O 59º Conune na Unesp Rio Claro e a carta da Moradia

Entre os dias 18 e 25 de maio, ocorreu o processo eleitoral para o 59º Conune na Unesp Rio Claro com vários pontos questionáveis e sintomáticos sobre os interesses das direções da UNE e das organizações que disputam suas cadeiras. O processo teve 378 votantes, que é 15,13% da graduação e, mesmo sendo um recorde de participação nos últimos anos, significa que 84,87% não votaram e muitos nem ficaram sabendo. Essa expressão do abismo entre a base e essas direções fez com que estudantes da Moradia Estudantil redigissem uma carta contestando a eleição.

A Liberdade e Luta tem acordo com os elementos centrais da carta, ressaltando que denunciamos e cobramos publicamente esclarecimentos das duas comissões de 10 (JPL e Juntos!) desde antes do início da campanha, assim que tomamos conhecimento que o prazo para inscrição das comissões de 10 já tinha acabado e, também, o prazo de impugnação previsto no Art. 11º que a carta menciona. Apesar de absurdo, esses são os métodos comuns em todos os congressos da UNE.

Sob o comando das mesmas organizações há mais de 30 anos, a direção da UNE desvia a entidade de seu propósito de reunir as demandas dos estudantes a nível nacional e traçar diretrizes de luta para enfrentar os ataques à Educação Pública Gratuita e Para Todos mobilizando pela base. O que se vê na prática é (quanto aos métodos) eleições sem a devida divulgação, prazos relâmpago, candidatos na comissão eleitoral vendo o voto dos estudantes, acordos de gabinete e divisão de delegados em proporcionalidade de votos para (quanto ao conteúdo) aprovar programas de adaptação ao capitalismo e apoio aos interesses da burguesia com maquiagem progressista.

Entendemos que esses programas não correspondem aos interesses dos estudantes e a burocracia é o melhor atalho para aprová-los, pois assim se evita/sabota o debate e legitima delegados em processos pouco divulgados entre a massa dos estudantes. Poderíamos vasculhar e encontrar irregularidades em diversos pontos, mas qualquer denúncia será julgada pela direção da UNE, que é presidida pela UJS. Em termos claros, estaríamos pedindo para a UJS anular o processo em que seus aliados da JPL foram eleitos, no exemplo da UNESP Rio Claro.

Por isso, entre se dirigir à UJS e se dirigir aos estudantes, o recolhimento de assinaturas em uma carta, impulsionada pela moradia, é uma ferramenta muito melhor para mobilizá-los a reivindicar o congresso da UNE para si e tomá-lo das mãos dos burocratas que excluem propositalmente a massa dos estudantes, tratando o congresso da maior entidade estudantil da América Latina como um simples espaço de disputa de cargos, dinheiro e aparato. Essa demanda é urgente, pois esse circo acontece a cada dois anos em todo o Brasil e é armado para “eleger” milhares e milhares de delegados para que participem da eleição do Conune, que já tem resultado definido há três décadas, muitas vezes sem qualquer debate ou eleição. Isso a Liberdade e Luta denuncia em todas as edições, conforme relatos das edições de 2017, 2019, 2021 e aqui também.

Com esses elementos, respondemos esta pergunta da carta dirigida a nós:

(…) Se não tivemos nenhuma Assembleia Geral em 2023, como podemos participar de um congresso nacional? Como esse movimento feito pelas chapas ‘Liberdade e Luta’, ‘Mutirão’ e ‘Ainda é pouco: eu quero é mais’ pode ser representativo se é antidemocrático? Eles não nos representam!” (Grifo nosso)

Não nos contrapomos à pergunta, pois parte de uma indignação legítima e temos acordo com a insatisfação pelos estudantes não serem chamados a construir o processo como uma Assembleia Geral poderia ter feito. Mas é importante mencionar que as direções da UNE não dão a mínima para a deliberação dos estudantes e o processo pode acontecer mesmo assim. Essa é a política da UJS e seus aliados que atropelam a organização dos estudantes para se autoproclamarem “representantes do Movimento Estudantil”.

Conforme os artigos linkados acima, bem como o nosso material e o instagram da campanha, a Liberdade e Luta não entra nesse terreno simplesmente para eleger delegados, perpetuar ilusões no Conune e tampouco para dividir cadeiras em acordos com essas organizações. Entramos para denunciar as fraudes e para contribuir na construção do movimento estudantil apresentando nosso programa, levantando discussões e ouvindo os estudantes. Essa troca sempre foi a nossa vitória.

Quanto ao “movimento feito pelas chapas”, é preciso chamar cada coisa pelo seu nome. Inicialmente, os responsáveis pela clareza, divulgação e organização do processo são a comissão eleitoral, que foi composta pela fusão das C10 da JPL e do Juntos!. A Liberdade e Luta não fez parte dessa comissão, mas, ainda assim, conhecendo as burocracias do Conune e no possível de nossas forças, sem o financiamento da UNE ou de fundo eleitoral/partidário, tentamos informar os estudantes, inclusive da moradia, através da exposição dos fatos no grupo de whatsapp do CCA’s no dia 2 de maio (sendo levantada inclusive, por outros estudantes, a necessidade de uma Assembleia Geral), de diálogo presencial com os estudantes no campus através de nossa banca de livros, intervindo em espaços como a Assembleia da Bio em 15 de maio e posteriormente em campanha passando em algumas salas, publicando no instagram da campanha e panfletando nossos materiais com abertas críticas ao processo.  Fizemos isso na tentativa de somar forças e evitar a possível fraude que vinha dando indícios de acontecer.

Então a Liberdade e Luta responde por seu programa e por seus métodos como uma organização independente que participou do processo como parte da base dos estudantes (ressaltando que não estamos em nenhum espaço de direção), cobrando e pressionando nominalmente a comissão eleitoral a divulgar o edital com as datas, e não como organizadora da eleição ao Conune na Unesp Rio Claro. Mas entendemos os motivos de dirigir a pergunta às três chapas e agradecemos a oportunidade de respondê-las. Temos as mesmas indignações e, por isso, o nosso primeiro combate foi para que a comissão eleitoral divulgasse as datas, em especial a do debate, que para nós é o ponto mais importante do processo e que muito provavelmente não ia acontecer.

A carta da moradia menciona que tomaram conhecimento do processo no dia 22 de maio de 2023 através de uma publicação na página do CCA’s, mas, 20 dias antes, no dia 02, a Liberdade e Luta cobrou publicamente dos 20 integrantes das duas C10 (JPL e Juntos!), no grupo de whatsapp dos CCA’s, com o nome de cada um, expondo detalhadamente a situação e por fim perguntando se dessa vez teria de fato o processo ou se dividiriam os delegados na surdina, como já aconteceu antes. Além disso, o processo de inscrições de C10 abriu no dia 24 do mês anterior e encerrou em dois dias, mas até dia 02 de maio ambas as comissões estavam em completo silêncio. Ou seja, a cobrança de um militante da Liberdade e Luta foi o fator que obrigou os responsáveis a prestarem as primeiras informações.

Fizemos isso por entendermos que a democracia é condição indispensável para a organização da nossa classe e nosso interesse é contribuir nesse processo, o que passa por combater métodos antidemocráticos. Tivemos essa experiência no campus em 2019, quando a chapa Fora Bolsonaro foi impedida de participar porque as inscrições foram travadas pelas C10s do Juntos! e da UJS, como relatado aqui. Na ocasião, a UJS (da qual a JPL é aliada) não só foi “eleita” com um programa de apoio ao financiamento estudantil à iniciativa privada como, sendo direção da UNE, convidou representantes da burguesia para defender a participação de Organizações Sociais “sem fins lucrativos” no orçamento público no Congresso da UNE. Esse ano, a tese da Regulamentação do Ensino Privado, que legitima o lucro das mantenedoras de educação desde que regulados e fiscalizados representará Rio Claro pela chapa Mutirão, eleita com 256 votos, aproximadamente 10% da graduação.

Ou seja, mais de dois mil estudantes serão representados por esse programa, ainda que 90% não tenham votado nele. É claro que é uma democracia distorcida. Foi para debater essas coisas que insistimos na cobrança das datas, mas que foram divulgadas apenas 15 dias depois, em 17 de maio, com o prazo relâmpago de inscrição de chapas encerrando em apenas dois dias. A “ampla divulgação” que exige o regimento foi, no campus, duas folhas A4 com letras miúdas ao lado da biblioteca, ou seja, o estudante que quisesse inscrever chapa deveria ter a intuição de ler esses papéis, bem menos legíveis do que os cartazes das chapas (que também eram comissão eleitoral), em especial da chapa Mutirão, com grandes A3 coloridos timbrados com o logotipo da UNE.

Nessa lacuna, foi uma apoiadora da nossa chapa que enviou a mensagem pelo sistema de notificação da Unesp com as datas, que até o dia do debate (ou seja, no 4º dia de campanha e com as eleições no dia seguinte) não tinham sido veiculadas pela ferramenta. Isso motivou um camarada da moradia a perguntar, em reunião do CCA’s, por qual motivo deveríamos perder tempo com isso já que a UNE não esteve presente em momentos cruciais do movimento estudantil em Rio Claro.

Quanto a isso, precisamos separar o que é a UNE do que são suas direções. Como entidade onde camaradas do passado perderam suas vidas em combate à Ditadura Militar, que levantou bandeiras históricas como “O Petróleo é nosso!” e cujos congressos ainda hoje registram a maior participação de estudantes do país, consideramos um erro abrir mão de discutir política nesses espaços, inclusive os locais; e isso não tem nada a ver com consentir com os métodos desse processo, principalmente quando, pelo contrário, denunciamos abertamente os métodos dessas organizações.

Vários estudantes bem intencionados pararam para discutir política e também se indignaram com a situação do país e da Unesp, de como o governo, assim como as organizações que dirigem a UNE, negociam com banqueiros e empresários às custas dos nossos direitos. É revoltante que organizações traidoras da juventude assumam a direção e que a oposição rebaixe sua atuação ao mero objetivo de conseguir alguma cadeira pela proporção de votos. Caberia a nós, da Liberdade e Luta, não entrar nesse combate e assistir o processo acontecer sem oposição porque a UNE não tem nos representado, abandonando assim estudantes e militantes bem intencionados aos métodos e ao programa dessas organizações? Entendemos que não. Reafirmamos a importância de reivindicar o passado de luta da UNE em combate à sua direção e sua oposição eleitoreira pelo fato de que, sem essa intervenção, as datas que chegaram a conhecimento da redação da carta apenas no dia 22 de maio provavelmente nunca chegariam por não serem divulgadas, repetindo os processos de 2019, 2021 e certamente vários outros.

Respondemos fraternalmente no intuito de avançar nesse debate. A Liberdade e Luta sempre teve diálogo saudável com pessoas da moradia, mesmo quando eventualmente apontaram diferenças políticas; somamos forças em mobilizações no passado, no presente e quando mais a luta de classes nos chamar a essa função; nos solidarizamos também aos estudantes que assinaram por se sentirem lesados pelo processo que começou e logo acabou sem suas participações, concordância ou conhecimento. Compreendemos também a desconfiança com organizações políticas devido às traumáticas experiências, não deixando de pontuar que combatemos esses métodos e não nos intimidamos em apontar as fraudes e manobras dos que se proclamam “representantes do movimento estudantil” sem uma base que lhe confira essa autoridade.

Elucidado nosso posicionamento, a Liberdade e Luta declara apoio à carta da Moradia.

Cientes de que podemos contribuir com importantes elementos, nos colocamos à disposição para debatermos os temas pertinentes ao campus e convidamos a lerem nossas formulações, em especial a brochura em que fazemos um compilado de temas imprescindíveis sobre a história do movimento estudantil, sendo um deles sobre como a UNE foi desvirtuada pelas direções no decorrer dos anos para se adaptar ao capitalismo e desmobilizar a atuação da juventude. A história do movimento, a teoria política e a prática militante são munições para combatermos esses vícios que pisoteiam a democracia para burocratas imporem seus interesses.

Nesse intuito, convidamos a Moradia Estudantil e demais estudantes que assinam a carta a uma roda de conversa, propondo como data a próxima quarta feira, dia 05 de julho, às 17h, em frente à biblioteca.

Abertos a futuros questionamentos,
Liberdade e Luta – Rio Claro/SP
29 de junho de 2023.

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