Porque devemos lutar pelo fim do vestibular?
“A velha escola forjava os dóceis lacaios de que os capitalistas necessitavam; fazia dos homens da ciência pessoas obrigadas a escrever e a falar ao gosto dos capitalistas. Isso quer dizer que devemos suprimi-la. Mas se devemos suprimi-la, destruí-la, deduz-se daí que não devamos tornar dela tudo o que a humanidade acumulou e é necessário para o homem?” – Lenin[1]
Todo ano milhares de jovens em todo país vêem suas expectativas de conseguir uma vaga na universidade pública serem pisoteadas pelos tacões capitalistas. No ano passado o número de jovens que fizeram a prova do Enem foi de mais de quatro milhões (4.122.423), sendo o número de inscrições de mais de cinco milhões e meio de pessoas. Já as vagas ofertadas pelo Sistema de Seleção Unificada (SISU 2019) que permitem o ingresso em universidades públicas foram de apenas 235.461 no primeiro semestre, em 129 instituições e 59.028 vagas no segundo semestre de 2019. Isso significa que 3,8 milhões de pessoas ficaram fora das universidades públicas, mesmo considerando o número de treineiros. O Enem desse ano já tem mais de cinco milhões de inscritos confirmados que buscam vagas para 2020, mas enquanto a educação for apenas mais uma mercadoria na lógica do capital a situação não será muito diferente.
Boa parte do dinheiro que poderia ser usado para ampliar as vagas de ensino superior público e gratuito vem sendo injetado nas mãos de grandes empresários da educação. Em 2019 foi ofertado um número recorde de bolsas pelo Prouni (243.888) separadas em integrais e parciais entre 1.239 instituições de ensino superior privadas do país. Ou seja, número recorde de dinheiro público investido em instituições privadas comandadas pela burguesia.
Do mesmo modo, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) ofereceu 46,6 mil vagas a juro zero em 2019, e que puderam ser acessados por aqueles estudantes com renda mensal familiar per capita de até três salários mínimos. Mais uma vez é ao filho do trabalhador mais pobre (que não teve condições de se dedicar inteiramente aos estudos para poder trabalhar) sobrará procurar essa alternativa, que o fará se endividar para pagar duas vezes por algo que deveria ser de acesso de todos! Segundo dados do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação a taxa de inadimplência dobrou de 18,9%, entre dezembro de 2014, para 41% em março de 2018. Após 90 dias sem pagamento, o estudante já é considerado inadimplente e em março de 2018 já era o caso de 249.433 estudantes. Essa inadimplência para o dono da universidade significa aumento das mensalidades para “amortecer” o problema, o que aumenta também o número de evasão por parte dos universitários da classe trabalhadora com bolsas parciais ou pagantes integrais.
Todos esses programas alavancaram o crescimento de grupos empresariais de ensino. Graças ao Prouni, criado em 2005 e ao FIES, também aprofundado no governo Lula, o grupo Kroton tornou-se a maior empresa privada do ramo da educação no Brasil e a maior do mundo, com um valor de mercado avaliado em outubro de 2018 em R$ 17.363 bilhões. Mas com certeza não são apenas aqueles que abandonaram a bandeira de educação pública, gratuita e para todos que contribuem para o enriquecimento desses empresários. O governo Bolsonaro, capacho do mercado financeiro imperialista, vem atacando a educação pública não apenas no nível superior. Ao menos R$ 2,4 bilhões que estavam previstos para investimentos em programas da educação infantil ao ensino médio foram bloqueados e há menos de um mês o MEC também anunciou o bloqueio de R$ 348.471.498 na “produção, aquisição e distribuição de livros e materiais didáticos e pedagógicos para educação básica”. O sucateamento das escolas e universidades aprofundado nesse governo ultraliberal e pró-imperialista vem para promover a base das privatizações, como o mais recente exemplo o programa Future-se, após o enforcamento das universidades com o corte de 30%.
Somam-se a todos esses aspectos políticos os problemas de ansiedade causados pelo vestibular. Na época das provas os adolescentes estão submetidos a diversas pressões sociais, principalmente o medo de reprovação devido ao número reduzido de vagas ou escolha profissional diante de um número de desempregados exorbitante. Essas pressões levam o jovem, que nesse período já se depara com a insegurança ou dúvidas típicas dessa fase de formação, a um verdadeiro drama psicológico. Em situações de estresse, hormônios como insulina, cortisol e adrenalina são liberados em grande quantidade. Se esses efeitos forem prolongados, a pessoa pode apresentar problemas de sono e doenças gastrointestinais como efeito da produção de ácido clorídrico no estômago em situações de tensão. Quando esses momentos são muito frequentes a consequência pode ser uma gastrite ou úlcera. A adrenalina e o cortisol aumentam o nível de batimentos cardíacos, o que gera ou agrava a hipertensão, causadora de problemas ainda mais graves como infartos ou acidentes vasculares cerebrais.
Quanto mais perto do vestibular, mais difícil fica. As dúvidas e inseguranças podem levar a um sentimento de pânico e incapacidade. O jovem dentro desse processo pode apresentar distúrbios psicofisiológicos ocasionando até a depressão, segundo Soares (2002). Cerca de um mês antes do vestibular de 2002 foi feito uma pesquisa onde se mostrou as manifestações da ansiedade já apresentadas até o momento pelos candidatos do processo seletivo, publicada em 2003 pela Universidade Federal de Santa Catarina[2]. A dificuldade de concentração foi assinalada por 52,5%. Outras sensações também foram evidenciadas, dentre as mais expressivas estão a inquietação (40,7%), as dores de cabeça (35,7%) e as musculares (25,6%) e as tonturas (14,3%). Foram conferidos mais de 400 questionários. Veja no gráfico:
O vestibular funciona como um funil, onde a imensa maioria dos que fazem a prova não conseguem uma vaga, além de deixar a juventude que tem acesso a ela física e psicologicamente doente. Não deve haver a ilusão em nenhuma “democratização” da educação superior tão propagada pelo PT, pois na verdade não houve ampliação das vagas e sim apenas a distribuição das que já existiam. Quando a UNE fala em “regulamentação do ensino privado” está virando as costas para esses milhares de jovens da classe trabalhadora que ficaram sem acesso a uma universidade. Devemos lutar para que todo o dinheiro que engorda os tubarões do ensino superior seja aplicado na criação de vagas no ensino público e gratuito. Os 10% do PIB para a educação defendidos pela UNE também são insuficientes. A luta deve ser para o não pagamento da dívida pública, que em 2018 levou para as mãos dos banqueiros cerca de 40% do orçamento federal (3,5 trilhões de reais) para o pagamento de juros e amortizações. Queremos todo o dinheiro necessário para a educação! Exigimos o fim do vestibular e vagas para todos nas universidades públicas!
Já não bastassem esses fatores, o projeto de expansão da privatização do ensino público e gratuito traz consigo a repressão e criminalização das lutas de jovens e trabalhadores. Isso fica claro quando se escolhe investir nas PM’s e colocá-las dentro das escolas. Em um levantamento de 2017, o país investiu R$ 84,7 bilhões em segurança. Para traduzir, alguns desses investimentos, como no estado do Rio de Janeiro e em Brasília, preveem mais equipamentos e mais viaturas para serem usados em sua “gestão compartilhada”, como chamam em Brasília a “parceria” imposta pelo governo estadual de inserir policiais dentro das escolas públicas.
No DF o programa começou em fevereiro com quatro escolas e é destinado a alunos do 6° ao 9° e também ensino médio. O uniforme também será obrigatório e militarizado inclusive com padrão de corte de cabelo. No Rio de Janeiro, a Secretaria de Educação do estado está pagando pela medida e pelo menos 40 escolas estão sendo vigiadas pela polícia militar. Essa forçada inserção dos governos levaria a toda comunidade escolar o status de inimiga, não fosse a consciência de classe. Assim como o projeto “Escola Sem Partido”, a burguesia tenta mais um jeito desesperado de contenção da organização de jovens e trabalhadores. A desculpa sempre é o combate às drogas ou a violência, mas se houver panfletos políticos ou manifestações a repressão tomará forma.
Não podemos nos enganar quanto às aspirações de introduzir o braço armado do Estado nas escolas, pois historicamente a PM trabalha, não para proteger trabalhadores e seus filhos, mas para defender a propriedade privada. Em momentos como esse em que vivemos, onde a crise orgânica do capitalismo se aprofunda e há manifestações de massa em toda parte do mundo, a burguesia se mostra incapaz de controlar apenas ideologicamente e parte para a via coercitiva usando métodos de repressão e intimidação para abafar qualquer foco de organização de trabalhadores ou de juventude que pretenda incinerar o establishment.
Devemos reduzir o capitalismo a cinzas! A burguesia não é capaz de resolver a crise de seu sistema e quer empilhar seus efeitos nas costas dos trabalhadores e da juventude, retirando direitos mais básicos. Apenas nos organizando e construindo uma organização e uma direção revolucionária teremos condições de levar as massas à transformação dessa sociedade em outra justa onde a educação não mais será para formar escravos das necessidades capitalistas. Ergueremos então uma sociedade socialista!
FORA BOLSONARO!
VAGAS PARA TODOS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS! FIM DO VESTIBULAR!
EM DEFESA DA EDUCAÇÃO PÚBLICA, GRATUITA E PARA TODOS!
FORA PM’s DAS ESCOLAS E UNIVERSIDADES! FIM DA PM!
ABAIXO A LEI DA MORDAÇA! FORA ESCOLA SEM PARTIDO!
TODO O DINHEIRO NECESSÁRIO À EDUCAÇÃO! FIM DO PAGAMENTO DA DÍVIDA PÚBLICA!
LUTAR PELA REVOLUÇÃO! LUTAR PELO SOCIALISMO!
Fontes:
[1] LENIN, V.I. A s Tarefas das Uniões da Juventude 1920. https://www.marxists.org/portugues/lenin/1920/10/02.htm. Acesso em 20 de Agosto de 2019, 22:00.
[2] D‘AVILA, G; SOARES, D. Vestibular: fatores geradores de ansiedade na “cena da prova”. Revista Brasileira de Orientação Profissional. V.4 n.1-2: São Paulo, dez. 2003.