Menos juros ou fim do pagamento da dívida interna e externa? Uma polêmica com as posições da direção da UNE
Entre os dias 29 e 30 de julho ocorreu o 70º Conselho de Entidades Gerais (CONEG) da União Nacional dos Estudantes (UNE). Trata-se de um fórum deliberativo organizado anualmente pela UNE e composto por DCEs de todo o Brasil. O mote deste CONEG foi “Estudantes em movimento pela Reforma Universitária”.
A JCI acompanhou a mesa de abertura do evento, a mesa simultânea da manhã “Menos juros e mais educação: disputar os rumos da política” e a mesa simultânea da tarde “O papel do movimento estudantil na defesa da autonomia universitária”. O evento teve como objetivo criar uma plataforma política dos estudantes para as eleições municipais deste ano, como também as próximas eleições estaduais e federal, em que se apontaria a perspectiva de uma “Reforma Universitária”. A base para essa reforma universitária se daria a partir da redução da taxa Selic, taxa que influencia todas as taxas de juros no Brasil. Essa é a alternativa apresentada pelo conjunto da direção da UNE, tanto a sua ala majoritária (dirigida pelas juventudes do PT e do PCdoB) como a sua “ala de oposição”. Com isso levantam a campanha “Menos Juros! Mais Educação!”.
No segundo dia do CONEG (30/07) foi realizado um ato em frente ao Copom exigindo a redução da taxa que, no momento, encontra-se em 10,5% a.a. Desde então, o principal desenvolvimento prático dessa linha foi a convocação de atos, em todo o Brasil, com o mesmo slogan, para o dia 14 de agosto. Neles, apareceu de maneira lateral a luta contra a privatização da educação, com a nova lei do NEM, e a luta contra os projetos de militarização das escolas.
O ato em São Paulo, onde há uma licitação em curso do governo Tarcísio para a construção e gestão de 33 escolas, além da privatização de linhas da CPTM e da SABESP, sequer mobilizou pelo Fora Tarcísio como bandeira de unidade contra a privatização. Houve ainda uma divisão vergonhosa em que as organizações que compõem a oposição (Juntos! UJC, Correnteza etc.) seguiu até a Secretaria da Educação (SEDUC) enquanto a majoritária da UNE foi para a ALESP. Sequer houve uma assembleia para que as propostas fossem apresentadas, defendidas e votadas.
A JCI participou do ato em direção a ALESP, onde havia mais participação de estudantes secundaristas independentes, distribuindo panfletos, apresentando nosso jornal e abrindo diálogo com os estudantes presentes.
Entre o ato no Copom e os realizados no dia 14 de agosto, algo de extrema relevância aconteceu: no dia 02 de agosto Lula sancionou a privatização da educação. A nova lei do Novo Ensino Médio, a reforma da reforma, foi aprovada e no núcleo dela está a privatização da educação básica, através das parcerias público-privadas.
Em vários estados do país, como Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e Paraná, existem estudos ou projetos aprovados e em tramitação de parcerias com empresas privadas para a construção e/ou gestão de escolas estaduais. São transferências milionárias de recursos públicos para empresas privadas que não têm o menor compromisso com a educação e que para lucrarem são obrigadas a entregar serviços precarizados. Corre ao lado a perspectiva de demissões de trabalhadores da educação, subcontratações, terceirizações e a militarização de escolas.
Outro aspecto fundamental é a luta por vagas para todos nas universidades públicas e o fim do vestibular. Essa luta histórica do movimento estudantil foi abandonada há anos pelas direções dessas entidades, que passaram a defender a regulamentação do ensino pago, isto é, a gestão e fiscalização da transferência de dinheiro público para empresas privadas. Assim como agora introduzem uma reivindicação artificial no movimento estudantil, a gestão da taxa Selic.
Lula x Campos Neto? Todos estão a serviço do capital
O CONEG, a campanha desenvolvida pela direção da UNE, UBES e ANPG e os atos convocados, são usados pela majoritária como um reforço à campanha de Lula para baixar a taxa Selic. Isso porque o Banco Central, presidido por Roberto Campos Neto, órgão estatal responsável pelo controle da inflação no país e, para isso, usa, principalmente, a taxa básica de juros (Selic), definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom). Em termos de política econômica, ao aumentar a taxa Selic, aumenta-se os juros cobrados em empréstimos. O dinheiro fica mais caro, portanto, tanto pessoas quanto empresas deixam ou postergam determinadas compras e/ou investimentos que iriam realizar se o custo do dinheiro fosse mais barato. Assim, há menor demanda por reais, o que faz com que os preços baixem, controlando a inflação. É uma ferramenta de política econômica que, na prática, induz uma recessão. O argumento central de Lula é que os juros altos atrapalham o crescimento econômico por inibir investimentos e compras, além de comprometer o orçamento do governo já que, quanto mais alto estão, mais o governo gasta para arcar com os serviços dívida — juros e amortizações, que também é afetado pela alta da taxa de juros —, sobrando menos dinheiro para realizar outros investimentos. Lula utiliza essa retórica de maneira demagógica, uma vez que bastaria revogar a independência do Banco Central e organizar sua própria equipe, que baixasse os juros… Não é esse o caso, é mais interessante manter o espantalho.
Já Campos Neto afirma que a taxa Selic em 10,5% a.a. é suficientemente alta para controlar os preços e trazer a inflação para o centro da meta. Travando uma queda de braços contra Lula, ele afirma que elevará ainda mais a taxa de juros se for necessário para controlar os preços.
É verdade que, com juros altos, as pessoas comuns são mais prejudicadas enquanto o capital é melhor remunerado e utilizado para a especulação. Mas apresentar a perspectiva de que a redução dos juros seria suficiente para que os investimentos nos serviços públicos sejam realizados é uma farsa. Os investimentos nas áreas sociais ainda não seriam realizados mesmo com taxas baixíssimas e sabe por quê? Por que existe um compromisso religioso com o pagamento da dívida interna e externa. Mesmo que os serviços da dívida fossem menores, o Estado submisso do Brasil, comandado por Lula, ainda manteria a “responsabilidade fiscal” e destinaria enormes volumes do orçamento anual para pagá-la, garantindo o atendimento aos interesses do imperialismo. Tanto o governo Lula-Alckmin, pagando a dívida, quanto Campos Neto, com juros altos, servem ao capital e isso precisa ser revelado aos trabalhadores e jovens. Leia sobre isso com mais profundidade aqui.
Dívida interna e externa: colocando os serviços públicos na pedra de sacrifício do capital
O manifesto do 70º CONEG aponta que “o pagamento de juros da dívida pública do Banco Central somou R$ 614,55 bilhões no mesmo ano [2023], com avanço significativo em relação a 2022, quando os juros subtraíram R$ 503 bilhões do orçamento da União”. Mas esses R$614,55 bilhões são apenas correspondentes ao que foi pago, em 2023, com os juros e amortização da dívida. A dívida, interna e externa, encerrou 2023 alcançando a marca de R$8,1 trilhões, isto é, 74,4% do PIB. Para 2024, a previsão é que a dívida alcance 77,8% do PIB. Segundo o cálculo da Auditoria Cidadã da Dívida, 43,23% do orçamento federal executado em 2023 foi destinado para o pagamento de juros e amortizações da dívida. Isso demonstra onde estão as prioridades do governo e do Estado brasileiro. É daí que necessitam praticar todos os ataques como o reajuste zero dos servidores das universidades e institutos federais, o NEM e a privatização das escolas e das estatais.
Apresentar um diagnóstico sobre o que é pago com os juros da dívida é correto, contudo, a solução – reduzir os juros – é falsa. A reivindicação que emana desse diagnóstico só pode ser a ruptura com o pagamento da dívida, interna e externa.
O documento continua: “Sabemos do nosso compromisso histórico de liderança nas causas juvenis no Brasil em derrotar a extrema-direita sem abaixar os interesses históricos do movimento estudantil e da classe trabalhadora.” Mentira! Puro suco de oportunismo! A bandeira histórica do Congresso de Refundação da UNE de 1976 por educação pública, gratuita e universal foi abandonada. A bandeira histórica do mesmo congresso sobre a independência do movimento estudantil. A luta pelo fim do vestibular? A luta contra as privatizações? A solidariedade internacional a luta dos estudantes e entidades estudantis de todo o mundo, parte dos pontos da carta de princípios de 1976, como em relação aos estudantes de Bangladesh, brutalmente assassinados pelo regime de Hasina? Nada!
Nós, comunistas, não defendemos um “orçamento robusto” para a educação, mas sim todo o orçamento necessário para a educação pública. O manifesto fala em luta por “um país livre, soberano e com justiça social”. Os comunistas não lutam por ideais abstratos e românticos, mas pelos reais interesses históricos dos estudantes e trabalhadores. Lutamos por um mundo sem fronteiras, livre de toda exploração, dominação e dominação burguesa e imperialista, em que a economia esteja planificada e sob controle democrático dos trabalhadores, organizada em conselhos de trabalhadores. Essa é a justiça que defendemos, e é a única que aceitamos: tudo que a classe operária produz, à ela pertença.
O papel das direções
O papel da direção do movimento estudantil não deveria ser o de discutir qual valor da taxa de juros nós queremos, de modo a querer administrar a máquina do estado burguês e gerenciar a crise do capitalismo. A UNE deve retomar seus princípios da carta da refundação de 1976, que diziam:
1) A UNE é a entidade máxima e representativa dos estudantes brasileiros na defesa de seus interesses e direitos;
2) A UNE é uma entidade livre e independente, subordinada unicamente ao conjunto dos estudantes;
3) A UNE deve pugnar em defesa dos interesses e direitos dos estudantes, sem qualquer distinção de raça, cor, nacionalidade, sexo ou convicção política, religiosa e social;
4) A UNE deve prestar solidariedade à luta de todos os estudantes e entidades estudantis de todo o mundo;
5) A UNE deve incentivar e preservar a cultura nacional popular;
6) A UNE deve lutar pelo ensino voltado para os interesses da população brasileira, pelo ensino público, gratuito, estendido a todos, em todos os níveis;
7) A UNE deve lutar contra todas as formas de opressão e exploração e prestar irrestrita solidariedade à luta dos trabalhadores do mundo inteiro. (Grifos nossos. Carta de Refundação de 1976)
Em seus princípios, estão bem claro posições de independência, de classe e socialistas. Princípios de um verdadeiro sindicato de estudantes, que luta pela educação pública, gratuita e para todos, em todos os níveis, com o fim do vestibular e uma vaga para cada estudante que queira continuar seus estudos em nível superior, independente de sua cor, gênero, etnia, identidade sexual. Essa reivindicação é possível hoje, agora, com a qualidade que cada escola, universidade, instituto necessita para fazer avançar a educação e a ciência. Para isso, é necessário parar o pagamento da dívida interna e externa. Essa é a posição da Juventude Comunista Internacionalista (JCI), fração jovem da Organização Comunista Internacionalista (OCI) em total oposição às posições apresentadas pela majoritária e por setores da oposição da UNE.
Você é comunista? Então organize-se!