Superar a falência política, combater pelos princípios da refundação: balanço do 60º Congresso da UNE

Em um momento em que as contradições do capitalismo se aprofundam, num país dominado pelo imperialismo como o Brasil, essas contradições se aprofundam de maneira geral. As instituições do estado burguês já não têm mais a mesma confiança dos trabalhadores. O programa de conciliação de classes expõe seus limites. As questões em que se deparam os estudantes não podem mais ser respondidas dentro dos marcos desse sistema. Essa pressão faz com que a juventude e os trabalhadores busquem organizar sua luta por fora das organizações tradicionais que não respondem os seus problemas. Enquanto a base se radicaliza, busca entender e sair da crise sistêmica do capitalismo, a direção vira no sentido contrário, se converte no defensor do status quo e aliena sua própria base. É isso que temos observado na relação da UNE com a massa de estudantes.

Nesse processo, o afastamento da base é usado como justificativa política para o giro da própria direção à direita. Mas a realidade não aceita vácuos, como já explicamos anteriormente. Na busca por uma representação, a juventude faz essa radicalização, e essa não tem cor de partido. Nessa busca, uma parte dessa juventude é cooptada por discurso de extrema-direita, cooptação essa que é fruto da crise de direção no movimento estudantil e no movimento operário. Mas há uma outra parte, evidentemente a maioria, que busca uma saída à esquerda e se enfrenta com essas direções. Ter uma análise superficial de despolitização, ou mesmo a ascensão do fascismo, em nada contribui para entender os problemas do movimento estudantil. Romper com a ideia reacionária de “onda conservadora”, e ir à raiz do problema, é fundamental para compreender a situação atual. Nosso papel é entender, e falar a verdade para o coletivo dos estudantes. Hoje o movimento estudantil organizado encontra-se falido politicamente.  

O 60º Congresso da UNE ocorreu em uma nova situação política e foi incapaz de responder à altura

É nessa realidade de coisas que foi realizado o 60º congresso nacional da UNE (Conune), que aconteceu no último mês de julho, entre os dias 16 e 20, em Goiânia. Como analisamos em nossos relatos, o congresso foi marcado pelo caos, falência política e fraudes. Para aqueles que já acompanharam um congresso da UNE, principalmente nos últimos anos, pode dizer “sim, como sempre…”, entretanto, esta edição em especial marca um salto de qualidade na degeneração que a direção majoritária vem arrastando a entidade, organização, as fraudes e a burocracia gritante, são expressões da falência política na qual a majoritária vem submetendo a UNE, e que se expressou também entre as forças da chamada oposição.

A política de conciliação e colaboração com os elementos burgueses da sociedade e do Estado, colocaram a entidade em um total descrédito frente ao coletivo dos estudantes. Essa realidade, não é exclusiva à UNE, mas se expressa no conjunto do movimento estudantil. O que vemos é um rompimento com os princípios da refundação da UNE de 1979 e a ruptura da entidade com as reais necessidades de sua base histórica, operada por uma direção que mantém o controle não pela força de seu programa, mas ao contrário, pela força do aparato, das fraudes e da ampliação dos métodos burocráticos. O descaso dos dias de “debates abertos” – os debates simultâneos durante o Conune – demonstra isso com clareza: censura de posições discordantes, proibição de espaço de falas para o coletivo dos estudantes. Apenas algumas das táticas usadas para bloquear qualquer tipo de discussão política de fundo. Isso, por sua vez, aponta o grau da mudança que precisa atingir a UNE enquanto entidade.

Frente a essa radicalização da juventude, a direção da UNE sacrifica toda a democracia estudantil, os princípios da entidade para manter seu poder sobre esta. Nesse processo de uma completa falta de perspectivas para a juventude, de uma radicalização antissistema e pela busca por saídas radicais para essa crise, a direção majoritária acentua sua ruptura com uma luta revolucionária e de enfrentamento ao capital. Ainda assim, mantém uma máscara “progressista”. Se fala da luta pela educação, contra os cortes, Bolsonaro na prisão e até mesmo da luta anti-imperialista e pela soberania nacional. No entanto, essas pautas assumem o conteúdo da frente ampla, isto é, da unidade entre interesses de classes antagônicas, em nome do Estado democrático de direito, da democracia burguesa.

A direção majoritária composta por UJS, PT, Consulta Popular, Levante Popular da Juventude, PDT e agora também o PSD e setores da direita do PSOL, por não apresentar uma programa radical e de enfrentamento ao capital, que possa se conectar realmente com os interesses da juventude, mantém práticas burocráticas que lhes permite permanecer com a maioria dos assentos na direção. Os congressos da UNE que há muitos anos são organizados para impedir de fato uma discussão política real entre delegados e observadores, o debate de ideias e o livre convencimento, tiveram um salto de qualidade, para pior, nesta edição, onde vimos, com essa política degenerada de união nacional, a participação e o espaço de intervenção para forças de extrema-direita no congresso. Representantes da recém-criada União da Juventude Conservadora, não apenas tiveram um espaço no plenário, como tiveram  tempo de fala nos últimos dois dias.

Enquanto isso, essa mesma direção reduziu o tempo de fala da  “Oposição de Esquerda”, e se negou a  liberar tempo para militantes da Juventude Comunista Internacionalista para apresentar aos delegados do congresso uma moção de solidariedade aos membros do Comitê de Ação Awami do Paquistão, perseguidos, presos e torturados pelo Estado por defender os interesses dos trabalhadores frente a pilhagem imperialista de suas terras na regão de Gilguit-Baltistão. Com isso, a direção majoritária e, sobretudo a UJS e o PCdoB, enterraram mais um dos princípios da refundação de 1979:

7. A UNE deve lutar contra toda forma de opressão e exploração, prestando irrestrita solidariedade à luta dos trabalhadores de todo o mundo.”

A UJS e o PCdoB, bem como todas as forças que se reivindicam da classe trabalhadora que não moveram um dedo para essa moção ser aprovada, podem jogar fora seus símbolos comunistas e socialistas, porque sua utilização não passa de uma formalidade e uma usurpação oportunista. Não há nenhum conteúdo real nisso para eles.  

Se criou uma reedição de um “nacionalismo progressista”, e se rompeu com a solidariedade internacionalista. Foi isso que observamos no ato pela Palestina e contra a ingerência imperialista de Trump no Brasil. A luta em defesa do povo palestino, teve o seu tom suavizado, e as cobranças ao governo por uma definitiva ruptura de todas as relações com o Estado de Israel, foram colocadas em segundo plano. No lugar disso, a direção colocou essa pauta genérica e pacifista de luta pela paz, e acumularam-se falas de um discurso nacionalista, como solução ao imperialismo.

A ausência de uma verdadeira oposição revolucionária em programa e métodos

Por parte da “Oposição de Esquerda”, o que vemos tem sido uma progressiva adaptação aos métodos burocráticos e fraudulentos da majoritária. Como caracterizamos em textos anteriores:

“O programa político da oposição apenas se diferencia no que tange a independência em relação ao governo Lula e ainda assim com sérias limitações, devido a concepção de ascenso do fascismo e da concepção de frente ampla que dela decorre. Como consequência de um programa adaptado, os métodos da oposição têm se aproximado dos métodos da majoritária – fraudes, corrupção etc.”

As forças do Juntos!, PCBR e UP, fazem um tipo de união dos de cima, uma união programática da direção, sem nenhum tipo de discussão concreta na base. Além disso, há uma adaptação aos métodos fraudulentos e burocráticos, como aquele que fez explodir o DCE da UFMG por denúncias de corrupção.  A Faísca, mesmo que corretamente exponha o erro de participação e conciliação das forças da esquerda com o governo Lula/Alckmin, defende um programa oportunista, cedendo a  e políticas identitárias, assim como também fizeram  uso de provocações ao longo do congresso que resultaram em conflito físico entre parte de sua delegação e militantes do PSTU.

O PSTU, voltou à compor a UNE nesta edição com 22 delegados, depois de anos de uma política sectária e esquerdista construindo a ANEL. Seu retorno com essa quantidade de delegados, demostrou a falência dessa política esquerdista.  O que ficou marcado nesse retorno do PSTU foi o rebaixamento das práticas políticas se rendendo a provocações e violência entre os militantes, como ficou expresso na confusão envolvendo PSTU e Faísca no último dia, em que ocorreu o disparo de spray de pimenta contra outros militantes organizados, inclusive encorajado por dirigentes como consta em vídeo em circulação.

Outro ponto que nos chamou a atenção foi a blindagem das delegações para receber as ideias de outras forças. Uma expressão disso foi a prática adotada pelas direções das próprias organizações da oposição de proibir os seus militantes, delegados e observadores na base, de pegar e/ou comprar materiais de outras forças. Essa prática de centralismo burocrático, muito praticada pela majoritária, reforça a lógica dos mandatos imperativos, isto é, o delegado não pode ouvir os argumentos e mudar de posição se for convencido, prestando conta àqueles que o elegeu. Pelo contrário, ele já tem um voto determinado, um voto que não pode ser alterado e exatamente por isso não pode ter contato com as ideias de fora da bolha política e organizativa que o levou até o congresso. Essa prática, há anos realizada pela UJS para manter o controle total dos delegados que elege, foi incorporada por diferentes organizações da oposição durante o congresso, notadamente, a UP/Correnteza, maior bancada da oposição.

A “Oposição de Esquerda” não existe para fora dos congressos da UNE, é apenas um agrupamento momentâneo de forças para atuação no congresso, com um programa costurado nos bastidores e por cima, pelas direções. Além disso, tal programa não oferece uma solução radical para a retomada dos princípios de refundação da UNE. Insistimos nisso porque é evidente que aqueles princípios são o que a entidade precisa para enfrentar a crise do sistema capitalista e sua própria crise como direção dos estudantes. Hoje, se a UNE convocar uma greve, até mesmo uma manifestação, o conjunto dos estudantes não atende de maneira massiva porque em geral as pautas não respondem às suas necessidades, porque sequer conhecem a UNE, quanto mais sua autoridade histórica e a força que já teve no passado. Foi o que observamos nos atos convocados para o dia 14 de agosto que não mobilizaram mais que os próprios aparatos controlados por essas entidades e de outras forças de oposição, sem mobilizar a massa dos estudantes.

A oposição, por sua vez, está envolta em um programa oportunista e centrista, que ora apresenta-se como a porta-voz da luta pelo fim do vestibular, por exemplo, ora defende cotas e até mesmo mais vestibulares, como os vestibulares indígenas. Ao passo que defende a ampliação do orçamento para a educação, não questiona a continuidade do pagamento da dívida interna e externa e, por isso, termina por ceder às migalhas que vinculam investimentos ao PIB ou ao pré-sal. Ainda, ora defendem a educação pública, ora celebram a regulamentação do EAD e do ensino superior privado.

As concessões são inúmeras. Além disso, devido a um erro de análise conjuntural, a ideia da ascensão do fascismo e de onda conservadora, embrulha-se com a ladainha da unidade nacional que tem como resultado a defesa da sociedade burguesa e de suas instituições, a “defesa da democracia”. Do ponto de vista tático, não compreendem o que é a frente única proletária e confundem o programa com as ações comuns na luta de classes em defesa dos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora e da juventude. Isso ficou evidente quando abrimos o diálogo com forças da oposição para levar a frente uma proposta de campanha da UNE pelo fim do vestibular e tivemos a resposta positiva sobre a bandeira, mas que isso já estava nas teses da oposição unificada ou que deveríamos assinar essas mesmas teses para levar a proposta adiante. Uma confusão lamentável, como explicamos antes:

“Mantemos nosso total direito de organização própria, nossa liberdade de crítica em relação a essas organizações. Por isso, não assinamos as teses da oposição e não a compomos nesta edição do Conune. No entanto, a ação em comum é o que estava em discussão aqui, independentemente de como votaram os delegados de cada organização. Marchar separados, golpear juntos. E aqui golpeamos juntos a burocracia na UNE e os abutres imperialistas e reacionários que exploram, oprimem, prendem e torturam militantes socialistas e comunistas. Dialogamos inclusive com dirigentes da UJS sobre a solidariedade aos camaradas do Paquistão. Deveríamos ter assinado as teses deles também? Óbvio que não… Esperamos que os companheiros reflitam sobre essa lamentável confusão.”

Qual a UNE que precisamos?

A situação mundial nos exige uma posição radical e revolucionária para a juventude e para a classe trabalhadora. No mundo inteiro, a crise do sistema empurra milhões de jovens para conclusões revolucionárias, comunistas. Ao mesmo tempo, a decepção política com a falta de alternativa radical joga milhões de jovens no colo dos demagogos de extrema-direita e de seus preconceitos. A ausência de um programa radical, a adoção de métodos burocráticos e fraudulentos, apenas afastam a enorme maioria dos jovens da luta organizada, faz com que entendam que essa entidade não é sua e para nada lhes serve.

A UNE que precisamos é uma ferramenta viva dos estudantes, é uma UNE intransigente na luta pela educação pública, gratuita e para todos e por isso é apenas e unicamente subordinada ao conjunto dos estudantes. A UNE que precisamos é a UNE que tem princípios claros, que fazem uma verdadeira demarcação da entidade enquanto uma entidade de classe, contra a exploração e opressão, e que presta irrestrita solidariedade internacional. A UNE que precisamos é a UNE que estabeleceu os sete princípios abaixo em sua refundação de 1979, na luta contra a Ditadura Militar:

1. A UNE é a entidade máxima dos estudantes brasileiros na defesa dos seus direitos e interesses.

2. A UNE é uma entidade livre e independente, subordinada unicamente ao conjunto dos estudantes.

3. A UNE deve pugnar em defesa dos direitos e interesses dos estudantes, sem qualquer distinção de raça, cor, nacionalidade, convicção política, religiosa ou social.

4. A UNE deve manter relações de solidariedade com todos os estudantes e entidades estudantis do mundo.

5. A UNE deve incentivar e preservar a cultura nacional e popular.

6. A UNE deve lutar por um ensino voltado para o interesse da maioria da população brasileira, pelo ensino público e gratuito, estendido a todos.

7. A UNE deve lutar contra toda forma de opressão e exploração, prestando irrestrita solidariedade à luta dos trabalhadores de todo o mundo

É sobre a base desses princípios que um programa político radical, que realmente se conecta com as necessidades e perspectivas da juventude brasileira, pode se levantar, unificar e mobilizar a juventude utilizando a UNE como instrumento para arrancar verdadeiras conquistas e vitórias contra o Estado burguês e seus gerentes. É sob essa base que a Juventude Comunista Internacionalista atuou nesse congresso, resgatando os princípios da refundação, elaborando um programa político revolucionário a partir dele, de onde também se desdobraram nossos métodos da democracia estudantil e de total independência política e financeira. É por meio desse caminho que a UNE pode voltar a se reconectar com os estudantes, se converter numa força real e não apenas um aparato desconhecido pelos estudantes.

Aos estudantes que participaram das etapas preparatórias do congresso, que estiveram presentes ou que ouviram falar sobre ele, inclusive aqueles que estão tendo contato pela primeira vez com esse assunto, os convidamos todos para construir conosco essas bandeiras, dentro e fora da UNE, dentro e fora do movimento estudantil. Mas sobretudo nas lutas cotidianas de enfrentamento às mazelas que o sistema capitalista nos impõe e para abrir uma saída comunista para o futuro.

Essa construção assume agora a continuidade da luta que apontamos em nossas teses, a luta contra o imperialismo e suas guerras e por isso convidamos os jovens e trabalhadores a participarem do Encontro Nacional “Fora o imperialismo e suas guerras!” que será realizado no dia 20 de novembro em São Paulo e online. A convocatória pode ser lida neste link, onde também é possível realizar a inscrição. Participe!


Leia toda a nossa análise sobre a preparação e os relatos do 60º Congresso da UNE

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