O que é comunismo?

Este artigo foi originalmente um discurso elaborado para o Acampamento Comunista Internacionalista 2024, que ocorreu em Campo Limpo Paulista-SP entre os dias 04 e 06 de outubro. Você é comunista? Então, organize-se!


INTRODUÇÃO

            Nas palavras de Engels, em Princípios Básicos do Comunismo, “O comunismo é a doutrina das condições de libertação do proletariado”. Como marxistas, precisamos estudar a origem da ciência comunista, o socialismo científico, e também os elementos que tornaram possível o seu desenvolvimento. Se o comunismo busca libertar o proletariado, precisamos, primeiramente, entender como o sistema econômico que deu origem ao proletariado surgiu. A partir disso, também é necessário conhecer outras percepções comunistas que precederam Marx e observar não somente suas limitações, como também as suas contribuições. E, seguindo a síntese elaborada por Lênin em “As três fontes e três partes constituintes do comunismo”, também precisamos estudar os elementos filosóficos e econômicos do marxismo e a doutrina da luta de classes, e, principalmente, entender qual é o papel dos comunistas e da juventude dentro desse cenário.

A REVOLUÇÃO BURGUESA

A transição entre o sistema feudal e o sistema capitalista é marcada pelas ideias revolucionárias do Iluminismo, na França do século 18. Esse foi um período no qual todos os aspectos do status quo foram submetidos à crítica, sendo compreendidos como resultados da ignorância que guiava a sociedade até então. Os iluministas traziam consigo a promessa de uma nova aurora social, com o desejo de construir um mundo igualitário, justo e pautado pela busca da verdade absoluta. Hoje sabemos, contudo, que esse mundo pretendido se revelou igualitário apenas para a burguesia, justo para a burguesia, e que a “verdade absoluta” era, na realidade, a verdade burguesa.

A rivalidade entre a nobreza feudal decadente e a emergente burguesia não foi uma estreia da luta de classes na história da humanidade, mas apenas uma das expressões da rivalidade universal entre explorador e explorado. Esse conflito de opostos é intrínseco a qualquer sistema de classes, e é claro que não seria diferente com o capitalismo, mesmo em sua origem. É por isso que a burguesia, desde o seu nascimento, carregou dentro de si sua própria antítese: a classe trabalhadora. O capitalista não pode existir sem o trabalhador assalariado, e é o trabalhador assalariado que possui o potencial de destruir o sistema capitalista.

O COMUNISMO UTÓPICO E SUAS LIMITAÇÕES

Ao mesmo passo em que a burguesia se opunha à nobreza numa tentativa de se estabelecer como representante da sociedade (inclusive da classe trabalhadora), movimentos independentes de uma classe que iria se tornar o proletariado moderno também eclodiram, principalmente na Alemanha, França e Inglaterra. Esses levantes revolucionários foram acompanhados de manifestações teóricas que, desde o século 16, buscavam uma solução para a desigualdade social através da criação de uma “sociedade ideal”. Três grandes utopistas se destacam quando falamos sobre teorias do comunismo utópico: Saint-Simon, Fourier, e Robert Owen.

Saint-Simon é chamado de “filho da Grande Revolução Francesa” por Engels, pelo fato de que ainda não tinha 30 anos quando a revolução aconteceu. Ao observar a vitória do “terceiro estado” na revolução, percebeu que quem havia triunfado era, na verdade, a burguesia possuidora. Foi por conta do governo dessa burguesia que a revolução chegou à beira da ruína, o que levou ao golpe de Estado de Napoleão. A sua concepção de antagonismo de classes se resumia em uma luta entre os “trabalhadores” e os “ociosos”. Os ociosos eram todos os antigos privilegiados e aqueles que viviam de suas rendas, sem intervir na produção nem no comércio, e os trabalhadores eram não somente os operários assalariados, mas também os comerciantes, fabricantes e banqueiros. Os antigos privilegiados já haviam demonstrado que não tinham capacidade para governar, e a experiência da revolução mostrou que os “trabalhadores” (a burguesia que estava emergindo, no caso) tampouco possuía essa capacidade. Então, quem deveria governar? Para Saint-Simon, era necessário estabelecer uma parceria entre a ciência (sábios acadêmicos) e a indústria (burgueses ativos: fabricantes, comerciantes, banqueiros), a partir de um novo laço religioso, “forçosamente místico e rigorosamente hierárquico”, como descreve Engels. Uma das maiores demonstrações do pensamento avançado de Saint-Simon é que já em 1816 o mesmo estabeleceu uma conexão fundamental entre a economia e a política, afirmando que “a política é a ciência da produção”. Sua visão abrangente o levou a conclusões que continham o germe das ideias que os economistas socialistas desenvolveriam mais tarde de maneira mais aprofundada.

Fourier, diferente de Saint-Simon, já conseguia reconhecer a miséria material e moral do mundo burguês, e seu espírito autenticamente francês o tornou capaz de desmascarar a retórica burguesa e também de pintar, através da sátira, a corrupção e mesquinhez do comércio francês. Além disso, ele foi o primeiro a declarar que o grau de emancipação da mulher em uma sociedade é o barômetro natural pelo qual é possível medir a emancipação geral. Sua concepção da história é dividida em quatro partes: o selvagismo, a barbárie, o patriarcado e a civilização. A sociedade burguesa se encontra na última parte, a civilização, cuja existência se move em um “círculo vicioso” de contradições que não consegue superar, onde a pobreza surge da abundância. Essa definição da sociedade burguesa é um excelente exemplo de como Fourier compreendia a dialética com maestria. Para ele, o modelo ideal de sociedade poderia existir a partir da criação de pequenas comunidades autossustentáveis chamadas falanstérios, nas quais os indivíduos trabalhariam voluntariamente em atividades que correspondessem aos seus talentos e inclinações naturais. O trabalho seria distribuído de forma equitativa e a riqueza compartilhada de maneira justa, promovendo uma convivência harmoniosa e solidária. Ao se preocupar com a criação do modelo de sociedade perfeita, Fourier falha na análise material das condições que levaram a sociedade capitalista à chegar onde chegou, encontrando sua limitação na falta de materialismo. Assim como Saint-Simon, não soube explicar as condições sociais a partir de uma base histórica e material.

Enquanto isso, na Inglaterra, a ascensão da grande indústria, marcada pelo uso de vapor e das máquinas-ferramenta, dividiu a sociedade em grandes capitalistas e proletários. Entre eles, o que antes era a antiga e estável classe média se transformou em uma massa instável de artesãos e pequenos comerciantes. Tal processo de transformação da sociedade arrancou os trabalhadores de suas origens rurais e os amontoou nos bairros mais pobres da cidade, os forçando a enfrentar a ruptura de laços tradicionais de costumes, fazendo principalmente com que crianças e mulheres se submetessem a jornadas de trabalho excessivas, e gerando uma desmoralização coletiva da classe trabalhadora.

É nesse contexto que Robert Owen, aos 29 anos, emerge como um fabricante influenciado pelos filósofos materialistas do século 18. Ao contrário de muitos de sua classe, que viam a revolução industrial como uma oportunidade para enriquecer, Owen via nela uma chance de implementar suas ideias sobre a ordem no caos. Como gerente da fábrica de fios de algodão de New Lanark, ele criou um modelo de comunidade operária, reduziu as horas de trabalho, ofereceu melhores salários e criou escolas e creches para os filhos dos trabalhadores. Ele acreditava que o bem-estar dos trabalhadores resultaria em maior produtividade e moralidade e que o ambiente social moldava o comportamento humano e, portanto, melhorar esse ambiente levaria a uma sociedade melhor. A visão mais ambiciosa de Owen para a transformação social estava na criação de comunidades cooperativas, onde a propriedade seria compartilhada e a produção seria feita coletivamente. Nessas comunidades, a competição capitalista seria substituída pela cooperação entre os indivíduos, promovendo uma vida social mais harmoniosa e igualitária. Owen tentou colocar essa ideia em prática criando comunidades como a de New Harmony, nos Estados Unidos, mas essas experiências não tiveram sucesso. Sua limitação estava em acreditar que era possível gerar uma transformação social sem conflito de classes, apenas mostrando aos capitalistas um sistema mais justo.

O que há de comum nas três grandes personalidades do socialismo utópico? Apesar do grande desejo de mudar o mundo, cada um se concentrou em elaborar propostas idealistas e reformas para alcançar aquilo que consideravam ser um modelo de sociedade ideal, sem conseguir identificar os conflitos de classe como o motor da transformação social. Para eles e também para outros teóricos do socialismo utópico, o socialismo é a expressão da verdade absoluta, porém, como marxistas, entendemos que a verdade absoluta não existe, pois tudo está sujeito ao desenvolvimento humano e a condições de espaço ou tempo. Além disso, o conceito de verdade absoluta varia a partir da concepção de cada filósofo e de cada escola, que, por sua vez, estão sujeitos às condições sociais e materiais. A partir dessa miríade de características, é inevitável que o socialismo então se tornasse uma teoria eclética, baseada em diversos fatores diferentes e conflitantes. Para elevar esse socialismo ao status de ciência foi então necessário trazê-lo para a realidade.

A FILOSOFIA MARXISTA

Quando pensamos na história da humanidade, percebemos duas coisas: primeiro, tudo que aconteceu e continua acontecendo na história está entrelaçado de alguma forma, e, segundo, tudo está em constante mudança. Essa percepção de mundo não é algo novo: Heráclito, filósofo pré-socrático, já declarava: “Tudo é e também não é, pois tudo flui, encontra-se em constante mudança, em constante devir e fenecer.” É essa perspectiva que chamamos de dialética.

Apesar de correta, ao olharmos o mundo a partir de um “quadro geral”, observando todas as interações e conexões de eventos, torna-se difícil analisar elementos de forma isolada. Para isso, foi necessário que a humanidade elaborasse uma forma de desprender tais elementos de seu contexto natural ou histórico e examiná-los mais a fundo dentro do campo da ciência da natureza, que analisa a natureza em suas diversas partes, classifica processos e objetos naturais em categorias, pesquisa os corpos orgânicos segundo sua estrutura anatômica, etc. Esse método de pesquisa, porém, criou o hábito de enfocar as coisas e processos da natureza isoladamente, fora de seus contextos, os considerando como consistências fixas e absolutas. Ao transpor tal método de observação das ciências naturais para a filosofia, surge então o método metafísico de especulação.

Podemos resumir o método metafísico como um pensamento fixo, rígido e isolado sobre as coisas: um objeto é ou não é, não há meio-termo, não há contradição. É fácil pensar que esse método é o famoso “senso comum”, mas, apesar de funcionar em condições ideais, o senso comum encontra sérios problemas quando precisa lidar com situações da vida real. Por exemplo, é claro que conseguimos identificar se um animal existe ou não. Porém, não é difícil pensar em situações onde o limite racional entre uma coisa ou outra é difícil de ser traçado: a “hora da morte”, por exemplo, sabendo que o processo da morte não é um acontecimento único mas sim demorado, é um ótimo exemplo disso. Do mesmo modo, todo ser orgânico está em constante mudança, com células morrendo e outras se formando, substâncias sendo renovadas e substituídas por outros átomos dessas substâncias… essas afirmações não cabem no pensamento metafísico, mas sim na forma dialética de pensar. A natureza é a prova da dialética, e somente a dialética pode fornecer uma visão da totalidade do mundo, do seu desenvolvimento e do desenvolvimento da humanidade.

Foi nesse sentido que a filosofia alemã realizou o resgate da dialética, tendo sua finalização no sistema hegeliano, conseguindo enxergar o grande emaranhado caótico de brutalidades que havia acontecido até então como o processo de desenvolvimento da humanidade.

Hegel sistematizou três leis dentro da dialética: a lei da unidade e luta dos contrários, a lei da transformação da quantidade em qualidade, e a lei da negação da negação. A lei da unidade e luta dos contrários explica que todos os fenômenos são constituídos por forças opostas ou contraditórias que coexistem e interagem entre si. Esses contrários não são estáticos; eles entram em conflito, e é dessa luta que surge o movimento e a transformação. Em vez de uma visão harmônica da realidade, a dialética identifica que o desenvolvimento ocorre por meio de tensões e antagonismos, onde a superação de um estado de contradição leva a novos estágios de evolução.

A segunda lei, a transformação da quantidade em qualidade, explica como pequenas mudanças acumuladas (quantitativas) levam, em certo ponto, a uma mudança repentina e significativa (qualitativa). Essa ideia é aplicada tanto em processos naturais quanto sociais. Um exemplo famoso que Engels descreve é sobre a água, que, ao ser aquecida, passa gradualmente de um estado frio até chegar ao ponto de ebulição, onde sua forma qualitativa muda de líquido para vapor. Na sociedade, esse princípio pode ser visto quando pequenas tensões econômicas ou políticas acumulam-se até resultar em “salto dialético”. Um grande exemplo que temos dessa lei em ação na história do Brasil são as jornadas de junho de 2013, quando o aumento das tarifas de transporte, se juntando à outras mudanças acumuladas, gerou um salto significativo que levou milhões de brasileiros às ruas. As mesmas jornadas podem também ser analisadas para explicar outros aspectos, como a crise de direção, que será discutida mais à frente.

A terceira lei, a negação da negação, explica como o desenvolvimento ocorre por meio de uma superação constante de estágios anteriores. O conceito de “negação” aqui não significa simplesmente destruir o que veio antes, mas sim superá-lo e integrá-lo de uma forma mais avançada, deixando para trás seus aspectos reacionários e preservando seus aspectos progressistas e revolucionários. Esse processo de negação leva a novas sínteses, onde elementos do antigo são preservados e transformados. A história social, por exemplo, pode ser vista como um processo de negação de sistemas econômicos e sociais antigos (como o feudalismo sendo negado pelo capitalismo), levando a novas formas de organização que, por sua vez, serão superadas no futuro. É importante aqui destacar que, ao superar um sistema, não o apagamos por completo: breves traços de sua existência podem ainda existir dentro de um período de transição para um novo sistema.

Apesar de possuir um pensamento avançado, Hegel, assim como outros, não escapou das limitações de seu próprio conhecimento e da sua época. Sua visão idealista, que concebia as condições materiais como fruto da consciência, naturalmente limitou a sua capacidade de elaborar conclusões concretas e corretas sobre o mundo. Ao mesmo tempo que apresentava um sistema que concebe a história humana como um processo de desenvolvimento constante que não pode chegar a uma verdade absoluta, apresenta esse próprio sistema como uma soma e síntese dessa verdade absoluta. “Um sistema universal e definitivamente plasmado do conhecimento da natureza e da história é incompatível com as leis fundamentais do pensamento dialético – que não exclui, mas longe disso implica que o conhecimento sistemático do mundo exterior em sua totalidade possa progredir gigantescamente de geração em geração”, como explica Engels na obra “Do socialismo utópico ao socialismo científico”.

Assim como a metafísica foi ultrapassada e substituída pela dialética, o idealismo de Hegel também foi despejado para dar lugar ao materialismo. Isso ocorre quando, em meados de 1830, diversas ondas de revolta proletária estouram pela Europa, refutando a teoria burguesa sobre a harmonia universal gerada pela livre concorrência. A partir de tais revoltas, o idealismo se viu incapaz de analisar a conjuntura social a partir de uma base sólida, considerando os interesses materiais. Portanto, após uma revisão de toda a história, chega-se a uma conclusão: a história da humanidade é a história da luta de classes. O materialismo, agora apoiado na dialética, permitiu à humanidade conceber a consciência humana como fruto de sua existência, e não o contrário.

A partir disso, o socialismo se estabelece como um fruto da luta entre burguesia e proletariado. Agora, com a ciência do materialismo histórico dialético como base, instrumento que não estava disponível para os utopistas, a sua função não é mais elaborar um sistema perfeito para a sociedade,  mas sim investigar os processos históricos do sistema atual e as soluções desse conflito entre as duas classes.

A concepção materialista da história parte da tese de que a divisão dos homens em classes ou camadas é determinada pelo que a sociedade produz, como produz e como esses produtos são trocados. Portanto, a real causa das transformações sociais e revoluções não podem ser encontradas na mente humana ou no que os humanos crêem ser a justiça ou verdade eterna, mas sim nas transformações operadas nos modos de produção e de troca. Se queremos encontrar essas respostas, precisamos estudar a economia da época tratada. Quando os homens começam a perceber que as instituições sociais são injustas e irracionais, isso significa que a estrutura econômica e o modo de produção e distribuição já passaram por transformações e estão em conflito com a ordem atual. Dentro dessas novas relações de produção e distribuição já existem os meios necessários para derrubá-los, e tais meios não podem ser descobertos a partir da “cabeça” de alguém, somente a partir do estudo da filosofia, mas devem ser descobertos nos fatos materiais da produção, tal e qual a realidade os oferece.

Sabendo que a ciência marxista é o materialismo histórico dialético, como essa ciência explica a ordem social atual? A ordem social vigente é obra da burguesia. O modo capitalista de produção, assim chamado por Marx, não era compatível com o sistema feudal. Portanto, a burguesia derrubou a ordem feudal e levantou sobre suas ruínas o seu regime de livre concorrência burguesa. Os métodos de produção passam por um crescimento inédito a partir da chegada do vapor e da maquinaria-ferramenta, que transforma a produção em uma grande indústria. Porém, assim como a manufatura e o artesanato desenvolveram-se ao nível de se chocar com a ordem feudal, a grande indústria se desenvolveu ao ponto de transbordar a ordem burguesa. Esse conflito não é algo criado pela cabeça do homem, seguindo uma lógica idealista, mas sim fruto da realidade objetiva e material.

ECONOMIA MARXISTA

Foi a partir da descoberta da mais-valia que o socialismo conseguiu explicar a origem da exploração de classe sob o sistema capitalista. O capitalista, sempre que contrata um funcionário, consegue tirar da sua força de trabalho mais valor do que lhe custa. É isso que chamamos de mais-valia, e é a partir dessa teoria que se explica a acumulação de capital nas mãos dos possuidores de meios de produção.

O modo de produção na Idade Média se baseava, no campo, em pequenos lavradores (livres ou vassalos), e em artesãos na cidade. Dessa forma, a produção tinha um caráter bastante individual. Um artesão era capaz de produzir um produto inteiro sozinho, fazendo com que aquele produto o pertencesse. É fato que existiam aprendizes que trabalhavam para alguns artesãos, mas o seu papel era muito claro: aprender o ofício e, assim que possível, abrir sua própria oficina. O seu tempo como trabalhador assalariado não era longo, mas sim visto com uma fase transitória e necessária para construir o seu ofício individual.

O modo de produção capitalista transformou essa lógica individual de produção em uma lógica social: substituindo o tear manual pelo tear mecânico e o martelo do mecânico pelo martelo movido a vapor, os meios individuais de produção se tornam meio sociais. A produção de uma fábrica depende de centenas e milhares de operários, o que resulta em centenas e milhares de mãos necessárias nas linhas de produção, e nenhuma delas pode dizer “esse produto é meu, eu o fiz sozinho”. Ao invés disso, quem é considerado o verdadeiro dono de tudo que é produzido é justamente aquele que não participa, em nenhum momento, do processo de produção: o dono dos meios de produção. Essa é a primeira e principal contradição do sistema capitalista, o divórcio total entre o trabalhador e o fruto do seu trabalho.

A produção social fez com que a produção individual sucumbisse, pois os produtos produzidos em fábrica por um custo muito baixo eram vendidos por preços muito parecidos que os produtos individuais, que possuem um custo de produção maior. O produtor individual, vendo sua produção sucumbir, não teve escolha senão se submeter ao trabalho assalariado, que antes era apenas uma exceção. O trabalho assalariado, que antes era uma condição temporária, se torna uma condição para toda a vida. Assim se concretiza a divisão definitiva entre os detentores dos meios de produção e os que não possuem nada além de sua força de trabalho.

Durante a Idade Média, a produção no campo era voltada majoritariamente para o consumo próprio, e a família camponesa somente vendia os produtos que se tornavam excedentes. Mesmo nas cidades, apesar de produzir para o mercado, os artesãos ainda conseguiam satisfazer suas necessidades de forma quase inteiramente autossuficiente. Esse estágio da produção, por ser parte de um mercado mais restrito, era bastante estável. O modo de produção capitalista, porém, faz com que os produtores percam o controle sobre suas relações sociais, produzindo sem saber ao certo qual é a demanda do mercado, gerando uma verdadeira anarquia de produção. Agora, é o produto que impera sobre o produtor.

Fourier estava certo ao declarar que a sociedade burguesa se move em um círculo vicioso de contradições. Mas além disso, as contradições se intensificam cada vez mais com o passar do tempo, fazendo com que esse círculo diminua cada vez mais. Isso é mais perceptivel quando as crises estouram, cada vez mais próximas e mais profundas.É a força dessas contradições que transforma cada vez mais homens em trabalhadores, e que, ao mesmo tempo, impulsiona melhorias no maquinário que eliminam postos de trabalho. A massa de trabalhadores descartados constituem assim um grande exército de reserva, prontos para assumirem postos de trabalho em épocas nas quais a indústria trabalha a todo vapor, mas que logo em seguida são eliminados em momentos de crise. Não é possível resolver a questão do desemprego dentro do sistema capitalista: a anarquia presente na produção capitalista  necessita de um verdadeiro exército de proletários reserva para suprir as suas demandas e regular os baixíssimos salários. A maquinaria, que possui o potencial de ser utilizada para diminuir as jornadas e aliviar as condições de trabalho, se torna, segundo Marx, a mais poderosa arma do capital contra a classe trabalhadora.

A acumulação de capital e a anarquia de produção levam o sistema capitalista a, inevitavelmente, passar por constantes crises gerais. Em momentos de crises o comércio é paralisado, as fábricas fecham, trabalhadores sofrem com escassez de meios de subsistência, mesmo sendo as crises causadas pela produção excessiva dos mesmos. Isso acontece até que os estoques se normalizem e a economia se recupere, e então o ciclo recomeça. Esse padrão de crises se repete desde 1825, com crises cada vez mais frequentes e mais hostis que demonstram cada vez mais a contradição entre o modo de produção e a apropriação capitalista, sinal de que o capitalismo não é mais capaz de gerenciar suas próprias forças produtivas, pelo contrário, se torna ele próprio uma camisa de força para o desenvolvimento destas.

Ao desenvolver o mercado mundial e a produção em larga escala o capitalismo desenvolveu as forças produtivas, produzindo um imenso salto em direção ao reino da liberdade. As forças produtivas que estavam contidas pelo modo de produção feudal foram liberadas e foi possível produzir muito mais em menos tempo. Pela primeira vez na história, as bases materiais para a emancipação da exploração de classes foram alcançadas. O capitalismo já cumpriu seu papel na História. Como Trotsky disse no Programa de Transição: “As condições para o socialismo não apenas já estão maduras, elas começam a apodrecer”.

As crises, a escassez, a fome, o desemprego e a pobreza são elementos intrínsecos ao sistema capitalista. Não é possível, nem por um segundo, entreter a ideia de que existe alguma forma de “reformar o sistema” e garantir permanentemente melhores condições de vida para a classe trabalhadora. Cada pequena conquista é rapidamente desfeita diante da primeira crise. À medida que o capitalismo permanece, nos vemos diante de uma escolha inevitável: socialismo ou barbárie.

CONSTRUIR AS BASES PARA O COMUNISMO

A história da humanidade é a história da luta de classes. Seja entre homem livre e escravo, senhor feudal e servo ou entre burgueses e proletários, a luta de classes é o motor que move a história. Essas lutas são impulsionadas pelas contradições de cada época, pois, cada sistema, ao desenvolver seus meios de produção, desenvolve também o seu antídoto.

Porém, uma sociedade comunista livre de classes não se constrói do dia para a noite. O período de transição entre o capitalismo e o comunismo, chamado de ditadura revolucionária do proletariado, precisa existir, pois é nesse período que a classe trabalhadora faz uso do Estado para submeter seus adversários aos seus interesses. O proletariado deve assumir controle democrático dos meios de produção e transformá-los em propriedade pública. A partir do desenvolvimento dos meios de produção social baseado na propriedade pública, a existência de classes sociais se torna anacrônica. Esse período é essencial para as reformas econômicas que visam redistribuir a riqueza, eliminar a exploração e criar as bases para uma sociedade comunista, onde o Estado irá desaparecer e os recursos serão geridos coletivamente, atendendo às necessidades de todos.

Por isso, ao falarmos da ditadura do proletariado, não estamos falando sobre liberdade: como explica Engels em sua carta a August Bebel, em 1875, “a partir do momento em que se pode falar em liberdade, o Estado deixa de existir como tal”, e, consequentemente, a ditadura do proletariado cumpre a sua função e deixa também de existir, dando lugar à uma sociedade livre de classes: o comunismo.

Numa fase superior da sociedade comunista, quando tiver sido eliminada a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, a oposição entre o trabalho intelectual e manual; quando o trabalho tiver deixado de ser mero meio de vida e tiver se tornado a primeira necessidade vital; quando, juntamente com o desenvolvimento multifacetado dos indivíduos, suas forças produtivas também tiverem crescido e todas as fontes de riqueza coletiva jorrarem em abundância, apenas então o estreito horizonte jurídico burguês poderá ser plenamente superado e a sociedade poderá escrever em sua bandeira: “De cada um segundo sua capacidade, de cada um segundo suas necessidades!” (Glosas marginais ao programa do Partido Operário Alemão)

O PAPEL DOS COMUNISTAS NA LUTA DE CLASSES

O problema da humanidade é o problema da direção do proletariado. É possível observar, em diversos momentos históricos, que os movimentos sociais encontraram condições favoráveis para uma transformação social, mas foram freados por uma direção que não tinha intenções revolucionárias de fato. As jornadas de Junho, exemplo supracitado, ilustra muito bem não somente a transformação de quantidade em qualidade, mas também o que ocorre quando, mesmo em meio à efervescência de uma população ávida por mudanças sociais, falta uma direção revolucionária capaz de assumir o papel de dirigir as massas para uma revolução. Portanto, o papel de cada comunista é se formar teoricamente e atuar na luta de classes, ler e se apropriar da teoria,  adquirir experiência nos atuais embates da classe trabalhadora contra a classe dos exploradores, conquistando a confiança e inserção em setores cada vez mais amplos da juventude e dos trabalhadores. 

E qual é o papel da juventude comunista? Lênin, ao ingressar no movimento revolucionário, tinha 23 anos; Trotsky ingressou aos 17. Isso possibilitou que ambos observassem o papel da juventude dentro de um partido revolucionário, papel esse que é discutido diversas vezes em suas obras. Trotsky, no Programa de Transição, afirma que “apenas o fresco entusiasmo e o espírito ofensivo da juventude podem oferecer os primeiros sucessos na luta”. Um dos fatores que torna a juventude uma parcela tão importante é sua disposição para a luta, que renova o entusiasmo da velha geração de combatentes que foram gastos pelas traições das velhas direções. 

Porém, como Lênin explica em “As Tarefas das Uniões da Juventude”, as tarefas de um jovem comunista podem ser resumidas em uma palavra: aprender. Para ajudar a construir uma sociedade comunista, é necessário aprender o comunismo. Além disso, é necessário que a juventude absorva, criticamente, todo o conhecimento acumulado pela sociedade até o momento, e que aprenda a utilizar todo esse conhecimento para a construção de uma sociedade comunista, que utilizará de todo o conhecimento e tecnologia já existente, além daquilo que ainda virá, não para servir aos interesses da classe burguesa, mas para o avanço da humanidade. Como Engels explica, é assim que acontecerá “o salto da humanidade do reino da necessidade para o reino da liberdade.”

REFERÊNCIAS

ENGELS, Friedrich. Anti:Dühring: a revolução da ciência segundo o sr. Eugen Dühring. São Paulo: Boitempo, 2016.

ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. São Paulo: Sundermann, 2008.

ENGELS, Friedrich. Friedrich Engels a August Bebel. In: MARX, Karl. Crítica ao programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 51-59.

ENGELS, Friedrich. Princípios básicos do comunismo. [S.I.]: Editora Avante, 1982.

LENIN, Vladimir Ilyich. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. [S.I.]: Editora Avante, 1977.

LENIN, Vladimir Ilyich. As tarefas da juventude revolucionária. [S.I.]: Editora Avante, 1977.

TROTSKY, Leon. Programa de Transição da IV Internacional: a agonia do capitalismo e as tarefas da IV internacional. São Paulo: Sundermann, 2017.

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