia aluguéis de uma cantina e agora recebe também de uma ótica e uma loja de Tecnologia da Informação.

Essas posições e métodos são reflexo do abandono de uma orientação de independência política e financeira, de compromisso com a classe trabalhadora, de enfrentamento ao capitalismo e ao imperialismo. O que se expressa também em uma prática oportunista em relação ao programa, que em um lugar pode ser “pelas cotas” e, no outro, “pelo fim do vestibular”, por exemplo. Vale tudo. Depende do que vai ajudar a eleger mais delegados ou melhor posicionar tal ou qual organização na disputa de cargos nas entidades municipais, estaduais e nacionais.

Outro aspecto desse debate, comum a todas essas organizações, é a exigência de “transparência” das finanças da entidade — o que está correto em si — contudo, quando descolado do controle estudantil e da independência em relação aos patrões e ao Estado, torna-se mais um meio de destruir as entidades estudantis e sindicais. Nenhuma dessas organizações questionou, em suas notas, a origem dos recursos, mas sim como são administrados e o “compromisso” em explicar como administraram as despesas. Clamam por um conselho financeiro, que audite as contas e apresente uma prestação das contas do mandato, o que se torna apenas um formalismo diante dos estudantes.

A transparência das finanças da entidade estudantil ou sindical só pode ser praticada verdadeiramente sob a bandeira do controle estudantil e da independência política e financeira frente à classe burguesa e seu Estado, o que, por sua vez, necessita de um vínculo estreito da direção com a base. E o fio estreito que liga a direção e a base é um programa político que responda às suas necessidades e uma política de autofinanciamento baseada apenas nas contribuições dos próprios estudantes.

A Juventude Comunista Internacionalista (JCI), fração jovem da Organização Comunista Internacionalista (OCI), tem uma longa tradição de independência de classe. No movimento estudantil, temos combatido há anos pela total independência das entidades estudantis em relação ao Estado e aos patrões. Em nossas teses para o 60º Congresso da UNE, que acontece em julho deste ano, explicamos:

“Um dos principais reflexos são as finanças das entidades. Deslocadas da base, não buscam mais uma independência financeira junto a seus afiliados; a UNE é sustentada com base no monopólio da carteirinha estudantil, onde o direito do estudante é vendido, e o estudante deve pagar, involuntariamente, à entidade; e outras entidades menores sustentam-se, muitas vezes, com base no aluguel dos espaços que foram cedidos pelas universidades públicas. Isso significa a privatização de espaços públicos.

Acreditamos que as entidades estudantis devem ser financiadas voluntariamente pelos estudantes representados por elas, pois só assim é possível manter uma independência financeira e, assim, ter uma independência política.” (Tese de Movimento Estudantil “Por uma UNE livre, independente, de base e socialista”)

É uma de nossas bandeiras no movimento estudantil a luta por sindicatos de estudantes livres, independentes, democráticos e de base. Inclusive, desenvolvemos um modelo de estatuto baseado nesses princípios, com um passo a passo para criar ou combater nas entidades já existentes sob essa base.

Não há fórmulas mágicas contra a corrupção e o oportunismo. Os métodos derivam do programa, dos princípios e da teoria. Sem um programa de ruptura total com o capitalismo, que exige uma posição de princípio sobre independência de classe e total confiança na capacidade revolucionária da nossa classe, o caminho para o oportunismo está aberto. Há uma saída? Sem dúvida! Essa saída é lutar por um programa político comunista e internacionalista, de total ruptura com o capitalismo e com o imperialismo. Uma referência sobre isso é o programa que a JCI formulou como conclusão da sua tese para o Congresso da UNE deste ano.

Os escândalos recentes de corrupção e fraude no movimento estudantil estão fazendo uma camada mais consciente dos estudantes refletir sobre como se chegou a essa situação e, o mais importante, como superá-la e construir algo que sirva como instrumento político. Podemos, portanto, sintetizar a contribuição da JCI para este esforço com o seguinte programa básico:

  • Ruptura com toda forma de financiamento vinda de repasses das universidades, de aluguel de salas, xerox ou cantinas, de venda de direitos como as carteirinhas ou de “clube de benefícios”;
  • Estabelecimento de autofinanciamento estudantil, com recursos oriundos exclusivamente da contribuição voluntária e direta dos estudantes para suas entidades, devido à sua convicção sobre a importância de sua existência como entidade e seu programa de lutas;
  • Exigir prestação de contas das entidades em assembleia sobre a origem dos recursos e seus gastos, assim como que passem a ter suas finanças baseadas exclusivamente no autofinanciamento estudantil;
  • Defesa da liberdade democrática no movimento estudantil: nenhum estudante deve ser sabotado, enganado ou violentado por suas ideias políticas;
  • Denunciar todas as ações burocráticas, fraudulentas ou violentas em debates ou em votações como algumas das piores heranças do stalinismo no movimento estudantil e sindical;
  • Repudiar todas as tentativas de enganar os estudantes e os trabalhadores, seja por meio de rifas falsas, de notas superfaturadas ou outras formas de fraude política ou financeira em suas entidades;
  • Propor que as entidades estudantis adotem como princípio e estatuto um funcionamento de sindicatos de estudantes livres, independentes, democráticos e de base;
  • Reivindicar que o movimento estudantil retome os princípios do Congresso de Refundação da UNE de 1979, ocorrido em Salvador;
  • Defender um programa comunista para as entidades estudantis, que assegure sua independência política e financeira frente aos patrões e seu Estado, assim como a solidariedade dos estudantes para com a classe trabalhadora e suas lutas;
  • Organizar a leitura e discussão entre os estudantes da tese da JCI para o 60º Congresso da UNE, e refletir conjuntamente sobre como apoiar a construção da defesa dessas ideias desde as bases até sua defesa no evento que ocorre de 16 a 20 de julho.

Esta é uma base a partir da qual a Juventude Comunista Internacionalista convida cada estudante para discutir como combater a corrupção no movimento estudantil. Vamos analisar como essas questões se aplicam à realidade concreta de sua escola ou instituição de ensino e como ampliá-las em cada local. E, o mais importante: vamos juntos nos organizar para colocar a mobilização dos estudantes nos trilhos que permitam a eles ajudar a classe trabalhadora a lutar pela revolução, derrubar o capitalismo e construir o comunismo aqui e agora.

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