Dos trilhos às ruas.

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Nos metrôs, que a partir das cinco da tarde, antes eram lotados e mal dava para se mexer, hoje se encontram apenas com uma porção de pessoas circulando, apenas por necessidade.

Em uma das várias estações espalhadas por toda São Paulo, por volta das oito da noite, espero por um vagão de trem, as frotas foram reduzidas devido ao Corona Vírus e as esperas passaram de minutos à uma eternidade. Passam vagões de carga, vagões para outros sentidos até que uma luz distante vem se aproximando, finalmente era o trem que eu tanto esperava, as portas se abrem e, diferente do que esperava, boa parte dos lugares estavam desocupados, escolhi um lugar e me sentei e em volta outras pessoas seguiam suas viagens, pessoas de mais idade, jovens, todos aparentavam voltar do trabalho, alguns com uniformes outros sem, mas sempre com uma bolsa ou mochila em mãos.

Alguns olhares desconfiados me perseguiam e alguns dos passageiros inclusive usavam máscaras para evitar qualquer possibilidade de contágio do tão falado Covid-19. Após os seguidos entra e sai de pessoas em cada estação finalmente chego ao meu destino. O relógio já marcava nove horas e para chegar em segurança optei por chamar um Uber que em poucos minutos chegou ao local solicitado, entrei no carro, a primeira coisa que vejo foi um álcool em gel ao lado esquerdo do banco, cumprimentei o motorista, porém sem o clássico aperto de mãos. Eu também não fiquei de fora das paranoias causadas pela pandemia em curso. Logo lhe pergunto como andam as ruas, o movimento da cidade, as corridas e ele me responde com uma certa angústia:

– Cara, o movimento caiu mais do que a metade, esse carro é alugado, poucas pessoas tão chamando, tô até improvisando umas entrega de comida, mas tá complicado.

Eu não esperava tal resposta que demonstrava tamanha situação em que o motorista estava passando e logo me passou pela cabeça quantos outros motoristas e trabalhadores informais não estavam passando pelo mesmo sufoco e em seguida disse:

-Caralho, que situação, e você tem algum outro plano, algum outro trampo em mente pra conseguir se sustentar?

Com um olhar franzido, me respondeu com um tom de tristeza, demonstrando a profundeza do problema pelo qual passava:

-Pior que não, tô pensando em devolver o carro, se pá nem vou ter o dinheiro pra pagar se continuar.

Meio sem muito o que dizer tentei dar um conselho:

-Putz, tenta umas corridas mais para o centro de São Paulo, região da Paulista, quem sabe não chama? É foda, com esse governo aí é só atraso, o sistema como um todo tá fodido.

-Pode crê, vou fazer isso aí, tentar dar um jeito.

Então o silêncio toma conta por alguns segundos, o carro vira a esquina e já consigo ver o endereço de destino, desejei boa sorte e deixei o carro. Mesmo depois de alguns minutos terem passados, eu ainda mastigava aquelas ideias na minha cabeça, que me levaram a passar um bom tempo refletindo sobre a situação do motorista e de muitos outros trabalhadores que para os ricos, são apenas só mais alguns anônimos na sociedade que não tem nenhum apoio do governo. Mais um triste episódio de um trabalhador e mais um retrato da classe trabalhadora como um todo.

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